Casas Religiosas de Clarissas na Cidade de Lisboa

Cidade de Lisboa
 

No âmbito do estudo das Casas Religiosas de Lisboa, um projeto SIPA que tem como principal objetivo identificar e mapear a evolução dos imóveis que tiveram grande impacto na estruturação e no crescimento da cidade, nascerão vários subprodutos que visam o conhecimento da tipologia arquitetónica destes edifícios a partir da norma construtiva de cada uma das ordens religiosas. O primeiro destes subprodutos, agora publicado, analisa os mosteiros femininos da Ordem de Santa Clara, a mais representativa na cidade. Este estudo teve por base cartografia e bibliografia variadas, tomando como fonte principal a documentação produzida na sequência da extinção das ordens religiosas em Portugal, em 1834. Contudo, não se encontra esgotado em termos de informação, subsistindo um enorme leque de fundos documentais ainda por desbravar e que virá colmatar, certamente, algumas dúvidas que subsistem relativas à vivência das religiosas e à localização das dependências monacais.

 
 

Descrição

Na cidade de Lisboa, dos vinte e cinco cenóbios femininos recenseados até à data pelo SIPA, em dez professava-se a regra de Santa Clara, nas suas três variantes: a primeira, criada por São Francisco de Assis, em 1253, bastante rigorosa no que concerne aos votos de pobreza e de humildade, era professada nos mosteiros da Madre de Deus de Xabregas, de Nossa Senhora da Quietação, vulgo Flamengas, e do Crucifixo, também conhecido como Francesinhas, estes dois últimos seguindo a especificidade das Capuchinhas; a segunda variante, menos rigorosa, permitindo às religiosas uma vivência menos ascética e a posse de bens e rendimentos próprios, aprovada pelo papa Urbano IV, em 1263, era seguida nos mosteiros de Santa Clara, o mais antigo, de Nossa Senhora da Piedade da Esperança, de Santa Marta, do Monte Calvário e do Desagravo do Santíssimo Sacramento; por último, a Ordem Terceira da Penitência, que tinha como objetivo agregar leigos numa vida comunitária, segundo normas de conduta aprovadas em 1289 pelo papa Nicolau IV, estava instituída nos mosteiros de Santa Ana e de Santa Apolónia.

Cinco destes cenóbios desapareceram irremediavelmente (são os casos dos mosteiros de Santa Clara, das Francesinhas, de Nossa Senhora da Piedade da Esperança, de Santa Ana e de Santa Apolónia), deles restando apenas a memória documental ou vestígios residuais, que nos permitem, em determinados casos, reconstituir a sua mole arquitetónica, a estrutura das várias dependência e, inclusive, analisar o seu património integrado, sendo o de Santa Apolónia o menos documentado.

Metade dos conventos objeto do presente estudo dependia diretamente da jurisdição do Patriarcado de Lisboa, estando os restantes integrados na Ordem de São Francisco. Assim, os mosteiros de Santa Ana e de Nossa Senhora da Piedade da Esperança dependiam da Província da Observância de Portugal, com sede no Convento de São Francisco da Cidade, enquanto os da Madre de Deus e de Nossa Senhora da Quietação eram administrados pela Província dos Algarves, vulgarmente designada como Xabregana, pois a casa-mãe estava instalada em São Francisco de Xabregas.

Todos eles foram fundados pela Coroa ou pela alta nobreza que em torno dela gravitava, excetuando o Mosteiro de Santa Clara, instituído por D. Inês Fernandes, viúva do mercador genovês D. Vivaldo de Pandulfo. Alguns edifícios tiveram fundação régia e nele ingressaram as filhas da alta nobreza do país. Assim, o Mosteiro da Madre de Deus teve como padroeira a rainha D. Leonor, mulher de D. João II; o de Santa Ana, a rainha D. Catarina, esposa de D. João III; o das Flamengas foi fundado por D. Filipe I de Portugal; as Francesinhas por D. Maria Francisca Isabel de Sabóia; e o do Desagravo do Santíssimo Sacramento pela Infanta D. Maria Ana, filha de D. José I.

TIPOLOGIA ARQUITETÓNICA

Estas casas religiosas situavam-se preferencialmente na zona ribeirinha da cidade ou nos seus arrabaldes, protegidas pela cintura de muralhas costeira. As exceções a esta implantação ao longo do rio Tejo ocorrem nas Francesinhas, em Santa Ana, no Desagravo do Santíssimo Sacramento, situadas nas colinas da cidade, e no de Santa Marta, já fora de portas, próximo de São Sebastião, localização justificada pela sua construção numa época em que grassavam graves epidemias pestíferas.

Dentro destes edifícios vivia um número diverso de religiosas, o que terá contribuído para determinar a sua estrutura, sendo que, nos da primeira regra, habitavam apenas trinta e três freiras professas, enquanto nos da segunda e terceira regras existiam mais monjas. Assim, temos a informação de que, por exemplo, no século 18, em Santa Marta residiam setenta e cinco religiosas professas, em Santa Ana 133 e em Santa Clara 233. A este número acresciam, contudo, as pupilas, as nobres que se recolhiam nos cenóbios, as serviçais (privadas ou não), os escravos, os moços que trabalhavam a cerca, os capelães..., tornando estes espaços verdadeiros polos de fixação de população.

Apesar das diferenças de rigor da regra professada em cada um dos imóveis estudados, que lhes atribuíam algumas especificidades estruturais e decorativas, e do número distinto de religiosas que os habitavam, é visível uma forte unidade tipológica, sendo possível traçar, em linhas gerais, a disposição das principais dependências que os compunham. Existe, contudo, um imóvel que se afasta, parcialmente, das estruturas dos seus congéneres, o Mosteiro do Desagravo do Santíssimo Sacramento, mas cujo desvio é facilmente explicável pela falta de espaço para o seu desenvolvimento pleno, dado encontrar-se cingido entre a encosta e a Igreja Paroquial de Santa Engrácia, atual Panteão Nacional.

A similaridade arquitetónica deve-se a vários fatores, nomeadamente à reforma seiscentista dos edifícios ocorrida na sequência das normas editadas por São Carlos Borromeu, no âmbito do Concílio de Trento, e das Constituições Gerais, aprovadas para todas as religiosas da Ordem, em 11 de junho de 1639. Poderá, ainda, contribuir para esta uniformidade o fato de alguns edifícios terem risco do mesmo arquiteto, como os de Santa Marta e de Santa Clara, da responsabilidade de Pedro Nunes Tinoco, ou os de Santa Marta e da Quietação (Flamengas), de Nicolau e Teodósio de Frias.Os mosteiros eram compostos pela igreja e, na sua face posterior, por uma área de clausura, desenvolvida em torno de um claustro e de vários pátios, rodeados por cercas muradas, às quais nem sempre as religiosas tinham pleno acesso, o que impedia a sua convivência com os serviçais; tal não sucedia nos edifícios das Capuchinhas, pelo menos numa primeira fase de existência, já que elas próprias se encarregavam do trabalho agrícola, implicando a existência de pequenas cercas.

O acesso processava-se por um terreiro ou pátio, por vezes fechado, que ligava à portaria de fora, às casas dos capelães e da(s) veleira(s), freiras leigas que deambulavam pela cidade pedindo esmola. É frequente que, nestes pátios, se erguessem dependências destinadas aos serviçais.

Abrindo para o terreiro ou para a rua onde se rasgava o pátio, surgia o portal de acesso aos templos. Estes são compostos por nave, com eixo longitudinal interno e acesso lateral, excetuando o caso do Mosteiro das Francesinhas. A igreja deste possuía, para além da porta travessa, um portal axial que abria para um endo-nártex e para a nave, solução possível pela inexistência de coros-baixos nos edifícios de Capuchinhas, como se verifica no Mosteiro das Flamengas e no de Nossa Senhora da Madre de Deus de Guimarães.

As naves, espaços de acesso público, encontravam-se divididas por teias de madeira marchetadas a bronze e com acrotérios de pedraria, que protegiam as capelas laterais, profundas ou à face; nos edifícios mais pobres, estas eram em número de duas, mas podiam ascender às oito (Santa Clara). As paredes do templo encontravam-se revestidas a azulejo, de padrão ou figurativo, e encimadas por um registo de molduras de talha que enquadravam telas a representar cenas da vida de São Francisco (Evangelho) e de Santa Clara (Epístola).

A capela-mor encontrava-se, desde as normas tridentinas, em posição elevada relativamente à nave, permitindo a observação das cerimónias litúrgicas pelas religiosas, instaladas no coro-alto. Prolongando longitudinalmente o eixo formado pelo templo, surgia a sacristia de fora, adossada à parede testeira, à qual apenas tinham acesso os capelães.Na parede fundeira da nave, rasgavam-se dois vãos sobrepostos, o inferior correspondente ao coro-baixo, protegido por grade contendo comungatório e frequentemente ladeada por dois confessionários, destinados às religiosas; o superior possuía a grade do coro-alto, sobre a qual podia existir, no caso dos mosteiros com mais posses e/ou de proteção régia, um sacrário, visível da igreja e do coro, para exposição do Santíssimo Sacramento, o que exigia o recurso à implantação de uma tribuna com acesso por uma das paredes da nave, permitindo ao capelão a colocação da Sagrada Partícula no local. Nestes casos, a grade incluía o comungatório.

A área monacal desenvolvia-se em torno de um grande claustro, de dois pisos, marcados por arcadas e/ou vãos retilíneos, com tanques ou poços centrais, rodeados por canteiros de flores. Em alguns casos, o segundo piso não possuía colunas, constituindo uma simples varanda, como no Monte Calvário, e, em dois cenóbios, a quadra não era fechada: na Madre de Deus, devido à presença, a este, do Palácio Nisa, existindo um simples muro de separação, e em Santa Ana, onde o declive do terreno não o permitia.

No piso inferior da zona regral desenvolviam-se, perpendicularmente ao coro-baixo, por vezes antecedido por ante-coro, a sacristia de dentro, onde as religiosas arrecadavam as alfaias das capelas privadas, a Casa do Capítulo ou das Culpas (onde se reunia diária ou semanalmente a comunidade e onde eram assumidos os erros cometidos pelas várias religiosas), a casa do lavor — que também podia assumir a função de rouparia — e a livraria, surgindo, na ala oposta, a portaria, a casa da roda e o locutório. Na ala paralela à igreja localizavam-se, a cozinha, o refeitório e a(s) arrecadação(ões). Nos edifícios de maiores dimensões, estas dependências situavam-se em torno de pequenos pátios e neles existiam, ainda, a casa do fogo, a casa do forno, a amassaria...

No segundo piso, com acesso pela escada regral, situada na ala dos dormitórios ou na quadra do claustro, surge o ante-coro, com altar próprio e profusa decoração de talha, pintura e azulejo. Por este tinha-se acesso à dependência fundamental deste piso, o coro-alto, onde decorria grande parte da vida das religiosas, que nele marcavam as horas litúrgicas. Possuía um cadeiral, com uma ou duas ordens de cadeiras, tendo, frequentemente, um número de assentos bastante superior ao número de religiosas que habitavam o cenóbio. A ladear a grade encontravam-se dois oratórios. Pelo ante-coro acedia-se, igualmente, à torre sineira, onde o toque dos sinos regulava os momentos litúrgicos e a própria vivência das monjas. Na ala paralela à igreja situavam-se a enfermaria e a casa das convalescentes, com cozinha e refeitório próprios, botica e capela, constituindo o único local do cenóbio com possibilidade de ligação ao exterior, para permitir a entrada do capelão ou do médico. Ainda nesta zona localizavam-se os mirantes, estruturas torreadas com um ou dois pisos de vãos protegidos por gelosias e/ou grades, zonas de lazer da comunidade, onde podiam contemplar a vivência citadina.

Em ambos os pisos do claustro, nas alas ou varandas, proliferavam capelas ou oratórios particulares, sendo comum a existência de Passos da Via Sacra no inferior. Para a quadra abriam, ainda, os aposentos privados da abadessa, implantados no primeiro ou no segundo piso. Também na zona regular, especialmente nos cenóbios que seguiam a regra urbanista, podiam surgir aposentos particulares, destinados a nobres que neles se recolhiam, e não era raro que as religiosas possuíssem cozinhas e criados privados nestas dependências, compostos, portanto, não por uma simples cela, mas por várias salas.

As cercas apresentavam dimensões variáveis, contendo poços, tanques de rega e constituindo um dos pontos fulcrais na condução do abastecimento de água ao edifício, pelo que se situavam na zona mais elevada do conjunto. Nestas existiam, para além dos terrenos de cultivo, hortas, árvores de fruto e vinha conduzida em latada, casas de apoio ao cultivo da terra, capelas várias e jardins de lazer, de estrutura formal.

Estes edifícios, pela sua dimensão, tornaram-se, na sequência da expulsão das ordens religiosas pelos liberais e da venda dos terrenos das cercas e edifícios monacais, verdadeiros elementos estruturantes da cidade, condicionando o perfil das vias públicas, o loteamento das áreas, que, frequentemente, aproveitaram estruturas existentes a criação de zonas de lazer no espaço dos antigos terreiros sendo, portanto, essencial o seu estudo e a reconstituição dos seus espaços para a perceção do evoluir da malha urbana.

Tipologia

Arquitectura religiosa

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