Grupos Escolares construídos ao abrigo do Plano dos Centenários em Lisboa — 1944-1961
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O presente inventário temático surge no decurso do trabalho habitual de atualização dos registos de inventário do património arquitetónico existentes na base de dados do SIPA, nomeadamente nos imóveis construídos na tipologia “educativo” (entenda-se, edifícios construídos para o ensino) no concelho de Lisboa. Nesse âmbito, verificou-se a existência de imóveis com características perfeitamente enquadráveis nos cânones do Movimento Moderno, edificados pela autarquia lisboeta ao abrigo do programa de subsídios estatais atribuídos pelo Ministério das Obras Públicas para a construção de uma rede escolar, comummente conhecido por Plano dos Centenários. Coexistem assim, na cidade de Lisboa, erguidos numa mesma época e ao abrigo do mesmo programa construtivo, dois “géneros” de edifícios, com feições externas bastante diversas (por vezes mesmo na sua adaptação ao terreno), consoante resultem de promoção estatal ou camarária, embora sempre assentes numa mesma planta funcional.
Neste inventário ocupar-nos-emos apenas dos imóveis de promoção autárquica, por serem aqueles que mais se distanciam das características habituais traçadas para o Plano. Para a sua elaboração foi, assim, fundamental a consulta das peças documentais existentes no Arquivo Municipal de Lisboa[1] (que incluem fotografias da construção e da inauguração destes grupos escolares), assim como a leitura cuidada dos Anais do Município de Lisboa[2] e de alguns números da Revista Municipal, para além, claro, de outra bibliografia[3] nacional existente sobre o assunto. A pesquisa documental foi complementada por visitas de reconhecimento e levantamentos fotográficos aos imóveis objeto do presente estudo[4].
Plano dos Centenários (1944-1965)
A 17 de dezembro de 1940 é promulgada a Lei n.º 1985, integrada no Orçamento Geral do Estado para 1941, que, no seu artigo 7.º, prevê a execução de um plano geral da rede escolar, que denomina como sendo dos "Centenários" (muito embora as comemorações oficiais do Duplo Centenário da Fundação e da Restauração de Portugal tivessem encerrado oficialmente a 3 de dezembro desse mesmo ano).
Antecedentes
A inexistência de construções adequadas a uma boa prática do ensino era já uma situação antiga, que desde meados do século XIX conhece tentativas várias de solução, sem que no entanto nenhuma consiga dotar o país de uma rede nacional de escolas públicas.
Será, a partir de 1932, após a criação do Ministério das Obras Públicas e Comunicações e da tomada de posse de Duarte Pacheco (1900-1943) como ministro, que, num processo de reorganização da atuação do ministério com o objetivo de dotar o país das obras públicas de que este carecia, a Repartição de Construções Escolares é englobada na Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais (DGEMN)[5], passando esta a ser a instituição responsável pelo desenvolvimento de projetos-tipo a aplicar à construção de escolas primárias, como forma de desenvolver a sua construção em série. Neste mesmo ano, a DGEMN dispõe, na Direção dos Edifício Nacionais do Sul, de uma secção de arquitetura apta para desenvolver estes projetos, a qual será chefiada pelo arquiteto Guilherme Rebelo de Andrade (1881 - 1969), que, em 1933, publica o Ante-projeto do Plano Geral de Tipos-Regionais de Escolas Primárias Oficiais a Construir[6], no qual se estabelecem os princípios a que as novas edificações devem obedecer, e que, grosso modo,incidem na regionalização da aplicação de matérias-primas e técnicas construtivas, aliando-as aos mais recentes processos de construção, ao cuidado estudo do aproveitamento solar e demais características locais, sendo os projetos assentes na repetição de uma mesma planta funcional, adaptada ao número de salas pretendido.
A execução destes projetos é encomendada aos ateliês particulares de dois arquitetos da DGEMN, Rogério de Azevedo (1898-1983) e Raul Lino (1879-1974), como forma de conseguir garantir a execução de um elevado número de encomendas. O primeiro ficou incumbido de realizar os projetos para o Norte e o Centro, encontrando-se os projetos para a Estremadura e Sul, a cargo do segundo. São elaborados, ao todo, quarenta e dois projetos-tipo, correspondentes a edifícios de uma a quatro salas. No entanto, estima-se que apenas se tenham concretizado ao todo oitenta e oito edifícios[7].
Entretanto, a 18 de janeiro de 1935, Carneiro Pacheco (1887-1957) é nomeado ministro da Educação Nacional, dando início a uma profícua produção legislativa que viria a constituir as bases de todo o sistema educativo do Estado Novo[8]. A publicação da reforma deste ministro conduz à suspensão temporária dos projetos de construção de escolas, e à sua revisão à luz dos novos critérios enunciados na carta escolar elaborada em 1933-1935, nomeadamente a necessária divisão dos sexos, que pressupõe a existência de duas secções escolares plenamente diferenciadas. Apenas se edificaram as que se inseriam nos planos mais globais dos Bairros de Casas Económicas[9], e algumas consideradas projetos especiais.
O Plano dos Centenários
É neste contexto que, como vimos, surge o Plano dos Centenários, previsto na Lei Geral do Orçamento do Estado para 1941. Consequentemente, a 29 de julho de 1941, é publicado um Despacho do presidente do Conselho de Ministros (DG n.º 174), António de Oliveira Salazar (1889-1970), datado de 15 desse mês, no qual, após uma breve síntese sobre o estado da construção escolar, são indicados os principais critérios a ter em conta na redefinição do plano: a separação de sexos, o número de crianças por sala, o número máximo de salas por edifício, a área de influência e a distância máxima que uma criança pode percorrer para frequentar a escola. No mesmo despacho é aconselhado o retomar dos projetos-tipo regionais, criados entre 1933-1935, agora revistos à luz dos novos critérios e de uma necessária contenção de custos, o que conduz a uma simplificação formal dos mesmos[10]; é indicada a comissão a trabalhar no desenvolvimento da rede escolar[11]; são definidos, igualmente, os mapas com a previsão das escolas a construir (12500 salas de aula), a estimativa das despesas e a respetiva distribuição das verbas (500 mil contos a ser gastos em repartição equitativa entre o poder central e as autarquias)[12] para um programa a 10 anos (sendo o reembolso das verbas por parte das autarquias estendido a 15 anos).
Em outubro, por indicação do ministro das Obras Públicas, Duarte Pacheco, o diretor-geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais emite uma ordem de serviço de carácter “urgente” para cada uma das quatro Direções Regionais de Edifícios (Norte, Centro, Lisboa e Sul) com instruções para que estas remetam aos serviços centrais uma proposta para a localização de um grupo de cinquenta escolas consideradas prioritárias (com oitenta e quatro salas de aula), permitindo, assim, que se inicie o quanto antes a edificação de duzentos edifícios escolares. As propostas são enviadas à Comissão de Revisão da Rede Escolar, que as examina e procede às alterações necessárias.
A 5 de abril de 1943 são publicados no Diário do Governo os mapas definitivos com a indicação do número de salas de aula a construir por distrito, concelho e freguesia (DG, 2.ª série). Paralelamente, as repartições técnicas da DGEMN procedem ao envio de um questionário às câmaras municipais com o objetivo de avaliar as condições locais para o lançamento dos programas anuais de construção (nomeadamente no que concerne a terrenos disponíveis, a acessos, a transportes, aos materiais de construção usados na região, à qualidade e aos preços da construção civil, e à disponibilidade de mão-de-obra local). Em agosto desse ano é criada, no seio da DGEMN, a Delegação para as Obras das Construções Escolares, que se encontra em funcionamento em outubro[13], dando início, em 1944, à Fase I do Plano dos Centenários, contemplando apenas os concelhos cujas câmaras tenham respondido ao inquérito (cerca de um terço). Nesta primeira fase estão incluídos 561 edifícios com 1250 salas de aula, distribuídos por todos os distritos do país, incluindo as ilhas. Até 1969, altura em que a a Delegação para as Obras de Construção de Escolas Primárias cessa funções, o Plano é continuado em fases sucessivas.
Os projetos
Tendo por base uma mesma planta, de características eminentemente funcionais, os projetos para as escolas primárias do Plano dos Centenários obedecem a dois tipos, assentes, ora num edifício único, se destinados a um só sexo, ora em dois geminados (designados por “edifícios gémeos”), com total separação de espaços, se destinados aos dois sexos. São previstas soluções para uma, duas, três e quatro salas de aula, para um sexo, e para duas, seis e oito salas de aula para os dois sexos. A unidade base do projeto é sempre a sala de aula, pensada para uma capacidade máxima de quarenta crianças, apresentando-se com 8 x 6 metros e 3,5 metros de pé-direito, servida por grandes janelas de iluminação unilateral. O acesso ao interior é efetuado, preferencialmente, a partir dos extremos, servido por um amplo átrio de distribuição, a partir do qual se desenvolvem corredores, escadas e acesso ao recreio. Junto ao átrio situam-se as instalações para docentes e gabinetes de apoio (se os houver) e sanitários/vestiários. As salas de aula distribuem-se ao longo do corredor, também este de iluminação unilateral, normalmente efetuada por pequenas janelas basculantes junto ao teto. A fachada principal dos corpos letivos é voltada preferencialmente a sul, sudoeste, sendo esta a orientação privilegiada para as salas de aulas e alpendre (recreio coberto), como forma de otimizar a luz solar, e resguardar dos ventos mais frios. Pelas mesmas razões, o recreio figura na frente das salas de aula. Para norte ficam orientados os espaços de circulação. No centro, junto aos edifícios geminados, ou apenas junto ao edifício escolar (no caso de escola para um só sexo), encontra-se a cantina/refeitório (pensada para 120 crianças) servida por copa. Os recreios cobertos (alpendres) têm como áreas mínimas 160 m2 e os recreios ao ar livre cerca de 2000 m2 para cada secção.
Exteriormente, as fachadas dos edifícios caracterizam-se pelo gosto historicista, o designado estilo “Português Suave”[14], que representa tanta da produção arquitetónica dos anos de 1940 em Portugal. Apresentam assim, telhados a duas, três e quatro águas, de telha vermelha, com beiral, arcadas a servirem amplos alpendres cobertos, pequenos torreões de evocação medievalista, com coruchéus (piramidais ou cónicos) rematados por esferas armilares (símbolo do império) ou cata-ventos — mais presente nas aldeias — a ladear as entradas, sendo estas precedidas por alpendre. Socos de cantaria percorrem as fachadas, em que as janelas são retilíneas, emolduradas a alvenaria simples de pedra. As fachadas principais são assinaladas por pedras de armas, normalmente o único elemento decorativo.
Em suma, pode dizer-se que a um projeto de caraterísticas profundamente modernas pela sua funcionalidade interna, o Plano dos Centenários alia um gosto profundamente tradicionalista na sua aparência externa.
O Plano dos Centenários em Lisboa
A Câmara Municipal de Lisboa (CML) é uma das autarquias a responder ao inquérito enviado pelas repartições da DGEMN e, em 1944, inicia um programa de construção de edifícios destinados a escolas primárias, que se estenderia até 1961, conhecendo quatro fases sucessivas.
Lisboa vive desde finais do século XIX as consequências do êxodo rural, encontrando-se em franca expansão demográfica, o que faz com que o seu parque escolar não consiga responder às solicitações da crescente população. Para além disso, muitas das antigas escolas encontram-se a funcionar em locais inadequados para o ensino. Por estes motivos é uma opção clara do município a construção de grupos escolares com dezasseis salas, destinados a ambos os sexos (oito salas em cada secção), desenvolvidos em “edifícios gémeos”.
Por outro lado, a cidade, a capital do império, que em 1940 havia recebido a Exposição do Mundo Português, encontrava-se em franca reorganização. Em 1938, o então edil lisboeta, Duarte Pacheco, contratara o urbanista Étienne de Gröer (1882- ?), que, juntamente com os serviços técnicos municipais, cuja repartição de Engenharia era chefiada pelo engenheiro António Emídio Abrantes (1888-1970), definira as grandes linhas de desenvolvimento para a cidade, traçando o Plano Geral de Urbanização e Expansão de Lisboa (PGUEL), que estaria concluído e aprovado pela autarquia em 1948. Ao abrigo do referido plano e contando para o efeito com legislação apropriada, são expropriados terrenos e criadas áreas de expansão urbana.
As novas escolas primárias, imagem de organização e harmonia num Portugal restaurado, surgem assim, sempre que possível, construídas no centro destas novas áreas urbanizadas, constituindo com estas uma unidade de vizinhança.
1.ª Fase — 1944-1950
Numa primeira fase do Plano são construídos pela autarquia lisboeta cinco novos grupos escolares, segundo o gosto tradicionalista que caracteriza a produção arquitetónica coeva. Em todos eles persiste uma mesma planta funcional, a qual constitui uma característica que se manterá durante toda a vigência do Plano.
Os três primeiros — grupos escolares do Alto de Santo Amaro, da Rua Ator Vale e da Praça do Ultramar/atual Praça das Novas Nações — são da responsabilidade da mesma equipa chefiada pelo arquiteto Alberto Aires Braga de Sousa (1909-?) e pelo engenheiro Vasco Bon de Sousa Marques Leite (1915-?). Qualquer um dos três resulta da adaptação do projeto às condicionantes do terreno, inserindo-se todos em unidades de vizinhança preexistentes, o que é particularmente condicionador no último exemplo mencionado, que acabou mesmo por ficar com apenas doze salas de aula (seis para cada secção).
Os dois últimos projetos desta primeira fase são edificados em Alvalade: grupos escolares das células 1, com projeto da autoria do arquiteto Inácio Peres Fernandes (1910-1989) e 2, com traço de Luís Américo Xavier (1917-1996). Concebido no âmbito do PGUEL, o Plano de Urbanização do Sítio de Alvalade (v. IPA.00030357), inicialmente designado por Plano de Urbanização da Zona a Sul da Avenida Alferes Malheiro (atual Avenida do Brasil), foi elaborado, entre 1945 e 1948, por João Guilherme Faria da Costa (1906 - 1971). Com uma área de 230 ha., Alvalade foi concebido como sendo parte integrante da cidade, distribui-se por oito unidades de habitação (células), destinadas a alojar diversas categorias sociais, dotando-as de uma série de equipamentos de apoio. O núcleo da célula é formado pela escola primária, que aqui encontra as condições ideais para a sua edificação, nomeadamente em termos de localização/acessos (efetuados essencialmente por veredas de circulação pedonal), como de espaço disponível. Para além dos estabelecimentos de ensino primário, o plano de Alvalade considerava, ainda, desde o seu início, a existência de uma série de outros equipamentos coletivos (liceus, mercado, centros cívicos, parque desportivo, etc.)[15].
2.ª Fase — 1953-1956
É justamente a segunda fase de implementação do Plano dos Centenários em Lisboa aquela que, para o presente inventário, mais nos interessa. Enquanto no resto do país, e mesmo na capital para aqueles que resultavam da promoção estatal, continuavam a edificar-se edifícios escolares semelhantes aos da primeira fase lisboeta, segundo a chamada “arquitetura do Regime”[16], nos grupos escolares promovidos pela autarquia processa-se uma decisiva viragem para a arquitetura moderna. Sem resquícios de monumentalidade, regionalismo ou historicismo, as novas propostas arquitetónicas, encomendadas diretamente pela autarquia a arquitetos independentes, consideram o projeto de uma forma global, abrangendo todos os detalhes do interior e do exterior da escola, revelando uma visão humanizada e funcional do edifício, utilizando um reportório atualizado e adaptado ao universo infantil.
Para esta alteração terá contribuído a relativa abertura sentida em alguns sectores da sociedade após a vitória dos Aliados na Segunda Guerra Mundial. Logo em 1948 realiza-se, em Lisboa, o I Congresso Nacional de Arquitetura, organizado pelo Sindicato Nacional dos Arquitetos, e que apesar do patrocínio estatal e de ter ocorrido em simultâneo com a exposição Quinze Anos de Obras Públicas (realizada no Instituto Superior Técnico), não esteve sujeito a censura prévia, pelo que as comunicações apresentadas no encontro podem já mostrar uma clara demarcação da arquitetura que se vinha fazendo e uma reivindicação das ideias da Carta de Atenas, nomeadamente na criação de uma arquitetura mais depurada e funcional. Mais tarde, em 1953, ocorre, também em Lisboa, o Congresso da UIA — União Internacional dos Arquitetos, que constitui uma verdadeira lufada de cosmopolitismo no panorama português, trazendo a debate o que de novo se faz na Europa e na América, e permitindo aos novos arquitetos portugueses manifestarem o seu repúdio por uma arquitetura monumental e historicista, e uma nova filiação numa arquitetura mais racional, produzida à escala humana. Neste mesmo ano, em outubro, setenta e dois artistas e arquitetos assinam uma petição endereçada ao edil lisboeta, Álvaro Salvação Barreto (1890-1975), pugnando pelo estabelecimento de um procedimento regular de encomenda de obras de arte para os projetos municipais, ou de promoção municipal de arquitetura, propondo mesmo que uma percentagem dos custos imputados ao projeto seja direcionada para a arte aplicada à arquitetura (AML, processo n.º 5446/954). No ano seguinte, a 20 de março, por despacho do presidente da CML, o pedido será deferido mediante algumas condições, a saber: controlo camarário sobre as encomendas a dirigir aos artistas; encomendas de projeto de arquitetura e de motivos artísticos a serem feitas em momentos separados; criação da Comissão Municipal de Arte e Arqueologia, entidade que ficará responsável pelo licenciamento das obras de arte a aplicar à arquitetura. É, então criada a comissão, sendo chefiada pelo arquiteto Raul Lino, que define os princípios a que devem obedecer os motivos artísticos a incluir nos grupos escolares, e que se podem resumir: ao "amor compreensivo pela natureza", ao ensino do processo de transformação dos produtos tradicionais (como sejam o vinho, o pão ou o azeite), ao culto pelo trabalho, pelo artesanato, e ao regionalismo, dando privilégio à arte figurativa sobre o abstracionismo apenas aceite na decoração de alguns espaços internos como nas paredes de refeitórios. Não obstante, a arte aplicada aos grupos escolares versou, essencialmente, o universo lúdico infantil. Por último, fundamental para esta segunda fase (e para as seguintes) do Plano dos Centenários em Lisboa, é a publicação do Decreto-Lei n.º 39.982, de 21 de dezembro de 1954, que abre às câmaras municipais a contratação direta a arquitetos externos de projetos para os edifícios escolares, sendo considerados Projetos Especiais.
Em julho de 1953, o engenheiro adjunto do diretor de Serviços de Urbanização da CML, Alexandre de Vasconcelos e Sá dá conhecimento, por ofício, ao engenheiro delegado para as Obras de Construção das Escolas Primárias da intenção da autarquia em prosseguir com as obras de construção, remodelação e ampliação de edifícios destinados ao ensino primário na cidade de Lisboa, para o que anexa dados relativos a onze novos grupos escolares[17]. Neste mesmo ano, e no contexto acima descrito, inicia-se a segunda fase das obras do Plano dos Centenários em Lisboa, para a qual o MOP concede um subsídio de 85.000$00 por sala de aula (a ser reembolsado em 50% em vinte anuidades pelas autarquias) com a contrapartida de as obras se iniciarem no período de um ano.
Foram, assim, construídos ao abrigo desta segunda fase — todos com dezasseis salas de aula (exceção feita para o da Calçada da Cruz da Pedra, inserido em malha urbana preexistente, num terreno exíguo e acidentado, apenas com doze salas de aula), os seguintes grupos escolares encomendados a arquitetos externos à autarquia e contando com colaborações de inúmeros artistas plásticos que, em trabalho direto com o arquiteto, produziram para o próprio local:
— Célula 7 de Alvalade, com projeto de Ruy Jervis de Athouguia (1917-2016) e contributos artísticos de Stela Albuquerque, representa um dos mais expressivos projetos desta fase do programa;
— Calçada da Cruz da Pedra, com projeto de Luís Américo Xavier;
— Bairro Social do Arco do Cego, com projeto de Dário Silva Vieira e contributo artístico de Joaquim Correia (1920-2013);
— Célula 4 de Alvalade, com projeto de Manuel Coutinho Raposo (1916-1999) e contributos artísticos de Stela Albuquerque;
— Célula 6 de Alvalade, com projeto de Cândido Palma de Melo (1922-2002) e contributos artísticos de Maria Keil (1914-2012) e Martins Barata (1910-1999);
— Areeiro, com projeto de Fernando Silva (1914-1983) e contributos artísticos de Júlio Santos e Maurício Meireles Penha (1913-1996);
— Picheleira, com projeto de Nuno Morais Beirão (1924-?) e contributos artísticos de Maria de Lurdes Coimbra de Freitas e Maria Teresa Quirino da Fonseca;
— Vale Escuro, com projeto de Victor Palla (1922-2006) e Joaquim Bento de Almeida (1946-1973) e contributos artísticos (desaparecidos) de Júlio Pomar (1926- ), José Lima de Freitas (1927-2008), Maria Barreira (1914-2010) e Rolando Sá Nogueira (1921-2002);
— Bairro Santos, com projeto de Luís Soares Branco (1919-1997) e contributos artísticos de Arnaldo Louro de Almeida (1926-2008);
— Campolide, com projeto de Artur Pires Martins (1914-2000) e contributos artísticos de Querubim Lapa (1925-2016) e José Dias Coelho (1923-1961);
— Alto dos Moinhos, com projeto de Manuel Arroyo Barreira e contributos artísticos de João Abel Manta (1928- ), José Farinha (1912-1979) e Rogério Ribeiro (1930-2008).
Ao abrigo desta segunda fase foram ainda construídas duas secções em edifícios preexistentes, dotando-os assim do número de salas de aula necessário ao seu funcionamento:
— Calçada da Tapada, com projeto de Alberto Braga de Sousa e contributo artístico de Inácio Vitorino Perdigão;
— Rua da Bela Vista à Lapa, também com projeto de Alberto Braga de Sousa e contributo artístico de Cândido da Costa Pinto (1911-1976).
3.ª Fase — 1957-1958
Entre 1955 e 1957 encontram-se concluídos, ou em fase de conclusão, os grupos escolares referentes à segunda fase do Plano dos Centenários em Lisboa. Com estes a autarquia lisboeta ganhou 188 novas salas de aula, distribuídas por treze grupos escolares construídos de raiz ou resultado de ampliações. Sucedem-se, então, as terceira e quarta fases do Plano sem, no entanto, trazerem grandes alterações ao que fora executado na segunda fase. Os grupos escolares, que continuam a ser encomendados ao abrigo dos Projetos Especiais a arquitetos externos à autarquia, continuam a apresentar um reportório arquitetónico plenamente atualizado e, dando continuidade ao despacho de 1954, sempre que possível, acompanhados de obras de arte concebidas para o projeto. São introduzidas, contudo, algumas novidades nestas terceira e quarta fases: o aumento das dimensões da sala de aula, desde que o espaço disponível assim o permita — passando a ter 7 x 9, ou 7 x 8,5 metros — como forma de poder abandonar as tradicionais carteiras e substituí-las por mesas individuais, então consideradas mais aconselháveis pedagogicamente; a inclusão de novos espaços nos edifícios escolares, como uma secretaria de zona pedagógica e um gabinete médico; a construção, desde que o espaço disponível e as condições urbanas o permitam, de um edifício de interesse local junto ao grupo escolar, dotado de salão de festas e de ginásio, aberto à comunidade.
Foram construídos ao abrigo da terceira fase três grupos escolares, sendo que apenas nos dois últimos é possível reconhecer as alterações anteriormente descritas (novas dimensões nas salas de aula, novos espaços considerados e projetado o edifício de interesse local), a saber:
— Praça de Goa, com projeto de Carlos Rebelo de Andrade (1887-1971) e contributo artístico de Jorge Barradas (1894-1971);
— Célula 8 de Alvalade, com projeto de Ruy Jervis de Athouguia e contributo artístico previsto de Menez (1926-1995), chumbado na CMAA;
— Poço do Bispo/Vale Fundão, com projeto de Luís Américo Xavier e contributos artísticos do seu pai, Raul Xavier (1894-1964) e de Gabriela Veloso.
4.ª Fase — 1958 – 1961
Os projetos incluídos na quarta fase apresentam-se como uma decorrência direta dos da fase anterior, praticamente coexistindo no tempo. Têm, todavia, um enquadramento diferente, esta fase arranca com o início da Guerra Colonial (1961–1974) e a consequente diminuição das verbas disponíveis para apoio ao programa. Assim, e muito provavelmente por este motivo, assistimos a um corte quase total na arte aplicada à arquitetura (apenas o Grupo Escolar do Bairro de Santa Cruz de Benfica é contemplado; esteve prevista também a inclusão de um motivo artístico de António Alfredo no Grupo Escolar dos Olivais, mas não deverá ter sido executado).
Foram assim edificados na derradeira fase do Plano dos Centenários em Lisboa quatro grupos escolares (três com dezasseis salas e um, o Grupo Escolar do Bairro das Furnas, por exiguidade do terreno, com doze):
— Olivais [Norte], com projeto de Victor Palla e Joaquim Bento de Almeida;
— Bairro das Furnas, com projeto de Pedro Quirino da Fonseca, apesar de ter apenas doze salas, contempla o edifício de interesse local;
— Bairro da Madre de Deus, com projeto de Luís Benavente (1902-1993), autor do projeto do bairro em que se insere;
— Bairro de Santa Cruz de Benfica, com projeto de João Vaz Martins (1910-1988) e contributos artísticos de Hélder Baptista (1932-2015).
E construída uma secção a uma antiga escola, por forma a poder formar um grupo escolar: Travessa de Santa Quitéria, com projeto de Júlio do Nascimento Cascais, João Araújo e Luís Fernandes Pinto.
Em síntese
Como podemos observar, enquanto no resto do país se construíam escolas primárias de gosto tradicionalista, em Lisboa — ao abrigo do mesmo programa construtivo e ao mesmo tempo que se erguiam outras de cariz historicista (sobretudo as dos Bairros de Casas Económicas) — a autarquia promove a construção de vinte e um edifícios de feição moderna (se excetuarmos os cinco iniciais), encomendados a alguns dos grandes nomes da Arquitetura Moderna em Portugal e contando com contributos artísticos (sobretudo de escultura e de azulejo) plenamente atualizados e concebidos para o efeito. De entre estes grupos escolares pela sua qualidade arquitetónica merecem atenção especial os dois projetados por Ruy Jervis de Athouguia para Alvalade, assim como os dois da autoria da dupla Victor Palla e Joaquim Bento de Almeida, para o Vale Escuro e Olivais Norte.
[4] Não foram visitadas/fotografadas as escolas básicas Querubim Lapa (Campolide) e Professor Agostinho da Silva (Vale Fundão/Poço do Bispo), por se encontrarem em obras aquando da elaboração deste inventário.
[5] Criada pelo Decreto-Lei n.º 16791, de 25 de abril de 1929.
[6] Reproduzido na íntegra como anexo de Filomena BEJA; Júlia SERRA; Estella MACHÁS; Isabel SALDANHA — Muitos Anos de Escolas. Edifícios para o Ensino Infantil e Primário anos 40-anos 70. Lisboa: DGEE, 1985, vol. 2, pp. 317-325.
[7] Filomena BEJA; Júlia SERRA; Estella MACHÁS; Isabel SALDANHA — Ob. cit. Lisboa: DGEE, 1985, vol. 2 e João Pedro Frazão Silva FÉTEIRA — O Plano dos Centenários as Escolas Primárias (1941-1956). Lisboa: s. n., 2013, dissertação de mestrado apresentada à Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.
[8] De entre as quais se pode destacar pela sua importância, as seguintes: a supressão do ensino pré-primário (considerado como responsabilidade obrigatória da família); a revisão do currículo escolar (que passa para três anos apenas, engloba a introdução do canto coral e retira a educação artística); a introdução do livro único obrigatório; a obrigatoriedade da existência do crucifixo e da fotografia do presidente do Conselho atrás da secretária do professor; a obrigatoriedade de inscrição na recém-criada Mocidade Portuguesa; a criação da Obra das Mães para a Educação Nacional (instituição que ficaria com a responsabilidade de supervisionar o ministrar do ensino infantil), mais tarde seria esta instituição a ocupar-se da gestão das cantinas escolares que surgem como complemento ao edifício escolar; a extinção do ensino gratuito para todos aqueles que não fossem comprovadamente pobres e a criação de bolsas de estudo para os muito pobres e muito bem dotados moral e intelectualmente; a criação de postos escolares nas povoações mais pequenas, sendo aí o ensino ministrado por regentes primários; e a introdução do regime de separação de sexos (Lei n.º 1941, de 11 de abril de 1936, Decreto-Lei n.º 26611 de 19 de maio de 1936, Decreto n.º 26893, de 15 de agosto de 1936, Decreto-Lei n.º 27279, de 27 de novembro de 1936 Decreto n.º 27603 de 20 de março de 1937 e Lei n.º 1969 de 20 de maio de 1938).
[9] Decreto-Lei n.º 29011, de 19 de setembro de 1938.
[10] À tarefa de adaptação dos projetos regionalizados terão sido alheios os arquitetos que os haviam elaborado (Rogério de Azevedo e Raul Lino). As principais alterações surgem, interiormente, pela necessidade de duplicação de espaços, germinando os edifícios escolares em dois imóveis geminados, e, desta forma, permitir a separação de sexos. Exteriormente, por necessidades de contenção orçamental de um programa construtivo lançado em tempo de guerra, são removidos das fachadas, floreiras, taipais em madeira, beirados, cantarias decorativas, etc.
[11] A qual seria depois fixada pelo despacho de nomeação publicado na Portaria do Ministério da Educação Nacional de 5 de setembro, e que seria composta pelo diretor-geral do Ensino Primário, Manuel Cristiano de Sousa, que a preside, e, como vogais, o diretor-geral da Assistência, Vítor Manuel Paixão, e o engenheiro chefe da Repartição de Obras Públicas da DGEMN, Fernando Galvão Jácome de Castro.
[12] Conforme o disposto na Lei n.º 1969, de 20 de maio de 1938.
[13] Filomena BEJA; Júlia SERRA; Estella MACHÁS; Isabel SALDANHA — Ob. cit, vol. 2, p. 42.
[14] Designação pela qual ficou conhecido o estilo desenvolvido por uma corrente de arquitetos que, já desde o início do século XX, procurava criar uma arquitetura "genuinamente portuguesa", utilizando as características modernistas da engenharia, disfarçadas por uma mistura de elementos estéticos exteriores retirados da arquitetura portuguesa dos séculos XVII e XVIII e das casas tradicionais das várias regiões de Portugal, e que se popularizou como estilo nacional imposto aos programas públicos, sobretudo após a Exposição do Mundo Português, em 1940. Foi, no entanto, duramente atacado por um grande número de arquitetos, que o acusaram de ser provinciano e desprovido de imaginação, e que o passaram a designar por Português Suave, adotando o nome de uma marca de cigarros.
[15] Das oito células de Alvalade, apenas nas 3 e 5 não foi edificada nenhuma escola primária, sendo nestas que se encontram os antigos Liceus Nacionais Rainha D. Leonor (célula 3, construído como liceu feminino) e Padre António Vieira (célula 5, construído como liceu masculino).
[16] Mesmo após a revisão do projeto-tipo e o desenvolvimento do Novo Plano dos Centenários, estes edifícios, embora com fachadas ainda mais simplificadas e já mais distantes do chamado “Português Suave” que marcara a produção arquitetónica nacional dos anos de 1940, mantém-se próximas deste.
[17] Câmara Municipal de Lisboa, Direção dos Serviços de Urbanização e Obras, 1.ª Repartição — Urbanização e Expropriações, Escolas e Centros Sociais.
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Lista de Inventários Temáticos
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Portugal. Área Metropolitana de Lisboa
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O inventário temático “A Arquitectura da Água: Aqueduto das Águas Livres de Lisboa” tem como objectivo registar informação relativa aos vários troços do Aqueduto das Águas Livres, uma das mais notáveis obras da engenharia hidráulica portuguesa, bem como dos elementos a ele associados, nomeadamente os chafarizes.
Este projecto foi desenvolvido no início do ano de 2010 e desenrolou-se no âmbito da intervenção de reabilitação do Bairro das Mães de Água realizada pelo Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU). Este conjunto habitacional encontra-se integrado na Zona Especial de Protecção do Aqueduto das Francesas, um dos subsidiários do Aqueduto principal de Lisboa.
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O Aqueduto de Lisboa foi construído ao longo de dois séculos (XVIII e XIX), resultando de projectos de figuras relevantes para a arquitectura e engenharia militar portuguesas. É uma estrutura que se estende ao longo de 14 km, mas que, considerando os seus subsidiários e condutas de distribuição, perfaz um total de cerca de 58 km de extensão.
O troço principal que se desenvolve da Mãe de Água Velha, junto à povoação de D. Maria, até à Mãe de Água das Amoreiras, possui vários pequenos aquedutos subsidiários, que permitiram aumentar o caudal de água que chegava a Lisboa. Desses destacam-se:
> o Aqueduto do Caneiro (situado a montante da Água Livre), abastecido pelos Aquedutos do Olival do Santíssimo, do Bretão, das Mouras, de D. Maria e do Salgueiro;
> à Mãe de Água Nova chegavam, ainda, os caudais dos Aquedutos dos Carvalheiros e da Câmara, que se associam ao Aqueduto da Quintã. Junto a este local, desenvolve-se um novo ramal que se associa igualmente ao Aqueduto das Águas Livres, no sítio do Salto Grande;
> no trajecto para Lisboa reconhece-se ainda o caudal proveniente da Fonte Santa e dos Aquedutos da Rascoeira, de São Brás ou das Galegas, da Buraca e das Francesas.
Estas estruturas são muito semelhantes entre si, pontuadas por respiradouros equidistantes e mais ou menos elaborados, que assumem uma função de ventilação das caleiras, e pequenos declives ou cascatas de água, que correm no interior.
A partir das Amoreiras surge(ia)m galerias de distribuição de água subterrâneas:
> o Aqueduto ou Galeria das Necessidades, que partia do Arco do Carvalhão terminando na Tapada do Palácio das Necessidades, junto ao qual derivava um ramal à superfície, que atravessava o Vale da Cova da Moura, actualmente a Avenida Infante Santo, e seguia até às Janelas Verdes, abastecendo o respectivo chafariz. Este ramal permitia, ainda, conduzir água aos chafarizes de Campo de Ourique, da Estrela, da Praça de Armas e das Terras, os dois primeiros já desaparecidos.
> o segundo ramal é o Aqueduto ou Galeria da Esperança, que partia do antigo Arco de São Bento, na Rua de São Bento e actualmente erguido no centro da Praça de Espanha, e terminava no Chafariz da Esperança;
> o terceiro é o Aqueduto ou Galeria do Loreto, que desaguava no Largo do Directório, em frente do Teatro de São Carlos, e daí partia outro ramal para a Cotovia, para a actual Praça da Alegria, abastecendo o respectivo chafariz e, também para o chafariz da Rua Formosa, existindo ainda uma terceira derivação que conduzia a água até ao Chafariz do Carmo e alimentava os Chafarizes do Rato, de São Paulo, do Loreto e o de São Pedro de Alcântara, que nunca passaria da fase de projecto.
> para finalizar, o Aqueduto ou Galeria de Santana, que começava no Arco do Carvalhão e terminava no chafariz do Campo de Santana, a partir do qual partiam dois ramais, um para o antigo Colégio de Santo Antão-o-Novo, actual Hospital de São José, e outro para o Intendente, abastecendo o respectivo Chafariz, permitindo, ao longo do seu percurso, abastecer os Chafarizes de São Sebastião da Pedreira, da Cruz do Taboado e do Socorro.
Ao longo do seu percurso, maioritariamente subterrâneo e parcialmente visitável, vão, pois, aflorando elementos arquitectónicos e estruturas do velho Aqueduto, como mães de água, respiradouros, arcarias e, sobretudo, chafarizes. Todos eles se constituem como importantes testemunhos de um momento histórico e, pela sua variedade tipológica, por importantes testemunhos da variação das tendências estéticas e artísticas dos séculos XVIII e XIX.
Para aceder a mais informação do projecto de geo-referenciação de cartografia histórica "O Aqueduto das Águas Livres" clique aqui.
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No âmbito do estudo das Casas Religiosas de Lisboa, um projeto SIPA que tem como principal objetivo identificar e mapear a evolução dos imóveis que tiveram grande impacto na estruturação e no crescimento da cidade, nascerão vários subprodutos que visam o conhecimento da tipologia arquitetónica destes edifícios a partir da norma construtiva de cada uma das ordens religiosas. O primeiro destes subprodutos, agora publicado, analisa os mosteiros femininos da Ordem de Santa Clara, a mais representativa na cidade. Este estudo teve por base cartografia e bibliografia variadas, tomando como fonte principal a documentação produzida na sequência da extinção das ordens religiosas em Portugal, em 1834. Contudo, não se encontra esgotado em termos de informação, subsistindo um enorme leque de fundos documentais ainda por desbravar e que virá colmatar, certamente, algumas dúvidas que subsistem relativas à vivência das religiosas e à localização das dependências monacais.
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Na cidade de Lisboa, dos vinte e cinco cenóbios femininos recenseados até à data pelo SIPA, em dez professava-se a regra de Santa Clara, nas suas três variantes: a primeira, criada por São Francisco de Assis, em 1253, bastante rigorosa no que concerne aos votos de pobreza e de humildade, era professada nos mosteiros da Madre de Deus de Xabregas, de Nossa Senhora da Quietação, vulgo Flamengas, e do Crucifixo, também conhecido como Francesinhas, estes dois últimos seguindo a especificidade das Capuchinhas; a segunda variante, menos rigorosa, permitindo às religiosas uma vivência menos ascética e a posse de bens e rendimentos próprios, aprovada pelo papa Urbano IV, em 1263, era seguida nos mosteiros de Santa Clara, o mais antigo, de Nossa Senhora da Piedade da Esperança, de Santa Marta, do Monte Calvário e do Desagravo do Santíssimo Sacramento; por último, a Ordem Terceira da Penitência, que tinha como objetivo agregar leigos numa vida comunitária, segundo normas de conduta aprovadas em 1289 pelo papa Nicolau IV, estava instituída nos mosteiros de Santa Ana e de Santa Apolónia.
Cinco destes cenóbios desapareceram irremediavelmente (são os casos dos mosteiros de Santa Clara, das Francesinhas, de Nossa Senhora da Piedade da Esperança, de Santa Ana e de Santa Apolónia), deles restando apenas a memória documental ou vestígios residuais, que nos permitem, em determinados casos, reconstituir a sua mole arquitetónica, a estrutura das várias dependência e, inclusive, analisar o seu património integrado, sendo o de Santa Apolónia o menos documentado.
Metade dos conventos objeto do presente estudo dependia diretamente da jurisdição do Patriarcado de Lisboa, estando os restantes integrados na Ordem de São Francisco. Assim, os mosteiros de Santa Ana e de Nossa Senhora da Piedade da Esperança dependiam da Província da Observância de Portugal, com sede no Convento de São Francisco da Cidade, enquanto os da Madre de Deus e de Nossa Senhora da Quietação eram administrados pela Província dos Algarves, vulgarmente designada como Xabregana, pois a casa-mãe estava instalada em São Francisco de Xabregas.
Todos eles foram fundados pela Coroa ou pela alta nobreza que em torno dela gravitava, excetuando o Mosteiro de Santa Clara, instituído por D. Inês Fernandes, viúva do mercador genovês D. Vivaldo de Pandulfo. Alguns edifícios tiveram fundação régia e nele ingressaram as filhas da alta nobreza do país. Assim, o Mosteiro da Madre de Deus teve como padroeira a rainha D. Leonor, mulher de D. João II; o de Santa Ana, a rainha D. Catarina, esposa de D. João III; o das Flamengas foi fundado por D. Filipe I de Portugal; as Francesinhas por D. Maria Francisca Isabel de Sabóia; e o do Desagravo do Santíssimo Sacramento pela Infanta D. Maria Ana, filha de D. José I.
TIPOLOGIA ARQUITETÓNICA
Estas casas religiosas situavam-se preferencialmente na zona ribeirinha da cidade ou nos seus arrabaldes, protegidas pela cintura de muralhas costeira. As exceções a esta implantação ao longo do rio Tejo ocorrem nas Francesinhas, em Santa Ana, no Desagravo do Santíssimo Sacramento, situadas nas colinas da cidade, e no de Santa Marta, já fora de portas, próximo de São Sebastião, localização justificada pela sua construção numa época em que grassavam graves epidemias pestíferas.
Dentro destes edifícios vivia um número diverso de religiosas, o que terá contribuído para determinar a sua estrutura, sendo que, nos da primeira regra, habitavam apenas trinta e três freiras professas, enquanto nos da segunda e terceira regras existiam mais monjas. Assim, temos a informação de que, por exemplo, no século 18, em Santa Marta residiam setenta e cinco religiosas professas, em Santa Ana 133 e em Santa Clara 233. A este número acresciam, contudo, as pupilas, as nobres que se recolhiam nos cenóbios, as serviçais (privadas ou não), os escravos, os moços que trabalhavam a cerca, os capelães..., tornando estes espaços verdadeiros polos de fixação de população.
Apesar das diferenças de rigor da regra professada em cada um dos imóveis estudados, que lhes atribuíam algumas especificidades estruturais e decorativas, e do número distinto de religiosas que os habitavam, é visível uma forte unidade tipológica, sendo possível traçar, em linhas gerais, a disposição das principais dependências que os compunham. Existe, contudo, um imóvel que se afasta, parcialmente, das estruturas dos seus congéneres, o Mosteiro do Desagravo do Santíssimo Sacramento, mas cujo desvio é facilmente explicável pela falta de espaço para o seu desenvolvimento pleno, dado encontrar-se cingido entre a encosta e a Igreja Paroquial de Santa Engrácia, atual Panteão Nacional.
A similaridade arquitetónica deve-se a vários fatores, nomeadamente à reforma seiscentista dos edifícios ocorrida na sequência das normas editadas por São Carlos Borromeu, no âmbito do Concílio de Trento, e das Constituições Gerais, aprovadas para todas as religiosas da Ordem, em 11 de junho de 1639. Poderá, ainda, contribuir para esta uniformidade o fato de alguns edifícios terem risco do mesmo arquiteto, como os de Santa Marta e de Santa Clara, da responsabilidade de Pedro Nunes Tinoco, ou os de Santa Marta e da Quietação (Flamengas), de Nicolau e Teodósio de Frias.Os mosteiros eram compostos pela igreja e, na sua face posterior, por uma área de clausura, desenvolvida em torno de um claustro e de vários pátios, rodeados por cercas muradas, às quais nem sempre as religiosas tinham pleno acesso, o que impedia a sua convivência com os serviçais; tal não sucedia nos edifícios das Capuchinhas, pelo menos numa primeira fase de existência, já que elas próprias se encarregavam do trabalho agrícola, implicando a existência de pequenas cercas.
O acesso processava-se por um terreiro ou pátio, por vezes fechado, que ligava à portaria de fora, às casas dos capelães e da(s) veleira(s), freiras leigas que deambulavam pela cidade pedindo esmola. É frequente que, nestes pátios, se erguessem dependências destinadas aos serviçais.
Abrindo para o terreiro ou para a rua onde se rasgava o pátio, surgia o portal de acesso aos templos. Estes são compostos por nave, com eixo longitudinal interno e acesso lateral, excetuando o caso do Mosteiro das Francesinhas. A igreja deste possuía, para além da porta travessa, um portal axial que abria para um endo-nártex e para a nave, solução possível pela inexistência de coros-baixos nos edifícios de Capuchinhas, como se verifica no Mosteiro das Flamengas e no de Nossa Senhora da Madre de Deus de Guimarães.
As naves, espaços de acesso público, encontravam-se divididas por teias de madeira marchetadas a bronze e com acrotérios de pedraria, que protegiam as capelas laterais, profundas ou à face; nos edifícios mais pobres, estas eram em número de duas, mas podiam ascender às oito (Santa Clara). As paredes do templo encontravam-se revestidas a azulejo, de padrão ou figurativo, e encimadas por um registo de molduras de talha que enquadravam telas a representar cenas da vida de São Francisco (Evangelho) e de Santa Clara (Epístola).
A capela-mor encontrava-se, desde as normas tridentinas, em posição elevada relativamente à nave, permitindo a observação das cerimónias litúrgicas pelas religiosas, instaladas no coro-alto. Prolongando longitudinalmente o eixo formado pelo templo, surgia a sacristia de fora, adossada à parede testeira, à qual apenas tinham acesso os capelães.Na parede fundeira da nave, rasgavam-se dois vãos sobrepostos, o inferior correspondente ao coro-baixo, protegido por grade contendo comungatório e frequentemente ladeada por dois confessionários, destinados às religiosas; o superior possuía a grade do coro-alto, sobre a qual podia existir, no caso dos mosteiros com mais posses e/ou de proteção régia, um sacrário, visível da igreja e do coro, para exposição do Santíssimo Sacramento, o que exigia o recurso à implantação de uma tribuna com acesso por uma das paredes da nave, permitindo ao capelão a colocação da Sagrada Partícula no local. Nestes casos, a grade incluía o comungatório.
A área monacal desenvolvia-se em torno de um grande claustro, de dois pisos, marcados por arcadas e/ou vãos retilíneos, com tanques ou poços centrais, rodeados por canteiros de flores. Em alguns casos, o segundo piso não possuía colunas, constituindo uma simples varanda, como no Monte Calvário, e, em dois cenóbios, a quadra não era fechada: na Madre de Deus, devido à presença, a este, do Palácio Nisa, existindo um simples muro de separação, e em Santa Ana, onde o declive do terreno não o permitia.
No piso inferior da zona regral desenvolviam-se, perpendicularmente ao coro-baixo, por vezes antecedido por ante-coro, a sacristia de dentro, onde as religiosas arrecadavam as alfaias das capelas privadas, a Casa do Capítulo ou das Culpas (onde se reunia diária ou semanalmente a comunidade e onde eram assumidos os erros cometidos pelas várias religiosas), a casa do lavor — que também podia assumir a função de rouparia — e a livraria, surgindo, na ala oposta, a portaria, a casa da roda e o locutório. Na ala paralela à igreja localizavam-se, a cozinha, o refeitório e a(s) arrecadação(ões). Nos edifícios de maiores dimensões, estas dependências situavam-se em torno de pequenos pátios e neles existiam, ainda, a casa do fogo, a casa do forno, a amassaria...
No segundo piso, com acesso pela escada regral, situada na ala dos dormitórios ou na quadra do claustro, surge o ante-coro, com altar próprio e profusa decoração de talha, pintura e azulejo. Por este tinha-se acesso à dependência fundamental deste piso, o coro-alto, onde decorria grande parte da vida das religiosas, que nele marcavam as horas litúrgicas. Possuía um cadeiral, com uma ou duas ordens de cadeiras, tendo, frequentemente, um número de assentos bastante superior ao número de religiosas que habitavam o cenóbio. A ladear a grade encontravam-se dois oratórios. Pelo ante-coro acedia-se, igualmente, à torre sineira, onde o toque dos sinos regulava os momentos litúrgicos e a própria vivência das monjas. Na ala paralela à igreja situavam-se a enfermaria e a casa das convalescentes, com cozinha e refeitório próprios, botica e capela, constituindo o único local do cenóbio com possibilidade de ligação ao exterior, para permitir a entrada do capelão ou do médico. Ainda nesta zona localizavam-se os mirantes, estruturas torreadas com um ou dois pisos de vãos protegidos por gelosias e/ou grades, zonas de lazer da comunidade, onde podiam contemplar a vivência citadina.
Em ambos os pisos do claustro, nas alas ou varandas, proliferavam capelas ou oratórios particulares, sendo comum a existência de Passos da Via Sacra no inferior. Para a quadra abriam, ainda, os aposentos privados da abadessa, implantados no primeiro ou no segundo piso. Também na zona regular, especialmente nos cenóbios que seguiam a regra urbanista, podiam surgir aposentos particulares, destinados a nobres que neles se recolhiam, e não era raro que as religiosas possuíssem cozinhas e criados privados nestas dependências, compostos, portanto, não por uma simples cela, mas por várias salas.
As cercas apresentavam dimensões variáveis, contendo poços, tanques de rega e constituindo um dos pontos fulcrais na condução do abastecimento de água ao edifício, pelo que se situavam na zona mais elevada do conjunto. Nestas existiam, para além dos terrenos de cultivo, hortas, árvores de fruto e vinha conduzida em latada, casas de apoio ao cultivo da terra, capelas várias e jardins de lazer, de estrutura formal.
Estes edifícios, pela sua dimensão, tornaram-se, na sequência da expulsão das ordens religiosas pelos liberais e da venda dos terrenos das cercas e edifícios monacais, verdadeiros elementos estruturantes da cidade, condicionando o perfil das vias públicas, o loteamento das áreas, que, frequentemente, aproveitaram estruturas existentes a criação de zonas de lazer no espaço dos antigos terreiros sendo, portanto, essencial o seu estudo e a reconstituição dos seus espaços para a perceção do evoluir da malha urbana.
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A “cidade-quartel fronteiriça” de Elvas integra, desde o dia 30 de junho de 2012, a Lista Indicativa de Património Mundial da UNESCO, consagrando uma das suas particularidades mais significativas: a de ter sido originalmente planeada como cidade-quartel, na região de fronteira terrestre, com estruturas capazes de albergar e sustentar grande contingente militar.
Com efeito, terminada a união dinástica entre as monarquias de Portugal e da Espanha, com a proclamação da independência, a 1 de dezembro de 1640, tornou-se necessário criar instituições governativas e reguladores para se tratar dos assuntos militares, sobretudo devido à possibilidade de uma guerra iminente. Assim, logo a 11 de dezembro, D. João IV (1604-1656) decretou a criação do Conselho de Guerra, constituído por peritos nas questões militares, cujas reuniões deveriam começar no mesmo dia em que fora criado.
Sob a tutela da coroa, o Conselho de Guerra é o responsável por todas as questões ligadas à defesa nacional e respetiva direção logística, designadamente pela organização do exército e da armada, pela nomeação dos oficiais de patente, pelas fortificações, pelo abastecimento de tropas, pelo transporte, pela evacuação, pela hospitalização, pela manutenção de material, pela justiça militar e pela disciplina, pelos orçamentos de guerra, pelos projetos de operações e outros.
Pouco depois, foram também formados os Governos de Armas do Minho, de Trás-os-Montes, da Beira, da Estremadura, do Alentejo e do Algarve, correspondendo a cada uma das seis províncias. Elvas foi escolhida como praça de armas da província, tornando-se premente defender a cidade com estruturas capazes de fazer frente aos avanços da artilharia, reorganizar a sua defesa, sediar as novas instituições governativas e construir uma diversidade de equipamento capaz de alojar, fornecer pão, a principal base da alimentação, água e cuidar dos milhares de efetivos militares deslocados para Elvas, ao mesmo tempo que era necessário armazenar toda a parafernália que a guerra exigia. Surge, assim, a “cidade-quartel”, estatuto que manteria até muito recentemente, visto datar de 2006 a saída do último regimento militar.
Este papel é único em cidades fortificadas semelhantes, nas palavras de Ray Bondin, presidente do Comité Internacional das Cidades e Vilas Históricas, comparável apenas ao da cidade de Valletta, capital da República de Malta. E, se Elvas conserva o seu vasto sistema fortificado com um grau de integridade excecional, a verdade é que também mantém grande parte dos equipamentos militares, construídos intramuros, nos séculos XVII e XVIII, com grande integridade, constituindo um documento ímpar no território nacional.
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O CONSELHO DE GUERRA
O Conselho de Guerra da província do Alentejo ter-se-á instalado, possivelmente, logo após a sua criação, em dezembro de 1640, num primeiro edifício, talvez no Largo de São Martinho. Mais tarde, entre 1687 e 1689, procede-se à construção do atual edifício, adossado e/ou sobre um troço da segunda muralha islâmica.
Se inicialmente o Conselho de Guerra deteve um papel de grande importância, com o tempo, essa relevância vai decrescendo, sobretudo após a criação da Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, por alvará de 28 de julho de 1736. Esta passa a ser a responsável por todos os assuntos relativos à guerra e ao exército e, em tempo de paz, aos negócios referentes ao corpo militar, à administração da Contadoria Geral da Guerra, às Vedorias, às fortificações, aos armazéns das munições, ao provimento dos postos militares, às ordenanças e aos regimentos. Ainda assim, o Conselho de Guerra irá subsistir como órgão consultivo até 1834.
Segundo o pároco da freguesia da Sé, nas Memórias Paroquiais de 1758, o edifício tinha à data o piso baixo ocupado pela Vedoria da Repartição de Artilharia, e o alto a servir de armazém de armas de Corpo, fornecendo ainda informações complementares relativas à sua construção: (…) Junto d’esta igreja [de São Martinho] sta hum armazém principiado no anno de no anno de 1687 e finalizado no de 1689. Este edifício se fez encostado ao hum Reduto do muro da fortificação Antígua de quando os mouros possuião esta terra. Consta de Casas altas e baxas: as altas servem d’armazem de armas de Corpo; e as baxas servem de Vedoria da Repartição d’artelharia desde o anno de 1690 em q se transferio da Caza da Vedoria geral do exercito onde stava o seu tribunal, que se Compoem de hum Presidente (que hé o Vedor geral d’Artelharia) hum official Maior, outo officiaes de penna, hum Resistante, dous praticantes, hum Guarda Livros, e hum Chaveiro. N’esta Casa há tambem hum scrivão dos mantimentos, e hum Meirinho de Vedor. Tem mais Casa de Secretaria, e outra do thezouro, onde se guarda o dinheiro a Cargo de hum Pagador Com seu oficial (…) (Memórias Paroquiais, 1758, p. 174). No século XVIII, o edifício sofreu algumas alterações, bem como nas centúrias seguintes, sobretudo devido às novas funcionalidades após a saída do Conselho de Guerra, por volta de 1875, passando a albergar a estação telegráfica de Elvas, uma cooperativa militar e, já no século XX, serviços educativos e da delegação da Cruz Vermelha Portuguesa.
A VEDORIA
A Vedoria-Geral constitui um outro equipamento militar fundamental nas sedes das províncias do governo de armas, visto ser a responsável pela administração financeira do Exército. O cargo de vedor geral de Elvas foi criado por D. João IV, a 18 de outubro de 1641, com o objetivo (…) de ser o olheiro e superintendente de todo o dinheiro e fazenda do exército (…) (Morgado, 1993, p. 52), ou seja, de fiscalizar a utilização do dinheiro da coroa para fins militares. A 25 de fevereiro do ano seguinte, a Vedoria recebe o regimento.
O vedor-geral, oficial não militar, era auxiliado por outros oficiais administrativos civis, como o contador-geral, responsável pela verificação de todas as contas, o pagador-geral, que pagava os soldos das tropas, os comissários de mostras e os oficiais de pena ou escrivães. Para além do vedor-geral, poderiam existir outros vedores não gerais, como, por exemplo, o da artilharia, e ainda funcionários com outras funções, como é o caso do almoxarife, responsável por receber os impostos e outros direitos reais ou zelar por áreas militares muito específicas, como os hospitais; existia, ainda, o sobrestante, responsável pelas mulas ao serviço do exército, etc.
Desconhece-se o local onde, inicialmente, a Vedoria-Geral de Elvas se instalou, porque o edifício atual só foi construído na década de cinquenta do século XVII. De facto, só em 1653, D. João IV ordena a compra de umas casas, contíguas ao hospital militar, para a ampliação das duas instalações. As obras tiveram início por volta de 1656, com a construção de um corpo perpendicular ao existente na gola do Baluarte de São João de Deus, reservando a ampla sala do piso térreo para a Vedoria-Geral.
Aí trabalha uma numerosa equipa que, depois da assinatura de paz com Espanha, será reduzida na sequência do alvará de D Pedro II (1648-1706), de 1669, dando instruções para se proceder a uma drástica contenção de gastos. No término da centúria, em 1690, a Vedoria da Repartição de Artilharia, até então instalada no edifício, foi também transferida para o Edifício do Conselho de Guerra, juntamente com o seu tribunal. Nas Memórias Paroquiais de 1758, o pároco da freguesia da Sé descreveu a Vedoria como sendo a (…) mais formosa Casa de que tenho notícia, toda de abobeda firmada sobre 36 Colunnas de pedra, com duas grande portas, e muitas janelas que a fazem clara (…) (Memórias Paroquiais, 1758, p. 172), nela funcionando os tribunais da Vedoria e da Contadoria, havendo ainda um escrivão de mantimentos, um meirinho do vedor, e um chaveiro, possuindo num canto da casa o thezouro. Em 1763 extinguiram-se a Vedoria-Geral, a Contadoria-Geral e a Pagadoria-Geral, tendo sido substituídas pela Tesouraria-Geral da Guerra, com três tesourarias sediadas no Porto, em Lisboa e em Elvas.
No século XIX, o edifício da Vedoria passou a ter outras utilizações, nomeadamente, durante a Guerra Peninsular (1807–1814), em que foi utilizado como enfermaria, devido a uma epidemia de cólera. Um relatório militar de 1875 refere que (…) que pela sua extensão serve de armazém de reparos de artilharia e para formatura da parada da guarda nos dias chuvosos; podendo, em casos extraordinários em tempos de guerra, ser destinada para enfermarias de moléstias e epidémicas ou de ferimentos em tempos de guerra, bastando para isso assoalhar o pavimento de madeira (…) (in Bucho, 2013, p. 60). Em 1901, o edifício foi entregue à Manutenção Militar para servir de armazém e, em 1909, a nave norte foi cedida para servir de arrecadação ao hospital. O edifício terá ainda outras funções ao longo do século XX, até ser integrado, no início desta centúria, no Hotel São João de Deus.
A CASA DOS GOVERNADORES E O COMANDO MILITAR DE ELVAS
Em Elvas não subsistem estruturas de uma casa específica para o Governador, nem se conhece a sua localização, descrições ou desenhos da mesma. No entanto, é possível que ele tenha vivido na antiga alcaidaria, no interior do castelo medieval. Só num relatório militar de 1825, se alude à (…) Casa dada ao Governador da Praça (…) situada na zona da cidade onde se ergue o Comando Militar de Elvas, cuja cerca posterior confrontava com a do castelo, mas não dando mais informações (Bucho, 2013, p. 58). Sobre o edifício da Rua Martim Mendes, onde funcionou o Comando Militar da praça no século XX, também não abundam dados históricos.
De facto, no processo no arquivo do tombo da Direção de Infraestruturas do Exército só existe documentação sobre o edifício a partir de 1940, correspondendo à data em que foi ocupado por serviços militares. Em agosto de 1945 era ocupado, simultaneamente, pelo comando da 1ª. Brigada de Cavalaria e pelo Governo Militar de Elvas, que ali permaneceu até à década de 1990, tendo o edifício, mais tarde, sido cedido à Câmara Municipal de Elvas em 2014.
OS QUARTÉIS
Os moradores de Elvas, devido aos feitos heroicos na defesa da fronteira, estavam isentos do aboletamento militar, ou seja, da obrigação de aboletar ou alojar nas suas casas, alimentar e tratar da roupa e dos animais das tropas (oficiais e praças) estacionadas ou que viessem de outras localidades. Este mesmo privilégio havia sido confirmado por D. Filipe II de Castela (1527-1598), ao negociar a entrega da cidade, em 1580.
No entanto, a nova conjuntura defensiva do século XVII e a presença de grande número de homens em Elvas, levou a que o recém-nomeado governador das Armas da Província, Martim Afonso de Melo (c. 1600-1671), impusesse o aboletamento, criando-se o posto de Quartel-Mestre, para coordenar os alojamentos militares nas habitações civis. Segundo Rui Jesuíno, muitas vezes, por cada pessoa, correspondiam dois soldados, o que, na prática, implicava que uma família de quatro pessoas tivesse de albergar em casa oito militares, com todos os constrangimentos e perturbações sociais que isso causava, levando a frequentes protestos por parte da população.
Logo em 1641, os elvenses queixaram-se ao rei, por meio de João Fraústo Borralho, enviado a Lisboa como seu procurador. Na sequência deste pedido, o monarca, por carta datada de 12 de outubro, encarregou Martim Afonso de Melo de pôr em prática diversos planos que aliviassem a população no esforço de guerra. Uma das medidas consistia em aquartelar os militares num dos bairros da cidade, transferindo os moradores dessas casas para um outro bairro, acomodando-se com os seus habitantes, mas, se decidissem permanecer nas suas casas, teriam de alojar os soldados atribuídos por boleto. Este sistema de alojamento era, contudo, inexequível, pois os proprietários e moradores do bairro visado resistiriam a deixar as suas casas à mercê do exército, tal como os moradores dos outros bairros não se conformariam em receber na sua intimidade estranhos, ainda que fossem seus vizinhos.
O aboletamento penalizaria especialmente a população mais pobre, devido à nobreza, oficiais de justiça, familiares do Santo Ofício, irmãos da Misericórdia e membros de outros misteres, terem ficado isentos dessa obrigação, aumentando, assim, as queixas do povo. Como tal, em resposta ao requerimento da câmara, o rei escreveu, a 14 de janeiro de 1642, ao governador das Armas da Província, aludindo a queixa dos “misteres” da cidade de Elvas, de se alojar os (…) soldados somente nas casas dos oficiais pobres, a 10 e 12 cada uma (…) (Almada, 1888, t. 1, p. 15), ordenando ao juiz de fora que não (…) exceptuasse casa alguma de pessoa nobre no dito alojamento (…) e que (…) ordeneis que se faça com toda a igualdade, sem excepção de pessoa, para que assí cessem as queixas que os ditos misteres me fazem em nome do povo d’essa cidade (…) (idem, ibidem, p. 15).
Martim Afonso de Melo esforçou-se por cumprir as ordens do rei, remetendo ao juiz de fora os requerimentos dos que se julgavam prejudicados. Contudo, ao longo dos séculos, existiriam sempre privilegiados desobrigados de aboletar, sendo a própria legislação contraditória. A título de exemplo, refira-se uma disposição publicada a 7 de maio de 1643 concedendo privilégios aos proprietários que aboletavam oficiais e soldados, dispensando-os do pagamento de foros. Mas, logo no dia seguinte, uma outra disposição isenta os oficiais da câmara em exercício de darem alojamento, objetos de cama ou roupa. Esta contradição perdurou e, quase dois séculos depois, em 1814, uma ordem do marechal Beresford (1768-1854), de 15 outubro, declara terem de novo cessado os aboletamentos, não tendo os oficiais direito a exigir alojamento. No entanto, uma portaria de 22 de novembro seguinte, ordena que, excecionalmente, se providencie aquartelamento nas povoações aos oficiais dos corpos, cujos quartéis não tivessem capacidade suficiente.
Para além da sobrecarga sobre os mais pobres, destaca-se, entre os motivos de queixa, a difícil convivência resultante de alojar militares em famílias com mulheres jovens e desamparadas, sendo frequentes os abusos, bem como os estragos provocados nas próprias casas pelos aquartelados, os quais chegavam a fazer lume com as portas e as tábuas do sobrado. Tentando minimizar esta última situação, o rei, a 11 de maio de 1646, exigiu do governador das Armas, que, antes de se aquartelar qualquer força, os capitães tivessem de assinar um termo sobre o estado em que recebiam as casas destinadas a quartel, ficando responsáveis pelos danos posteriormente encontrados.
Recuando a 1643, o poder local reunido na casa da câmara, resolveu, a 17 de janeiro, mandar construir alguns quartéis, tendo o mestre-de-obras Sebastião Vaz orçado as despesas de reparação e acomodação das casas destinadas a quartéis em mil cruzados. Decidiu-se também conceder 200$000 para enxergões e mantas. Deste modo, o povo propôs-se a pagar, para além do subsídio militar da décima, para a construção das fortificações, e do real de água, para a manutenção do Aqueduto da Amoreira, mais um imposto para a construção de quartéis. Foi definido em 20 réis em cada almude de vinho que entrasse e se vendesse na cidade, ficando, assim, o povo livre de dar alojamento, camas ou outra coisa, e, as camas e móveis que já haviam dado, deveriam ser restituídas aos donos. As pessoas graves que não quisessem ficar nas casas fornecidas, normalmente por as considerarem demasiado pobres para a sua posição, deveriam procurar alojamento e o que necessitassem pelos seus próprios meios. Esta determinação, contudo, nunca foi assinada pelo que, não há garantia de ter tido efeito imediato.
Ao que parece, só por volta de 1646, se deu início à construção de um dos primeiros quartéis, na Rua de São João da Corujeira, com uma primeira soma de 650$000, tendo arrematado a obra Pedro Afonso, Domingos Almeida e Amaro Nunes. Em 1650, a população cansada de tanto aboletamento, propôs fazer mais quartéis para os soldados, ampliando-se o imposto do real de água, para que o excedente revertesse para a obra. A, a 14 de agosto de 1657, a população obrigou-se a, durante dois anos, aumentar a contribuição do real de água para os quartéis. À custa deste imposto, sabe-se que, em 1656, estavam em construção os Quartéis de São Martinho e, depois de 1659, procedeu-se à construção dos quartéis das Balas ou da Cisterna, na escarpa interior do redente do Cascalho. Sensivelmente por esta época, ter-se-ão construído também os Quartéis do Castelo. Uma carta de 26 de abril de 1660, de D. Luísa de Gusmão (1613-1666) concedeu, a pedido do juiz, vereadores e outros oficiais da câmara, um adiantamento da obra dos quartéis, cuja construção se interrompeu temporariamente, para, com a respetiva verba, se reforçarem de trigo os celeiros da cidade. Depois de 1668, providenciou-se a ampliação dos Quartéis da Corujeira.
Durante os conflitos europeus, que de forma mais ou menos intensa envolveram Portugal, devido às suas alianças políticas, a concentração de homens em Elvas aumentou e, consequentemente, também os problemas de alojamento dos mesmos. O mesmo aconteceria após a reorganização do Exército, em 1816, quando Elvas deixou de ser quartel permanente e passou a escola militar, fazendo aumentar ciclicamente o número de tropas na cidade, aquando da substituição dos regimentos que faziam a guarnição, por períodos de seis meses.
Para minorar o problema do aboletamento, tomam-se sucessivamente várias medidas. Por exemplo, a 25 de setembro de 1716, o rei determinou que os moradores das cidades e vilas fossem dispensados de dar alojamento aos oficiais, de maior ou menor patente, e aos soldados, e ao invés reparassem os quartéis das praças, através do imposto das fortificações. Em 1718, os misteres do povo de Elvas apresentaram um requerimento à câmara, depois enviado ao rei, para que todos os quartéis, antigos e modernos, fossem entregues à coroa como bens próprios e que, para reparação e camas, se lançasse mais um real em cada arrátel de carne e peixe consumido na cidade, de modo a que os moradores ficassem isentos de aboletar. Como os quartéis velhos estavam arruinados, a coroa só aceitaria tomar posse deles, depois de a câmara os consertar e renovar as suas camas, mas o município não tinha verbas para isso. Assim, a 7 de outubro de 1719, decidiu prescindir dos 500$000 que a coroa lhe devia pela expropriação de quinze dos quartéis demolidos para alargamento dos armazéns de guerra, posterior Casa das Barcas (Almada, 1888, t. 1, p. 17).
Em 1737, os elvenses propuseram reedificar os quartéis arruinados e construir mais vinte, o que foi deferido por provisão régia, de 27 de abril, gastando-se nestas obras mais de 4 contos. Estes novos quartéis correspondem ao Quartel do Calvário, adossado ao Trem de Artilharia. Também um alvará, de 21 de outubro de 1763, fixou a duração dos aboletamentos da tropa em tempo de paz, apenas em 3 dias mas, ao que parece, o alvará não surtiu efeito em Elvas, pelo menos inicialmente. Em 1767, o conde de Lippe ordenou a construção do Quartel do Casarão, com projeto ou direção do coronel de artilharia Guilherme Luís António de Valleré (1727–1796), sobre as estruturas do antigo quartel de Cavalaria, ao mesmo tempo que se destinava para aquartelamento parte das casas da Rua dos Esteireiros e do Botafogo. No entanto, grande parte destes aquartelamentos, acaba por ser demolido posteriormente. A 6 de dezembro de 1796, em reunião de sessão, a câmara acordou em aprontar e melhorar, por “caridade”, as casas das atafonas, no Rocio, para aboletar os que ali se pudessem recolher.
Pelo facto de os quartéis e as casas de alojamento nunca terem sido suficientes, tendo sido sempre necessário recorrer ao aboletamento em casas particulares - nem que fosse apenas para os oficiais -, logo após a extinção das ordens religiosas, em 1834, e com o consequente abandono dos conventos, a câmara solicitou alguns desses imóveis. Em maio de 1835, e em pedidos posteriores, o município começou por requerer o Convento de São Domingos, para aquartelar oficiais. Mais tarde, requisitou o Convento de São Paulo, para instalação de uma hospedaria militar. Em maio de 1854, enviou requerimento às Cortes a pedir as casas da Rua dos Frades que haviam sido incorporadas nos bens do Estado pela extinção do Convento de São Domingos. Este último requerimento, renovado em junho de 1860 e em fevereiro de 1862, só teve despacho em dezembro de 1865, por instância do visconde de Alcântara, concedendo-se todo o lado direito da Rua dos Frades, do n.º 4 ao n.º 4L, para instalar um quartel ou hospedaria militar para oficiais e respetivos impedidos. Apesar destas diligências, só em novembro de 1866 foi possível a câmara tomar posse destas casas na Rua dos Frades. Em 1875 o Convento de São Domingos já servia como quartel, alojando o Regimento de Artilharia n.º 2, e tendo capacidade para quinhentas praças. Nesta mesma data, o Convento de São Paulo terá sido ocupado pelo Batalhão de Caçadores n.º 8, ainda que já anteriormente tivesse albergado o Regimento de Granadeiros Britânicos.
Em finais do século, por volta de 1889, segundo Vitorino d’Almada, a Praça de Elvas tinha os seguintes aquartelamentos, para além das várias casas da guarda nas portas da magistral e dos revelins: quarenta e oito casernas na Rua dos Quartéis, correspondentes aos Quartéis de São Martinho, vinte casernas às portas da Esquina, correspondentes ao Quartel do Calvário, dezoito casernas no redente do Cascalho, pertencente ao denominado Quartel das Balas ou da Cisterna, os Quartéis da Corujeira, o Quartel do Casarão, o Quartel de São Domingos, o Quartel de São Paulo, três quartéis na Rua do Passo, (…) 53 casernas na parada do castelo (hoje 51) (…) (Almada, 1889, p. 318), catorze quartéis da Rua dos Esteireiros, oito casernas na Rua do Botafogo e Casas n.º 6 e n.º 6A na Rua dos Fagundes. Também no Beco de Santa Justa, na Rua do Grivão, no Beco de Pêro Picão n.º 1 e 1A e na Rua de São Pedro n.º 12 as casas serviam de quartéis.
Em termos arquitetónicos, não existe um projeto-tipo pré-estabelecido para a construção dos quartéis em Portugal, ao contrário do que aconteceu, por exemplo, em Espanha, no século XVIII, após ter-se encomendado, em 1717, ao engenheiro holandês Jorge Próspero Verboon (1665-1744) um projeto de quartel para implantar em todo o país. Por outro lado, os principais tratadistas nacionais não estabeleceram normas-padrão para a construção destes equipamentos militares.
De facto, Luís Serrão Pimentel (1613-1679), no Método Lusitano, em 1680, apenas aborda brevemente a questão da localização e das dimensões dos compartimentos dos quartéis. Considera conveniente a implantação dos quartéis perto da estrada de armas, junto aos terraplenos, (…) assim temos alguns em Elvas (…), ou encostados aos terraplenos, ainda que aí não fosse tão conveniente, por (…) ficarem doentios e húmidos (…) e por impedir a livre subida aos terraplenos. Estabelece que cada compartimento ou “caseta” deve ter, mais ou menos, 16 ou 17 pés de lado (cerca de 5,5 metros) e 11 de alto, e, (…) porcima não terão mais que hu sobrado (…) (Pimentel, 1993, p. 323). Os quartéis do capitão e do alferes devem ser maiores, ou corresponder a (…) duas destas casetas com porta por dentro (..) (idem, ibidem, p. 323). No interior, os compartimentos devem ter chaminés, cantareiras e armários.
A existirem na praça, os quartéis de cavalaria, (…) serão tambem em partes cómodas com a largueza conveniente para as cavalherissas, & por cima casas para os soldados, & os palheiros defronte (…) (idem, ibidem, p. 323). Os quartéis para os capitães deveriam ser perto dos da cavalaria, (…) tendo a largueza conveniente à suas pessoas (…), à semelhança do que ocorreria para os tenentes, alferes, demais oficiais e para os capelães.
Mais tarde, Manuel de Azevedo Fortes, em 1729, em O Engenheiro Português, limita-se a defender a construção de quartéis nas cortinas, por pouparem muita terra, (…) de que ordinariamente sempre há falta (…) (Fortes, 1993, t. II, p. 310), concentrando-se depois em explicar minuciosamente a construção das abóbadas à prova de bomba, que denomina abóbadas dobradas, e que recomenda para a cobertura dos quartéis.
Ainda que não tenha existido um projeto-tipo, é notória a existência de características gerais comuns, resultantes da necessidade de uma arquitetura funcional e racional, com o objetivo de alojar o maior número de homens no menor espaço e com a menor despesa possível. São edifícios de estrutura regular e desenvolvimento modelar, com fachadas compridas, bastante sóbrias, marcadas pelo ritmo sequencial de vãos regulares, normalmente retilíneos e sem decoração, e pelas chaminés, semelhantes à habitação civil alentejana.
Numa carta patente, de 14 de abril de 1663, D. Afonso VI (1643-1683) nomeia António Rodrigues sargento-mor ad honorem, pelos serviços prestados na província do Alentejo, aludindo-se (...) encarregandolhe os offissiaes da camara de Elvas a obra dos quarteis de imfantr.ª e cavalar.ª de guarnição (…) (Sepulveda, 1919, vol. VIII, p. 459). O documento não indica o nome dos quartéis que projetara mas, dada a presença de António Rodrigues em Elvas, especificamente em 1644 e 1659, é possível que tenha sido o autor dos vários quartéis construídos até esta data, de tipologia semelhante, com acesso individualizado por compartimento, ainda que com soluções distintas, resultantes da sua própria implantação ou da adoção de um ou dos pisos. Pelo documento, sabe-se que António Rodrigues é igualmente autor dos quartéis de Olivença e de Moura. Este último com bastantes afinidades com os quartéis de São Martinho e do Castelo, mas mais evoluído, já que apresenta duas alas de casernas adossadas, acedidas por cada uma das faces exteriores compridas, chaminés comuns dispostas na cumeeira do telhado, escadas para o segundo piso nas fachadas estreitas, integrando ainda uma capela destacada, junto a um dos topos.
Em Elvas, subsistem cinco quartéis: três de Infantaria, denominados de São João da Corujeira, de São Martinho e do Calvário; um de Artilharia, designado das Balas ou da Cisterna, todos construídos por determinação da câmara, com o produto do imposto lançado sobre o povo da cidade, e, à exceção do quartel do Calvário, com compartimentos de acesso individualizado e fachadas de um ou dois pisos, com diferentes soluções construtivas; e um de Cavalaria, denominado do Casarão, mais tardio, com compartimentos de acesso individualizado e intercomunicantes entre si e as fachadas de um piso.
O QUARTEL DO CALVÁRIO, entre o edifício do Trem, a que se adossa, e o Paiol da Conceição, nas imediações da Porta da Esquina, data da segunda metade do século XVIII, não sendo ainda representado na planta de 1757, de Miguel Luíz Jacob (c. 1710-1771) (http://arquivodigital.defesa.pt/Images/winlibimg.aspx?skey=&doc=280633&img=26966), mas surgindo já na de Guilherme Frederico Westernacher (http://arquivodigital.defesa.pt/Images/winlibimg.aspx?skey=&doc=288942&img=31531). Construído para Infantaria, apresenta uma tipologia bastante distinta dos Quartéis de São João da Corujeira, de São Martinho e da Cisterna, possuindo planta retangular e fachada de dois pisos, rasgada por portais em arco e janelas retilíneas. O seu interior é estruturado por duas escadas e um corredor, que funcionam como eixos distribuidores para um grupo de quatro compartimentos, tendo, a meio do edifício, dois outros, perfazendo um total de dez por piso.
Entre os quartéis construídos ainda na segunda metade do século XVII, depois demolidos, destaca-se o Quartel do Castelo, para Infantaria, e o Quartel de Cavalaria, na zona do Casarão.
O QUARTEL DO CASTELO, demolido no início do século XX, antes de 1911, seguia uma tipologia semelhante à dos quartéis de São João da Corujeira e de São Martinho, ainda que com algumas variantes. A planta da Praça de Elvas, de António José da Cunha Salgado, datada de 1819 (http://arquivodigital.defesa.pt/Images/winlibimg.aspx?skey=&doc=288925&img=31512), representa-o implantado nas imediações do terrapleno interior, desde a torre de menagem do castelo, à qual se adossava, até quase ao término do meio Baluarte do Príncipe, com planta poligonal composta por ala retangular fazendo ângulo no extremo esquerdo, na gola do meio baluarte.
Fotografias anteriores à sua demolição documentam a tipologia de fachada comprida, evoluindo em dois pisos, com os compartimentos de acesso individualizado, ritmada por amplas chaminés, tipo chaminé de fumeiro alentejana, dispostas paralelamente à cumeeira, sobre a beirada. Ao centro, entre duas chaminés, dispunha-se um nicho alteado, apontamento decorativo inexistente em nenhum outro quartel. Ao longo do piso térreo desenvolvia-se a arcada, com arcos de volta perfeita, sobreposta por varanda exterior corrida, com guarda plena, acedida por escadas dispostas nos dois extremos. O esquema dos vãos era ligeiramente distinto do existente no Quartel de São Martinho, já que as portas dos compartimentos do segundo piso se rasgavam desalinhadas dos arcos inferiores e respetivos vãos. Segundo o relatório militar de 1875, estes quartéis eram ocupados por (…) esquadras, numerados de 1 a 50 com dois pavimentos, sendo o térreo abobadado; os quaes, apesar do seu estado de ruína estavam arrendados a pessoas pobres e que só por miséria os habitam (…) (Bucho, 2013, pp. 91-92). Vitorino d’Almada, por volta de 1889, informa que o Quartel do Castelo se compunha de cinquenta e três casernas, transformadas em cinquenta e uma.
O primeiro QUARTEL DE CAVALARIA DE ELVAS, já existente em 1663 e da autoria do engenheiro António Rodrigues, correspondia, possivelmente, ao representado nas plantas setecentistas da cidade, nomeadamente na de Guilherme Frederico Westernacher (http://arquivodigital.defesa.pt/Images/winlibimg.aspx?skey=&doc=288942&img=31531). Compunha-se por vários edifícios: um quartel de cavalaria, formado por dois longos corpos adossados ao troço da muralha fernandina, na zona do atual Museu Militar de Elvas, um disposto a sudeste da muralha e outro a nordeste da mesma, implantando-se na gola do Baluarte do Casarão um corpo de planta circular com alas laterais, identificado como corpo da guarda do Casarão, e umas comunas. Na gola do Baluarte da Porta Velha, junto ao orelhão, existia ainda um outro edifício identificado como quartel da cavalaria, bem como um armazém de pólvora.
A maioria dos RESTANTES ALOJAMENTOS militares em Elvas, acabaram por ser vendidos a particulares, nos últimos anos do século XIX, sendo posteriormente demolidos ou transformados, confundindo-se atualmente com a arquitetura residencial da cidade. Apesar disso, denunciam, por vezes, a estreiteza do lote e da sua compartimentação interior, no ritmo apertado das portas, encimadas por olhos-de-boi, destacando-se as antigas casernas na Rua do Botafogo, que ainda conserva na frontaria uma cartela, em massa, rococó, recortada e concheada, pintada, que envolveria um brasão.
AS LATRINAS
Entre o equipamento militar de caráter utilitário, fundamental por questões de salubridade, dada a presença massiva de militares na cidade, constavam as comunas ou latrinas. Em Portugal, a sua construção está pouco documentada, levando a pensar que, inicialmente, poderiam ser construídas em madeira, passando a ser representadas em planta, essencialmente a partir de meados do século XVIII, o que coincide com o desenvolvimento da cartografia. Para além disso, poucos exemplares subsistiram, de modo mais ou menos íntegro, até ao século XX, dificultando assim o seu estudo.
As latrinas surgiam destacadas das cortinas e avançando sobre o fosso, no transito ou nas casamatas, nesses dois últimos casos, localizadas o mais próximo possível da escarpa, por causa da condução dos esgotos para o fosso. No entanto, provavelmente a partir de finais do século XVII e durante o século XVIII, segundo Rafael Vila Rodríguez, recuperou-se a tradição romana das comunas, ou latrinas coletivas em algumas fortificações espanholas e francesas. O mesmo deve ter ocorrido em Portugal.
De facto, a planta da Praça de Elvas, de Guilherme Frederico Westernacher (http://arquivodigital.defesa.pt/Images/winlibimg.aspx?skey=&doc=288942&img=31531), da segunda metade do século XVIII, documenta a existência de seis comunas: junto a cada uma das portas, junto ao castelo, dispondo-se em frente da torre intermédia da frente principal, e nas imediações do Quartel do Castelo, próximo do Baluarte de São João de Deus e do Hospital Militar, e nas imediações do Quartel de Cavalaria, no Baluarte do Casarão. Apresentavam planta retangular, simples, certamente ligada a um sistema de escoamento de esgotos ou de cloacas, o qual não se encontra representado em planta. No entanto, é possível que a sua estrutura fosse semelhante à do projeto das latrinas para a Praça de Almeida, de Miguel Luís Jacob, construídas em 1777, junto à cortina do Baluarte de São Pedro, na proximidade de uma das poternas e do Quartel de Infantaria do Terreiro das Freiras, demolidas décadas depois, por volta de 1796, devido a problemas nas infraestruturas de escoamento. Tinham planta retangular, de modesta dimensão, e fachadas de um único piso. Interiormente teriam um corredor de distribuição para os cubículos individuais.
É interessante verificar que a implantação das comunas em Elvas corresponde à dos atuais paióis de bateria das portas, o que levanta a questão sobre a possibilidade de as comunas terem sido demolidas, no início do século XIX, e, no mesmo local, terem sido construídos os paióis. Em substituição das comunas ter-se-ia, então, construído as latrinas integradas no parapeito dos paramentos da praça, existindo um projeto de uma latrina na cortina entre os baluartes de Santa Bárbara e de São João da Corujeira, de Manuel Marta da Rocha, datado de 24 de agosto de 1825. Nesse projeto, apesar do acesso ter sido protegido por um muro em “L”, que hoje nenhuma possui, a estrutura da latrina era sensivelmente a mesma das que subsistem.
Atualmente, a Praça de Elvas apresenta latrinas integradas no parapeito dos paramentos, sobretudo nas cortinas, o que também acontece no Baluarte de Olivença. São latrinas duplas ou geminadas, divididas a meio por parede, exteriormente de estrutura semelhante às guaritas, com acesso individualizado e frestas nas faces laterais e posterior. O escoamento dos dejetos é feito por caneiro vertical, avançado na escarpa, diretamente para o fosso, exceto no caso da latrina na muralha dos Terceiros, que se desenvolve para dentro da praça. De um modo geral, estão bastante danificadas, destacando-se exteriormente a do Baluarte de Olivença, que é decorativamente mais rica. A avaliar pelo interior da existente na muralha dos Terceiros, proporcionavam algum conforto, já que o assento pétreo é ergonómico.
Existe ainda um outro projeto de 1852, pertencente a um orçamento de 5 de junho, para a construção de duas latrinas no quarto de um sargento, numa casa da guarda, marcando-se sob as mesmas a conduta de escoamento. Tal indica que, como era usual, também as casas da guarda em Elvas, pelo menos algumas, teriam latrinas, mas as utilizações posteriores das mesmas dependências devem ter determinado a sua destruição.
O ASSENTO DE PÃO
Assento é a designação dada aos edifícios onde se centralizava o fabrico de pão de munição para as guarnições da praça e para o exército em campanha, bem como os depósitos de trigo, cevada e palha, necessários para tal. Esta denominação advém do facto de se chamar assentos aos contratos escritos de arrematação para fornecimento de alimento e assentistas aos contratados por tal fornecimento. Quando não havia arrematante, o Estado concorria diretamente para essas despesas, consignando nos seus orçamentos a respetiva verba necessária.
Não se conhece a data exata da construção do edifício do Assento de Elvas, mas deveria figurar entre os primeiros equipamentos militares construídos após a recuperação da independência. Na verdade, logo a 29 de outubro de 1644, a câmara concedeu uma pena de água do Aqueduto da Amoreira para o amassilho do pão da gente de guerra, devendo os oficiais da câmara ver o registo antes da colocação do mesmo. A obra seria realizada pelos assentistas e a água correria apenas durante o amassilho, fazendo depreender que, já nesta data, existia o edifício do Assento do Pão.
Em junho de 1663, a Câmara de Elvas foi informada que o provimento do pão de munição, da cevada e da palha das guarnições da província do Alentejo passaria para a Junta Geral do Comércio e, em junho de 1678, uma carta do vedor-geral da província, Pedro Vaz Rosado, refere que o príncipe regente mandara que o provimento corresse por conta da Fazenda Real, de modo a que os lucros, normalmente havidos pelos assentistas, ficassem para maior pagamento aos soldados. Mas posteriormente, o provimento das tropas passa a ser feito por assentistas, conforme se verifica pela documentação.
Em 1726, o Aqueduto da Amoreira continuava a alimentar, entre outras fontes e chafarizes, os “fornos delRey”, havendo plantas com a marcação da conduta atravessando o pátio até à fonte setecentista, que tem tanque semicircular e perfil ondulado. A partir de 1803, refere-se a necessidade de o fornecimento de pão ao Hospital São João de Deus ser feito pelo Assento do Pão. Em dezembro de 1869, o edifício foi novamente transferido para o Ministério da Guerra para, no ano seguinte, passar a funcionar como sucursal da Padaria Militar, após obras de adaptação. Em agosto de 1897, passou a sucursal da Manutenção Militar, ali se mantendo até à década de noventa do século XX.
A CASA DOS FORNOS
No início do século XIX surgiu um equipamento militar complementar para produção de pão de munição. Trata-se da Casa dos Fornos, construída entre 1802, data em que ainda não se encontra representada na planta da Praça de Elvas com seus fortes adjacentes, delineada por Francisco D’Allincourt (http://arquivodigital.defesa.pt/Images/winlibimg.aspx?skey=&doc=288971&img=31641), e 1815, data correspondente a um relatório assinado pelo coronel engenheiro Raimundo Valeriano da Costa Correa, referindo que o edifício é (…) a grande prova, tanto pelas suas grossas paredes como pelo seu considerável carrego de alvenaria, e terra (…) (Bucho, 2013, p. 66).
Contudo, o edifício desempenhou esta função durante pouco tempo, uma vez que, em 1880, já servia para aquartelar soldados, apesar das más condições. De facto, Francisco Pereira d’Azevedo, cirurgião ajudante de Infantaria n.º 4, por ordem do coronel comandante do Batalhão de Caçadores 8, examinou a “grande caserna”, verificando que esta não poderia albergar mais soldados do que os existentes, e referiu ainda que as condições eram pouco salubres e as infiltrações nas paredes e abóbadas ainda não tinham secado, apesar da estação quente e seca. Além disso, alertou para o risco da possibilidade de os homens poderem contrair doenças graves no inverno seguinte, dada a exposição total a norte, o tipo de construção, o facto de não haver vidraças e a porta ser muito grande, deixando a casa muito exposta às correntes de ar, frio e húmido.
Pelo menos a partir de 1896, o edifício comunicava por vão central com a Casa das Barcas, então adaptada a teatro, servindo uma parte da Casa dos Fornos como arrecadação do mesmo e o restante espaço como caserna. Na segunda metade do século XX, este equipamento foi alugado e ocupado para outros fins, menos dignificantes até que, em 2014, é cedido à Câmara Municipal de Elvas, para atividades culturais.
O barão de Almofala, num relatório de 1849 ao Ministério da Guerra, sobre o estado em que encontra os diversos edifícios dependentes da secretaria, alude, para além do Assento do Pão, a uma casa com dois fornos: (...) há além d’isso outra casa, ainda que longe da primeira, onde estão dois fornos; podem todos fabricar em 24 horas 28.000 rações de pão d’arrátel e meio. (…) (Almada, 1889, t. 2, p. 360). Contudo, desconhece-se a sua localização ou se constitui apenas um lapso relativo à Casa dos Fornos, que sempre teve três fornos.
O MOINHO E AS ATAFONAS
Não se conhece a localização exata dos mecanismos de moagem dos cereais para produção do pão de munição em Elvas desde o seu início. É possível que o Assento do Pão, para além dos fornos, das oficinas de amassaria e das zonas de armazenamento, tivesse também um espaço com alguma moenga, mas não existe informação sobre o assunto. Paralelamente, existiam atafonas e moinhos, dentro e fora da cidade, a que os assentistas recorriam para poder cumprir o seu contrato de aprovisionamento do Exército.
No interior da cidade e da praça fortificada existia, pelo menos, desde meados de Setecentos, um moinho de vento ao serviço do Assento do Pão, implantado na zona mais alta da obra coroa, sendo representado na planta de Miguel Luiz Jacob, de 1757 (http://arquivodigital.defesa.pt/Images/winlibimg.aspx?skey=&doc=280633&img=26966). Tal levou o pároco da freguesia de São Pedro nas Memórias Paroquiais, de 1758 a denominar a obra coroa como (…) forte, ou fortaleza a que chamam o Moynho do Vento (…) (Memórias Paroquiais, 1758, p. 194).
O pároco refere o moinho como (…) huma Torre em que fazia farinha no tempo da guerra da acclamaçam. E ainda no principio desta ultima guerra se Consertou e fez farinha o que ça prezenciey e não sey qual foy a Cauza de senão continuar (…) (Memórias Paroquiais, 1758, p. 194). A construção da obra coroa teve início em 1650, desconhecendo-se se o moinho já existia ou se foi construído posteriormente. No entanto, em 1758 o moinho já não funcionava, o que terá levado à sua ruína, queixando-se disso mesmo o brigadeiro barão de Almofala, em 1849, num relatório enviado ao Ministério da Guerra, no qual considerava ainda que (…) o moinho, de que se podia tirar grande vantagem, está situado na Obra corôa; conviria ter edificado esta peça no castello, parte mais alta da fortaleza (…) (Almada, 1889, t. 2, pp. 360-361). Atualmente, o moinho ainda se mantém na obra coroa, pesar de não se encontrar em atividade.
Sabe-se também da existência de azenhas e atafonas. Em 1719, o assentista da província, Baltazar Lopes da Paz, encontrando-se em dificuldade para cumprir o seu contrato, devido a não ter conseguido negociar com a câmara para que esta fizesse pressão sobre os atafoneiros da cidade para o fornecimento de farinha necessária, obteve provisão, a 13 de março, para o vedor-geral obrigar os moleiros dos moinhos e azenhas a moer na cidade diariamente 2 moios de trigo para o necessário provimento e sobressalente. Depois deste conflito a Vedoria Geral mandou proceder (…) à obra das atafonas nos baixos do Arsenal real, na Rua da Cadeia (…) (Almada, 1889, t. 2, pp. 403-404).
Mais tarde, a 13 de abril de 1782, a Câmara de Elvas acordou em construir seis atafonas e respetivos alpendres, no Rocio do Calvário, fora das muralhas da cidade, encostado à parede da horta de São Paulo, abaixo da Fonte dos Clérigos. A despesa foi paga pelo cofre das sobras do açougue, conforme o acórdão estabelecido entre a nobreza e o povo, em dezembro de 1781. Victorino d’ Almada acredita que o edifício foi demolido em 1811, perante a perspetiva de um ataque dos franceses à praça mas que, logo após a Guerra Peninsular, se providenciou a sua reconstrução. Pelo menos, em 1824, as atafonas estavam em funcionamento, pois a câmara decidiu arrendá-las.
A partir de meados de Oitocentos, as atafonas da cidade encontravam-se em mau estado de conservação, conforme é refere o barão de Almofala, em 1849: (…) as quatro atafonas que há, (…), estão arruindados e em deseuso (…) (Almada, 1889, t. 2, p. 361). Em 1851, perante uma grande crise de falta de farinha na cidade, solicitou-se ao Ministério da Guerra autorização para se dispor das três atafonas da Rua da Cadeia, (…) havia muitos anos inactivas (…). Quanto às atafonas do “Rocio do Calvário”, em 1875, apenas com cinco e em adiantado estado de ruína, foram postas em praça pelo Ministério da Fazenda, tendo sido arrematadas por Sabino Álvares, por 32$100, que as mandou reparar posteriormente.
A CISTERNA MILITAR
O fornecimento de água a Elvas constituiu um problema desde finais do século XV, apesar dos inúmeros poços e cisternas nas habitações particulares, do famoso Poço de Alcalá, da cisterna islâmica, ainda hoje em funcionamento, junto à Igreja Paroquial de Santa Maria da Alcáçova, e da construção do Aqueduto da Amoreira que, durante a década de vinte do século XVII, passou a abastecer a cidade. O aumento do número de habitantes, resultante da forte presença militar na cidade, a partir de 1641, iria agravar o problema de abastecimento de água e a consequente emergência para uma rápida resolução.
Logo em 1647, Jan Ciermans ou João Paschasio Cosmander (1602-1648), desenhou uma cisterna para a praça e a passagem do aqueduto sob o fosso, mas a obra não se concretizou. No ano seguinte, D. João IV mandou destruir o troço do aqueduto a um tiro de mosquete da praça e que pudesse dificultar a obra da fortificação, com receio que o mesmo oferecesse abrigo ao inimigo. A 21 de maio, o governador Martim Afonso de Melo manifestou ao rei o seu descontentamento pela destruição do aqueduto, por considerar que causaria grande dano à cidade, até porque mandara construir uma grande cisterna no interior da muralha, na proximidade do local onde a água entrava na cidade, de modo a poder armazená-la e abastecer a população, em caso de cerco ou da destruição do aqueduto. Aliás, o conde de São Lourenço considerava (…) que sera huma das mayores e mais importantes couzas que se tem obrado nesta prouincia (…) (Matos, 1941, p. 38).
A cisterna acabou por ser construída entre a muralha fernandina e a cortina da nova fortificação, com projeto do tenente-general Rui Correia Lucas, com base nas plantas de D. Fernando de Mascarenhas, conde da Torre (c. 1610-1651), sob a direção do engenheiro Nicolau de Langres (?-1665). A obra foi concluída em 1650, conforme atesta o memorial da denominada Fonte da Casa das Bicas, sendo considerada por George Borrow, em 1835, ainda que exageradamente, como a maior do mundo no seu género.
O REAL HOSPITAL MILITAR
As Guerras da Restauração, segundo Augusto Moutinho Borges, trazem uma nova problemática peninsular quanto ao tratamento dos feridos, dos enfermos, dos doentes e quanto aos óbitos, levando à criação dos hospitais militares, os quais contribuem para uma melhoria significativa, em termos sociais e humanos, das tropas e das comunidades. Quanto à sua importância, estes hospitais constituem um dos principais equipamentos logísticos das praças de guerra, quase a par da construção e reparação das muralhas e das sedes dos governos militares e antes mesmo da construção de quartéis.
Foram fundados especialmente nas praças de guerra mais envolvidas na defesa da fronteira nacional, nos eixos de penetração natural. Entre 1645 e 1805, segundo aquele investigador, foi criada uma verdadeira rede de hospitais militares ao longo da raia, denominados por Reais Hospitais Militares de Campanha, nas linhas da frente, e, para apoio destes, outros mais recuados, designados de Reais Hospitais Militares de Retaguarda.
Instalaram-se em edifícios preexistentes, sobretudo na fase inicial, ou foram construídos de raiz, com projeto da responsabilidade dos engenheiros militares estacionados nas praças, ou formados na Aula de Fortificação. Em 1645 D. João IV incumbiu os Irmãos Hospitaleiros de São João de Deus de administrar os Reais Hospitais Militares, restringindo-se apenas aos da Província do Alentejo, especificamente de Campo Maior, Elvas, Moura e Olivença mas, a partir de 1646, essa administração passou a ser extensiva a todas as praças do reino, começando pela de Monção.
Não há certeza quando à data da construção do Hospital Militar de Elvas, mas deverá ter ocorrido nos primeiros anos da década de quarenta do século XVII, mais precisamente em 1643, segundo o pároco da freguesia da Sé, nas Memórias Paroquiais de 1758. Na verdade, logo em 1641, por alvará de 4 de maio, D. João IV pediu aos Irmãos Hospitalários, devido à experiência de “caridade e assistência” com que acudiam os doentes, para estes assistirem os feridos de guerra no Alentejo - em Elvas, Campo Maior e Olivença –, confiando, por patente de 23 de dezembro, a administração do Hospital Militar de Elvas a frei Mateus, administrador-geral e capelão do Exército do Alentejo. Em 1645, um outro alvará régio encarregou a administração dos hospitais de Elvas, de Campo Maior e de Olivença, à Ordem de São João de Deus, na pessoa do seu provincial, frei Bento Pais. Daqui se pode depreender que, nesta data, já se encontrava construído o núcleo primitivo do Hospital Militar de Elvas.
Uma década depois, em 1653, D. João IV ordena a compra de umas casas, contíguas ao hospital, para a ampliação das suas instalações. As obras tiveram início por volta de 1656, com a construçãode um corpo perpendicular, dispondo-se as enfermarias ao nível do segundo piso, enquanto o piso térreo seria ocupado pela Vedoria Geral. A conclusão das obras de ampliação do hospital ocorreu entre 1683 e 1706, já durante o reinado de D. Pedro II (1648-1706). Entretanto, em 1671, a Ordem Hospitaleira de São João de Deus foi elevada a Província, fazendo-se a aprendizagem dos Irmãos no Hospital de Elvas.
Aquando da Batalha das Linhas de Elvas, em 1695, o hospital tinha dez religiosos, número que o conde de Atouguia, governador militar da Província do Alentejo, considerava insuficiente para as necessidades do mesmo, e, segundo a carta de um oficial, o hospital poderia acolher, no máximo, 350 doentes, o que também era pouco para uma praça como Elvas. Na primeira década do século XVIII, a administração dos Reais Hospitais Militares foi retirada aos Irmãos Hospitaleiros de São João de Deus, que passaram a ter apenas a atividade de enfermagem, até 1834, data da extinção das ordens religiosas e da incorporação dos seus bens na Fazenda Nacional. O hospital de Elvas foi encerrado em 1976, passando a funcionar ali vários serviços, até que, no início do século XXI, foi adaptado a hotel, com projeto consentâneo com a conservação das antigas estruturas.
O ARSENAL OU QUARTEL DO TREM
Um dos equipamentos militares mais importantes nas praças de guerra era o arsenal ou, mais comumente denominado, o trem, destinado ao armazenamento, à reparação e ao fabrico de armas e munições de guerra. Inicialmente, o Trem de Elvas funcionava num outro edifício, para o qual a Fazenda Real, em 1643, expropriou à Confraria da Misericórdia da cidade umas casas, no cimo da Rua de São Francisco, pelo valor de 103$000. Poucos anos depois, em 1649, segundo informação do pároco da freguesia da Sé, nas Memórias Paroquiais de 1758, no Meio Baluarte do Trem, ter-se-á construído, por ordem de João Paschasio Cosmander, que à data já teria morrido, uns alpendres ou telheiros para os oficiais que trabalhavam nas armas e apetrechos de guerra, e, entre 1688 e 1691, a cisterna grande. Contudo, aponta-se normalmente como data para o início da construção do atual trem o ano de 1694, no mês de novembro, conforme especificado pelo pároco, por determinação de D. Pedro II.
As obras do edifício prolongaram-se pelas primeiras décadas do século XVIII, procedendo-se, em 1716, à colocação da guarda da janela central do segundo piso, e em 1718, e ao portal central, ambos documentados epigraficamente. Por ordem de 4 de junho de 1723, construiu-se também a oficina dos ferreiros, na zona de cota mais elevada do pátio, integrando pequena cisterna. Entretanto, em 1706, colocaram-se no edifício seis imagens antigas de madeira, provenientes dos “baluartes da praça de Valença”.
A partir de 1821, na metade poente do piso térreo, instalou-se o presídio militar, que recebia os militares condenados no Conselho de Guerra a penas de trabalhos forçados, aqui funcionando até 1911. Em 1868, com a reorganização do Arsenal do Exército, o Trem de Elvas foi extinto, conservando-se ainda como armazém e depósitos, com a designação de "Extinto Trem". Vinte anos depois, em 1886, devido aos poucos operários que restavam terem retirado para Lisboa, o edifício passou a servir de Depósito de Artigos de Guerra da Praça ou Reserva de Equipamento de Guerra. Com os operários saíram também uma cruz de prata, com mais de 4 quilogramas, e uma lâmpada de prata, com cerca de 6 quilogramas, que havia servido para o culto de Santa Bárbara, pertencentes ao antigo Regimento de Artilharia 3. No mesmo ano, seguiu ainda para Lisboa o Estandarte Real do Trem, oferecido por D. João V (1689-1750). Em 1887, o edifício foi entregue ao Ministério da Fazenda, por empréstimo, e convertido em quartel e secretaria da 1.ª Companhia do 4.º batalhão da guarda-fiscal e em cavalariça da secção de cavalaria da mesma guarda. Após dois anos, segundo Victorino d’ Almada, os altos do arsenal foram ocupados pela pagadoria da 7.ª divisão militar e pela repartição fiscal de um comissário de mostras e, os baixos albergaram duas ou três atafonas, aproveitadas apenas em anos de estiagem, quando as azenhas de Varche e os moinhos do Guadiana não garantiam farinha suficiente para o consumo da cidade.
Em 1901, o Ministério da Guerra concedeu, por empréstimo, à Câmara Municipal de Elvas, e enquanto dela não necessitasse, a zona da prisão do trem (medindo 25,0 metros x 6,70 metros), bem como a zona superior, de modo a poder albergar a prisão da comarca. Na sequência desta cedência, decorreram várias diligências para se retirar os sete quadros a óleo, existentes na zona do segundo piso do trem a ceder à câmara, (…) de tal ou qual merecimento, senão artístico pelo menos histórico (…), e de remetê-los para o Museu Militar. Pela documentação, percebe-se que os quadros faziam parte de “prateleiras e tarimbas” existentes na sala, não podendo ser retirados sem desmanchar as prateleiras, chegando a fazer-se orçamento para a sua remoção. Em ofício, de 30 de julho, dirigido ao inspetor do Serviço de Engenharia da 4.ª Divisão Militar, 2.ª Secção, Francisco Augusto Gomez Teixeira informa que o (…) seu pouco valor artístico não justifica a sua transferência (…) (DIE: Tombo dos Prédios Militares: PM n.º 86/Elvas - Quartel do Trem, Processo n.º 1), desconhecendo-se a data do seu apeamento e posterior desaparecimento. O edifício foi ocupado sucessivamente por vários batalhões, até ser reafeto ao Ministério da Educação e, em 2007, ocupado pela Escola Superior Agrária de Elvas.
OS PAIÓIS
Um outro equipamento militar fundamental numa praça são os paióis, para armazenamento da pólvora e demais munições, podendo ser uma construção temporária ou permanente. Manuel Azevedo Fortes (1660-1749) debruça-se extensivamente sobre as suas características, fornecendo orientações construtivas e subdividindo-os em armazéns grandes, ou paióis gerais, e paióis pequenos, ou de bateria.
A primeira referência documental à construção de raiz de um paiol em Elvas data de cerca de 1348, quando D. Afonso IV mandou construir um armazém nos Cantos da Carreira, encostado à segunda linha de muralha da urbe, e à Torre do Relógio, perto ou nos baixos da Igreja de Nossa Senhora dos Bencasados. Aí se conservaram petardos até 1654, possivelmente por já existirem outros edifícios ou estruturas, estrategicamente mais bem implantados, para o armazenamento de pólvora e munições. Contudo, aquando da demolição da Igreja de Nossa Senhora dos Bencasados, em meados do século XX, por ocasião da construção do Banco Nacional Ultramarino, ali ainda foram encontrados noventa e sete pelouros de pedra, cada um com cerca de 70 quilogramas.
Em tempo de guerra, como o foram os séculos XVII e XVIII, a segurança de uma praça e a boa operacionalidade das manobras dependia muito da distribuição da pólvora e das munições por vários pontos e paióis. Em termos ideais, deveria existir um paiol em cada baluarte ou próximo à gola dos mesmos. Apesar das lacunas documentais, sabe-se que em Elvas, logo em meados de Seiscentos, existiam vários paióis gerais, e outros locais, onde se guardava a pólvora. Entre outubro de 1658 e janeiro de 1659, aquando do cerco de D. Luís de Haro, o engenheiro António Rodrigues, entre outras coisas, fez (…) accomodar a pólvora e mais petrechos de fogo em vários logares aonde se levava dos armasens por entre os riscos das bombas do inimigo (...) (Sepulveda, 1919, p. 459).
A primeira representação gráfica dos paióis gerais de Elvas surge na planta da praça de Miguel Luiz Jacob, de 1757, após a sua visita geral ao local dois anos antes (http://arquivodigital.defesa.pt/Images/winlibimg.aspx?skey=&doc=280633&img=26966), referindo-se ao Baluarte da Conceição como baluarte do armazém antigo da pólvora e representando o Paiol da Conceição de planta circular, com a legenda armazém antigo da pólvora, enquanto legenda o Paiol de Santa Bárbara, nas imediações do Castelo, como armazém moderno de pólvora. A já citada planta de Guilherme Frederico Westernacher, sensivelmente posterior (http://arquivodigital.defesa.pt/Images/winlibimg.aspx?skey=&doc=288942&img=31531), representa ainda um armazém de pólvora na gola do Baluarte da Porta Velha, com uma planta circular inserida num quadrado, tendo adossado dois corpos. Estes são os paióis gerais que ainda hoje existem no interior da praça. Contudo, nenhuma das plantas identifica a localização dos paióis de bateria, nem representa os atuais. Aliás, como anteriormente referido, no local dos paióis de bateria ficavam as comunas, o que leva a apontar como hipótese a sua construção ter sido mais tardia, ou seja, apenas no início do século XIX, no local onde ficavam as comunas.
Na sequência da queda de um raio próximo do paiol do Forte de Santa Luzia, por volta de 1770, a população de Elvas solicitou a construção de um paiol fora da praça, para que, em tempo de paz, aí se guardasse a pólvora, evitando o perigo que o seu armazenamento intramuros constituía para a cidade. O general Manuel Bernardo de Mello e Castro (1716-?) tomou a iniciativa da construção do paiol, encomendando ao engenheiro Guilherme Luís António de Valleré o seu projeto. No entanto, por discordar daquela construção, Valleré fez acompanhar a planta com um parecer negativo, já que, em caso de guerra, o inimigo poderia ocupar e fortificar a zona junto ao paiol e, eventualmente, apoderar-se das munições da praça. Ainda assim, apresentou um local mais conveniente para edificar o paiol, a baixa a norte do Convento de São Francisco, ou a Quinta do Mal Penteado pois, em caso de explosão, o monte intermédio à cidade impediria grandes estragos. Não obstante, o paiol acabou por não ser construído.
Só em 1802, se ordenou novamente a construção de um armazém extramuros, para remover a pólvora do interior da cidade, escolhendo-se o sítio dos Murtais, um baldio, pertencente ao Senado da Câmara. A construção do Paiol dos Murtais decorreu entre 1804 e 1806, a expensas da Fazenda Real, e sob a direção do engenheiro João da Mata Chapuzet (1777-1842).
A partir de 1815 fizeram-se vários pedidos e iniciaram-se diligências para remover a pólvora dos paióis da cidade, transferindo a pólvora, sobretudo, do de Santa Bárbara, para o Paiol dos Murtais. Mas a situação continuou a arrastar-se, primeiro por discordância com essa transferência, depois por impossibilidade devido ao mau estado em que se encontrava o edifício. O próprio D. Pedro V (1837-1861), em visita à cidade de Elvas, em 1860, ofereceu 2 contos para a reedificação do paiol mas, possivelmente, não terá ocorrido, ou então as obras seriam pouco significativas, uma vez que, em 1873, continuava em ruínas, tendo apenas resistido a casa da guarda em sofrível estado de conservação. O isolamento determinaria a sua ruína futura e, necessariamente, a sua posterior transformação. A 19 de agosto do mesmo ano, entregaram-se os vários armazéns e paióis, nomeadamente o Paiol dos Murtais (…) tudo em mau estado - o edifício principal a demolir (…) a António Manuel Pereira, alferes reformado e caserneiro da Praça de Elvas (Direção de Infraestruturas do Exército: Tombo dos Prédios Militares: PM n.º 048/Elvas – Castelo de Elvas). No mês seguinte, decidiu-se arrendá-lo, acabando o paiol por ser vendido em hasta pública, juntamente com a casa da guarda e a guarita, a 21 de janeiro de 1902, a Jerónimo José Barbas, por 300$00.
Numa Relação dos diversos paióis e depósitos de pólvora existentes na Praça de Elvas, datada de 25 de setembro de 1817, relata-se a existência de quinze paióis, doze à prova - um deles o geral de Santa Bárbara - e três sem ser à prova - sendo gerais o da Conceição e o da Porta Velha. Os paióis à prova têm a seguinte localização: dois pequenos, no corpo da guarda da gola do Baluarte do Casarão, com casa e tanque de ressalva; um entre o Baluarte do Casarão e o de São Domingos, bem acondicionado, com casa de ressalva e portas dobradas; um sob o cavaleiro do Baluarte da Parada ou da Praça de Armas; pequeno depósito para munições na gola do entrincheiramento da praça de armas reentrante, entre os baluartes de São Domingos e da Parada; um paiol entre os baluartes da Parada e dos Mosteiros, com 67 palmos de frente e 16 de fundo; um paiol isolado à direita da gola do baluarte de São João de Deus, com 60 palmos de frente e 16 de fundo; dois pequenos paióis na cortina entre o Meio Baluarte da Corujeira e o da Porta Velha; duas casernas da cortina entre os baluartes da Porta Velha e do Casarão servem de paióis, ainda que muito húmidos; por fim, o grande paiol da praça, no extremo da gola do baluarte do Castelo ou de Santa Bárbara, com 82 palmos de frente e 172 de fundo. Os paióis sem ser à prova de bala localizam-se: o grande Paiol da Conceição, redondo e com corredor de ressalva, na gola do Baluarte da Conceição; um à esquerda da gola do Baluarte de Santa Bárbara; um paiol circular, isolado, com casa de ressalva, e com diâmetro interior de 42 palmos, no centro da gola do Baluarte da Porta Velha. Um outro relatório militar faz referência à existência de um outro paiol, à prova, com 59 palmos de frente e 19 de fundo, em frente ao corpo da guarda da porta da Esquina.
Quatro paióis à prova, correspondentes a paióis de bateria, integram-se no Quartel do Casarão, construído em 1767 com projeto ou direção do coronel Valleré; o que existia isolado junto ao Baluarte São João de Deus foi demolido no século XX, em consequência de abertura de uma brecha na fortificação e da criação de nova entrada na cidade; o existente sob o cavaleiro do Baluarte da Parada ou da Praça de Arma ainda existe, apesar de se encontrar adaptado a instalações sanitárias; os dois pequenos na cortina entre o Meio Baluarte da Corujeira e o da Porta Velha ficam junto à Porta de São Vicente; e o sem ser à prova, à esquerda da gola do Baluarte de Santa Bárbara, foi demolido na década de 1940.
Os paióis de bateria existentes em Elvas implantam-se à superfície, isolados ou adossados à escarpa interior, com planta retangular, composta por armazém e casa de ressalva, com cobertura à prova, em abóbada de berço abatido e exteriormente revestida a placas cerâmicas. As fachadas, de grande simplicidade, são rasgadas por porta de verga reta e vãos quadrangulares transformados em frestas molduradas. Destacando-se o Paiol da Porta da Esquina, por ter dois pisos, adaptados ao declive do terreno, com duplo acesso, o inferior contendo arcos nas faces laterais.
A CASA DAS BARCAS
A implantação de Elvas na raia de Espanha, com os rios Caia e Guadiana a definir as fronteiras, determina a constituição de um trem de equipagem de barcas, para a construção de pontões sobre as mesmas, de modo a permitir a travessia dos rios e a circulação de tropas e respetivo material bélico. Segundo Amílcar F. Morgado, o primeiro armazém para a guarda das barcas foi construído, no século XVII, no sítio da Esquina (Morgado, 1993, p. 60). A atual Casa das Barcas é mais tardia, do início do século XVIII, tendo a sua construção decorrido entre 1703 e 1705, no âmbito da Guerra da Sucessão de Espanha (1701-1714). Possivelmente foi construída no local onde se erguia parte de uma das alas dos Quartéis de São Martinho, visto Victorino d’ Almada referir que, a 7 de outubro de 1719, estando os quartéis velhos de Elvas arruinados e a Coroa só aceitar tomar posse deles depois de a câmara os consertar e renovar as camas, o Município, por não ter verbas para essas obras, decide prescindir dos 500$000 que a Coroa lhe devia pela expropriação de 15 dos quartéis demolidos para alargamento dos armazéns de guerra.
A Companhia das Barcas, integrada no Regimento de Artilharia, foi desativada em 1718, extinta no século XIX, possivelmente em 1812, quando se organizaram as tropas independentes de engenharia, com a criação do Batalhão de Artífices Engenheiros, com uma companhia de pontoneiros na sua orgânica. A partir dessa época, a Casa das Barcas passou a ser utilizada para diversos fins. Ali funcionou o Teatro Elvense, desde 1823, tendo conservado para o efeito a traça do edifício e, mais tarde, entre 1828 e 1834, durante a Guerra Civil entre liberais e miguelistas, serviu como prisão.
A 22 de março de 1911, a Câmara Municipal de Elvas solicitou ao ministro da Guerra, entre outras pretensões, a cedência da Casa das Barcas, para construir um teatro moderno, aproveitando as paredes-mestras e os materiais que pudessem ser utilizados. No entanto, a Inspeção das Fortificações e Obras Militares, por parecer de 19 de julho, considerou que, embora tenha sido escolhida a posição de Tancos para a instalação do parque de pontes de equipagem, deveriam conservar-se os edifícios construídos para esse fim. Assim, a concessão da Casa Barcas à câmara para demolição das suas abóbadas e construção de um novo teatro, só poderia ser feita com prejuízo dos serviços de mobilização quer de pessoal, quer de material, pois a casa constituía um armazém abobadado, com 35 metros de comprimento por 21 de largura, que podia prestar muito bom serviço ao Ministério da Guerra (DIE: Tombo dos Prédios Militares: PM n.º 14/Elvas – Casa dos Fornos, Processo n.º 1). Em 1917, o arquiteto José Coelho elaborou o projeto de um novo teatro a construir na Casa das Barcas, implicando a demolição quase completa do edifício e a transformação do que restasse. Contudo, o projeto não teve repercussões, visto a Inspeção Geral das Fortificações e Obras Militares não ter autorizado a sua demolição, tendo-se optado, pouco depois, pela construção de um outro edifício. A Casa das Barcas terá outras funcionalidades até que, em 2000, após as obras de adaptação, será inaugurada como mercado municipal.
OUTRO EQUIPAMENTO MILITAR
Todo o equipamento militar e logístico da Praça de Elvas anteriormente destacado e agora inventariado no SIPA, implanta-se predominantemente adossado à escarpa interior da fortificação, ou na sua proximidade, servido por ampla estrada militar. Verifica-se uma maior concentração na frente norte, o que se poderá prender com a dificuldade de ataque, dado o maior declive do terreno junto à escarpa exterior, e na frente poente, junto à Porta da Esquina, que talvez por isso, apresenta reforço dos vários mecanismos de defesa e existe maior poderio das obras exteriores.
Complementarmente a este equipamento militar e logístico, existem muitos outros edifícios que, em determinado momento, desempenharam funções militares. Alguns ainda hoje subsistem, com outras funções, outros foram demolidos, em épocas mais ou menos recentes.
Entre os edifícios militares desaparecidos conta-se, a título de exemplo, a Casa da Guarda Principal, equipamento fundamental nas praças de guerra e, que em Elvas se implantou na Praça da República, na ala virada a poente, nas imediações da catedral, dos Paços do Concelho e do pelourinho, centralizando na mesma praça os poderes religioso, político e militar. Segundo Eurico Gama, terá sido demolida em 1873 (Bucho, 2013, p. 91).
O edifício onde foi instalada, no início do século XIX, a Pagadoria Militar também já não existe. De facto, em relatório de 1815 refere-se que na (…) Tenalha entre o Baluarte de S. João de Deos, e o Redente do Cascalho. Retirado para dentro da Cidade ha hum edifício composto de andar terreo, e superior (…) o primeiro destinado para Armazem, e Atafonas; e o segundo he ocupado, pela Thesouraria Geral das tropas, e Pagadoria das Obras Militares: sendo coberto com telhado simples (…) (Bucho, 2013, p. 92). Segundo um outro relatório, de 1875, (…) a casa chamada ainda hoje de Pagadoria militar é um bom edifício de 2 pavimentos, estando o térreo ocupado com 6 atafonas, 3 das quais precisam prompto concerto, achando-se no andar superior estabelecida, de um lado, a repartição Fiscal da administração militar, e do outro a arrecadação dos artigos de mobília e utensílios a cargo do caserneiro da praça. Há n’este andar um quarto denominado – casa forte – em que estava guardado o cofre da pagadoria (…) (Bucho, 2013, p. 92). A localização exata deste edifício é ainda um pouco incerta, podendo corresponder, segundo Domingos Bucho, ao edifício denominado de Arsenal Real que existia ao fundo da Rua da Cadeia, nas imediações da Igreja da Misericórdia, e que fora demolido para a construção do edifício dos CTT de Elvas.
Por outro lado, um outro edifício, na Rua dos Esteireiros, é denominado em planta de 1942 como Corpo da Guarda de Engenharia. Tem planta retangular e fachadas de dois pisos, a principal formando ângulo, com remate em friso e cornija de massa, e a lateral esquerda com dois arcos de volta perfeita marcados, desconhecendo-se elementos históricos mais antigos.
O Colégio da Companhia de Jesus, entre 1651 e 1759, data em que é promulgada a expulsão dos jesuítas, está também ligada a questões militares, ainda que indiretamente. Durante a Guerra da Restauração, não havendo engenheiros-militares portugueses, devidamente qualificados, e tornando-se necessário o ensino de Arquitetura Militar e de Matemática, o príncipe D. Teodósio (1634-1653), filho de D. João IV, instituiu em Elvas, em 1651, a Aula de Fortificação. Esta foi sediada no colégio jesuíta e entregue aos seus religiosos, (…) por cuja conta correrá a escolha do sujeito, que houver de ler, que será sempre o mais insigne que se achar (…) (Bucho, 2013, p. 85). Posteriormente, em 1732, por ação de Manuel Azevedo Fortes, engenheiro-mor do reino desde 1719, foi reformulada para Academia e Aulas de Fortificação, criando-se, assim a Aula da Província de Elvas, que funcionará até ser decretada a expulsão dos Jesuítas, em setembro de 1759.
Para além de todo o equipamento militar construído, a malha urbana da cidade - sobretudo a franja na proximidade da cintura das muralhas fernandinas, que envolvia a urbe e sensivelmente sobre a qual se constrói a estrutura fortificada seiscentista - sofre bastantes alterações e adaptações devido às necessidades de guerra. De facto, a urgência em libertar espaço para a construção do equipamento logístico mais significativo nas imediações das respetivas portas e poternas, terraplenos e estrada militar, determinou a destruição de várias células urbanas. O mesmo ocorreu para a criação da exigida estrada de armas, larga e espaçosa, circundando todo o perímetro da escarpa interior da fortificação, de modo a facilitar a circulação de tropas e materiais, o transporte de armamento entre os vários equipamentos, o abastecimento e distribuição de géneros, a hospitalização dos doentes, etc.
Em resumo, o abundante número de equipamentos militares, a qualidade arquitetónica dos edifícios, a persistência das suas características tipológicas e o respetivo grau de preservação, associado à manutenção da estrada de armas, circundado as fortificações, atestam bem o estatuto de Elvas como “cidade-quartel fronteiriça”.
Paula Noé 2018
Para saber mais sobre as fortificações de Elvas consulte neste site o seguinte Inventário Temático: NOÉ, Paula – O Sistema Fortificado de Elvas. Lisboa: DGPC/SIPA, 2018.
BIBLIOGRAFIA
ALMADA, Victorino d’ – Elementos para um Diccionário de Geographia e Historia Portugueza: Concelho d’Elvas e extinctos de Barbacena, Villa-Boim e Villa Fernando. Elvas: Typ. Elvense, de Samuel F. Baptista, 1888, t. 1 e 1889, t. 2.
BORGES, Augusto Moutinho – Os Reais Hospitais Militares em Portugal, Aadministrados e Fundados pelos Irmãos Hospitaleiros de São João de Deus, 1640-1834. Lisboa: Faculdade de Ciências Médicas de Lisboa, Universidade Nova de Lisboa, 2007.
BUCHO, Domingos – Cidade-Quartel Fronteiriça de Elvas e suas Fortificações. Lisboa: Edições Colibri; Câmara Municipal de Elvas, 2013.
CONCEIÇÃO, Margarida Tavares da – Da Vila Cercada à Praça de Guerra. Formação do Espaço Urbano em Almeida Séculos XVI-XVIII. Lisboa: Livros Horizonte, 2002.
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O presente inventário temático surge no decurso do trabalho habitual de atualização dos registos de inventário do património arquitetónico existentes na base de dados do SIPA, nomeadamente nos imóveis construídos na tipologia “educativo” (entenda-se, edifícios construídos para o ensino) no concelho de Lisboa. Nesse âmbito, verificou-se a existência de imóveis com características perfeitamente enquadráveis nos cânones do Movimento Moderno, edificados pela autarquia lisboeta ao abrigo do programa de subsídios estatais atribuídos pelo Ministério das Obras Públicas para a construção de uma rede escolar, comummente conhecido por Plano dos Centenários. Coexistem assim, na cidade de Lisboa, erguidos numa mesma época e ao abrigo do mesmo programa construtivo, dois “géneros” de edifícios, com feições externas bastante diversas (por vezes mesmo na sua adaptação ao terreno), consoante resultem de promoção estatal ou camarária, embora sempre assentes numa mesma planta funcional.
Neste inventário ocupar-nos-emos apenas dos imóveis de promoção autárquica, por serem aqueles que mais se distanciam das características habituais traçadas para o Plano. Para a sua elaboração foi, assim, fundamental a consulta das peças documentais existentes no Arquivo Municipal de Lisboa[1] (que incluem fotografias da construção e da inauguração destes grupos escolares), assim como a leitura cuidada dos Anais do Município de Lisboa[2] e de alguns números da Revista Municipal, para além, claro, de outra bibliografia[3] nacional existente sobre o assunto. A pesquisa documental foi complementada por visitas de reconhecimento e levantamentos fotográficos aos imóveis objeto do presente estudo[4].
[4] Não foram visitadas/fotografadas as escolas básicas Querubim Lapa (Campolide) e Professor Agostinho da Silva (Vale Fundão/Poço do Bispo), por se encontrarem em obras aquando da elaboração deste inventário.
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Plano dos Centenários (1944-1965)
A 17 de dezembro de 1940 é promulgada a Lei n.º 1985, integrada no Orçamento Geral do Estado para 1941, que, no seu artigo 7.º, prevê a execução de um plano geral da rede escolar, que denomina como sendo dos "Centenários" (muito embora as comemorações oficiais do Duplo Centenário da Fundação e da Restauração de Portugal tivessem encerrado oficialmente a 3 de dezembro desse mesmo ano).
Antecedentes
A inexistência de construções adequadas a uma boa prática do ensino era já uma situação antiga, que desde meados do século XIX conhece tentativas várias de solução, sem que no entanto nenhuma consiga dotar o país de uma rede nacional de escolas públicas.
Será, a partir de 1932, após a criação do Ministério das Obras Públicas e Comunicações e da tomada de posse de Duarte Pacheco (1900-1943) como ministro, que, num processo de reorganização da atuação do ministério com o objetivo de dotar o país das obras públicas de que este carecia, a Repartição de Construções Escolares é englobada na Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais (DGEMN)[1], passando esta a ser a instituição responsável pelo desenvolvimento de projetos-tipo a aplicar à construção de escolas primárias, como forma de desenvolver a sua construção em série. Neste mesmo ano, a DGEMN dispõe, na Direção dos Edifício Nacionais do Sul, de uma secção de arquitetura apta para desenvolver estes projetos, a qual será chefiada pelo arquiteto Guilherme Rebelo de Andrade (1881 - 1969), que, em 1933, publica o Ante-projeto do Plano Geral de Tipos-Regionais de Escolas Primárias Oficiais a Construir[2], no qual se estabelecem os princípios a que as novas edificações devem obedecer, e que, grosso modo,incidem na regionalização da aplicação de matérias-primas e técnicas construtivas, aliando-as aos mais recentes processos de construção, ao cuidado estudo do aproveitamento solar e demais características locais, sendo os projetos assentes na repetição de uma mesma planta funcional, adaptada ao número de salas pretendido.
A execução destes projetos é encomendada aos ateliês particulares de dois arquitetos da DGEMN, Rogério de Azevedo (1898-1983) e Raul Lino (1879-1974), como forma de conseguir garantir a execução de um elevado número de encomendas. O primeiro ficou incumbido de realizar os projetos para o Norte e o Centro, encontrando-se os projetos para a Estremadura e Sul, a cargo do segundo. São elaborados, ao todo, quarenta e dois projetos-tipo, correspondentes a edifícios de uma a quatro salas. No entanto, estima-se que apenas se tenham concretizado ao todo oitenta e oito edifícios[3].
Entretanto, a 18 de janeiro de 1935, Carneiro Pacheco (1887-1957) é nomeado ministro da Educação Nacional, dando início a uma profícua produção legislativa que viria a constituir as bases de todo o sistema educativo do Estado Novo[4]. A publicação da reforma deste ministro conduz à suspensão temporária dos projetos de construção de escolas, e à sua revisão à luz dos novos critérios enunciados na carta escolar elaborada em 1933-1935, nomeadamente a necessária divisão dos sexos, que pressupõe a existência de duas secções escolares plenamente diferenciadas. Apenas se edificaram as que se inseriam nos planos mais globais dos Bairros de Casas Económicas[5], e algumas consideradas projetos especiais.
O Plano dos Centenários
É neste contexto que, como vimos, surge o Plano dos Centenários, previsto na Lei Geral do Orçamento do Estado para 1941. Consequentemente, a 29 de julho de 1941, é publicado um Despacho do presidente do Conselho de Ministros (DG n.º 174), António de Oliveira Salazar (1889-1970), datado de 15 desse mês, no qual, após uma breve síntese sobre o estado da construção escolar, são indicados os principais critérios a ter em conta na redefinição do plano: a separação de sexos, o número de crianças por sala, o número máximo de salas por edifício, a área de influência e a distância máxima que uma criança pode percorrer para frequentar a escola. No mesmo despacho é aconselhado o retomar dos projetos-tipo regionais, criados entre 1933-1935, agora revistos à luz dos novos critérios e de uma necessária contenção de custos, o que conduz a uma simplificação formal dos mesmos[6]; é indicada a comissão a trabalhar no desenvolvimento da rede escolar[7]; são definidos, igualmente, os mapas com a previsão das escolas a construir (12500 salas de aula), a estimativa das despesas e a respetiva distribuição das verbas (500 mil contos a ser gastos em repartição equitativa entre o poder central e as autarquias)[8] para um programa a 10 anos (sendo o reembolso das verbas por parte das autarquias estendido a 15 anos).
Em outubro, por indicação do ministro das Obras Públicas, Duarte Pacheco, o diretor-geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais emite uma ordem de serviço de carácter “urgente” para cada uma das quatro Direções Regionais de Edifícios (Norte, Centro, Lisboa e Sul) com instruções para que estas remetam aos serviços centrais uma proposta para a localização de um grupo de cinquenta escolas consideradas prioritárias (com oitenta e quatro salas de aula), permitindo, assim, que se inicie o quanto antes a edificação de duzentos edifícios escolares. As propostas são enviadas à Comissão de Revisão da Rede Escolar, que as examina e procede às alterações necessárias.
A 5 de abril de 1943 são publicados no Diário do Governo os mapas definitivos com a indicação do número de salas de aula a construir por distrito, concelho e freguesia (DG, 2.ª série). Paralelamente, as repartições técnicas da DGEMN procedem ao envio de um questionário às câmaras municipais com o objetivo de avaliar as condições locais para o lançamento dos programas anuais de construção (nomeadamente no que concerne a terrenos disponíveis, a acessos, a transportes, aos materiais de construção usados na região, à qualidade e aos preços da construção civil, e à disponibilidade de mão-de-obra local). Em agosto desse ano é criada, no seio da DGEMN, a Delegação para as Obras das Construções Escolares, que se encontra em funcionamento em outubro[9], dando início, em 1944, à Fase I do Plano dos Centenários, contemplando apenas os concelhos cujas câmaras tenham respondido ao inquérito (cerca de um terço). Nesta primeira fase estão incluídos 561 edifícios com 1250 salas de aula, distribuídos por todos os distritos do país, incluindo as ilhas. Até 1969, altura em que a a Delegação para as Obras de Construção de Escolas Primárias cessa funções, o Plano é continuado em fases sucessivas.
Os projetos
Tendo por base uma mesma planta, de características eminentemente funcionais, os projetos para as escolas primárias do Plano dos Centenários obedecem a dois tipos, assentes, ora num edifício único, se destinados a um só sexo, ora em dois geminados (designados por “edifícios gémeos”), com total separação de espaços, se destinados aos dois sexos. São previstas soluções para uma, duas, três e quatro salas de aula, para um sexo, e para duas, seis e oito salas de aula para os dois sexos. A unidade base do projeto é sempre a sala de aula, pensada para uma capacidade máxima de quarenta crianças, apresentando-se com 8 x 6 metros e 3,5 metros de pé-direito, servida por grandes janelas de iluminação unilateral. O acesso ao interior é efetuado, preferencialmente, a partir dos extremos, servido por um amplo átrio de distribuição, a partir do qual se desenvolvem corredores, escadas e acesso ao recreio. Junto ao átrio situam-se as instalações para docentes e gabinetes de apoio (se os houver) e sanitários/vestiários. As salas de aula distribuem-se ao longo do corredor, também este de iluminação unilateral, normalmente efetuada por pequenas janelas basculantes junto ao teto. A fachada principal dos corpos letivos é voltada preferencialmente a sul, sudoeste, sendo esta a orientação privilegiada para as salas de aulas e alpendre (recreio coberto), como forma de otimizar a luz solar, e resguardar dos ventos mais frios. Pelas mesmas razões, o recreio figura na frente das salas de aula. Para norte ficam orientados os espaços de circulação. No centro, junto aos edifícios geminados, ou apenas junto ao edifício escolar (no caso de escola para um só sexo), encontra-se a cantina/refeitório (pensada para 120 crianças) servida por copa. Os recreios cobertos (alpendres) têm como áreas mínimas 160 m2 e os recreios ao ar livre cerca de 2000 m2 para cada secção.
Exteriormente, as fachadas dos edifícios caracterizam-se pelo gosto historicista, o designado estilo “Português Suave”[10], que representa tanta da produção arquitetónica dos anos de 1940 em Portugal. Apresentam assim, telhados a duas, três e quatro águas, de telha vermelha, com beiral, arcadas a servirem amplos alpendres cobertos, pequenos torreões de evocação medievalista, com coruchéus (piramidais ou cónicos) rematados por esferas armilares (símbolo do império) ou cata-ventos — mais presente nas aldeias — a ladear as entradas, sendo estas precedidas por alpendre. Socos de cantaria percorrem as fachadas, em que as janelas são retilíneas, emolduradas a alvenaria simples de pedra. As fachadas principais são assinaladas por pedras de armas, normalmente o único elemento decorativo.
Em suma, pode dizer-se que a um projeto de caraterísticas profundamente modernas pela sua funcionalidade interna, o Plano dos Centenários alia um gosto profundamente tradicionalista na sua aparência externa.
O Plano dos Centenários em Lisboa
A Câmara Municipal de Lisboa (CML) é uma das autarquias a responder ao inquérito enviado pelas repartições da DGEMN e, em 1944, inicia um programa de construção de edifícios destinados a escolas primárias, que se estenderia até 1961, conhecendo quatro fases sucessivas.
Lisboa vive desde finais do século XIX as consequências do êxodo rural, encontrando-se em franca expansão demográfica, o que faz com que o seu parque escolar não consiga responder às solicitações da crescente população. Para além disso, muitas das antigas escolas encontram-se a funcionar em locais inadequados para o ensino. Por estes motivos é uma opção clara do município a construção de grupos escolares com dezasseis salas, destinados a ambos os sexos (oito salas em cada secção), desenvolvidos em “edifícios gémeos”.
Por outro lado, a cidade, a capital do império, que em 1940 havia recebido a Exposição do Mundo Português, encontrava-se em franca reorganização. Em 1938, o então edil lisboeta, Duarte Pacheco, contratara o urbanista Étienne de Gröer (1882- ?), que, juntamente com os serviços técnicos municipais, cuja repartição de Engenharia era chefiada pelo engenheiro António Emídio Abrantes (1888-1970), definira as grandes linhas de desenvolvimento para a cidade, traçando o Plano Geral de Urbanização e Expansão de Lisboa (PGUEL), que estaria concluído e aprovado pela autarquia em 1948. Ao abrigo do referido plano e contando para o efeito com legislação apropriada, são expropriados terrenos e criadas áreas de expansão urbana.
As novas escolas primárias, imagem de organização e harmonia num Portugal restaurado, surgem assim, sempre que possível, construídas no centro destas novas áreas urbanizadas, constituindo com estas uma unidade de vizinhança.
1.ª Fase — 1944-1950
Numa primeira fase do Plano são construídos pela autarquia lisboeta cinco novos grupos escolares, segundo o gosto tradicionalista que caracteriza a produção arquitetónica coeva. Em todos eles persiste uma mesma planta funcional, a qual constitui uma característica que se manterá durante toda a vigência do Plano.
Os três primeiros — grupos escolares do Alto de Santo Amaro, da Rua Ator Vale e da Praça do Ultramar/atual Praça das Novas Nações — são da responsabilidade da mesma equipa chefiada pelo arquiteto Alberto Aires Braga de Sousa (1909-?) e pelo engenheiro Vasco Bon de Sousa Marques Leite (1915-?). Qualquer um dos três resulta da adaptação do projeto às condicionantes do terreno, inserindo-se todos em unidades de vizinhança preexistentes, o que é particularmente condicionador no último exemplo mencionado, que acabou mesmo por ficar com apenas doze salas de aula (seis para cada secção).
Os dois últimos projetos desta primeira fase são edificados em Alvalade: grupos escolares das células 1, com projeto da autoria do arquiteto Inácio Peres Fernandes (1910-1989) e 2, com traço de Luís Américo Xavier (1917-1996). Concebido no âmbito do PGUEL, o Plano de Urbanização do Sítio de Alvalade (v. IPA.00030357), inicialmente designado por Plano de Urbanização da Zona a Sul da Avenida Alferes Malheiro (atual Avenida do Brasil), foi elaborado, entre 1945 e 1948, por João Guilherme Faria da Costa (1906 - 1971). Com uma área de 230 ha., Alvalade foi concebido como sendo parte integrante da cidade, distribui-se por oito unidades de habitação (células), destinadas a alojar diversas categorias sociais, dotando-as de uma série de equipamentos de apoio. O núcleo da célula é formado pela escola primária, que aqui encontra as condições ideais para a sua edificação, nomeadamente em termos de localização/acessos (efetuados essencialmente por veredas de circulação pedonal), como de espaço disponível. Para além dos estabelecimentos de ensino primário, o plano de Alvalade considerava, ainda, desde o seu início, a existência de uma série de outros equipamentos coletivos (liceus, mercado, centros cívicos, parque desportivo, etc.)[11].
2.ª Fase — 1953-1956
É justamente a segunda fase de implementação do Plano dos Centenários em Lisboa aquela que, para o presente inventário, mais nos interessa. Enquanto no resto do país, e mesmo na capital para aqueles que resultavam da promoção estatal, continuavam a edificar-se edifícios escolares semelhantes aos da primeira fase lisboeta, segundo a chamada “arquitetura do Regime”[12], nos grupos escolares promovidos pela autarquia processa-se uma decisiva viragem para a arquitetura moderna. Sem resquícios de monumentalidade, regionalismo ou historicismo, as novas propostas arquitetónicas, encomendadas diretamente pela autarquia a arquitetos independentes, consideram o projeto de uma forma global, abrangendo todos os detalhes do interior e do exterior da escola, revelando uma visão humanizada e funcional do edifício, utilizando um reportório atualizado e adaptado ao universo infantil.
Para esta alteração terá contribuído a relativa abertura sentida em alguns sectores da sociedade após a vitória dos Aliados na Segunda Guerra Mundial. Logo em 1948 realiza-se, em Lisboa, o I Congresso Nacional de Arquitetura, organizado pelo Sindicato Nacional dos Arquitetos, e que apesar do patrocínio estatal e de ter ocorrido em simultâneo com a exposição Quinze Anos de Obras Públicas (realizada no Instituto Superior Técnico), não esteve sujeito a censura prévia, pelo que as comunicações apresentadas no encontro podem já mostrar uma clara demarcação da arquitetura que se vinha fazendo e uma reivindicação das ideias da Carta de Atenas, nomeadamente na criação de uma arquitetura mais depurada e funcional. Mais tarde, em 1953, ocorre, também em Lisboa, o Congresso da UIA — União Internacional dos Arquitetos, que constitui uma verdadeira lufada de cosmopolitismo no panorama português, trazendo a debate o que de novo se faz na Europa e na América, e permitindo aos novos arquitetos portugueses manifestarem o seu repúdio por uma arquitetura monumental e historicista, e uma nova filiação numa arquitetura mais racional, produzida à escala humana. Neste mesmo ano, em outubro, setenta e dois artistas e arquitetos assinam uma petição endereçada ao edil lisboeta, Álvaro Salvação Barreto (1890-1975), pugnando pelo estabelecimento de um procedimento regular de encomenda de obras de arte para os projetos municipais, ou de promoção municipal de arquitetura, propondo mesmo que uma percentagem dos custos imputados ao projeto seja direcionada para a arte aplicada à arquitetura (AML, processo n.º 5446/954). No ano seguinte, a 20 de março, por despacho do presidente da CML, o pedido será deferido mediante algumas condições, a saber: controlo camarário sobre as encomendas a dirigir aos artistas; encomendas de projeto de arquitetura e de motivos artísticos a serem feitas em momentos separados; criação da Comissão Municipal de Arte e Arqueologia, entidade que ficará responsável pelo licenciamento das obras de arte a aplicar à arquitetura. É, então criada a comissão, sendo chefiada pelo arquiteto Raul Lino, que define os princípios a que devem obedecer os motivos artísticos a incluir nos grupos escolares, e que se podem resumir: ao "amor compreensivo pela natureza", ao ensino do processo de transformação dos produtos tradicionais (como sejam o vinho, o pão ou o azeite), ao culto pelo trabalho, pelo artesanato, e ao regionalismo, dando privilégio à arte figurativa sobre o abstracionismo apenas aceite na decoração de alguns espaços internos como nas paredes de refeitórios. Não obstante, a arte aplicada aos grupos escolares versou, essencialmente, o universo lúdico infantil. Por último, fundamental para esta segunda fase (e para as seguintes) do Plano dos Centenários em Lisboa, é a publicação do Decreto-Lei n.º 39.982, de 21 de dezembro de 1954, que abre às câmaras municipais a contratação direta a arquitetos externos de projetos para os edifícios escolares, sendo considerados Projetos Especiais.
Em julho de 1953, o engenheiro adjunto do diretor de Serviços de Urbanização da CML, Alexandre de Vasconcelos e Sá dá conhecimento, por ofício, ao engenheiro delegado para as Obras de Construção das Escolas Primárias da intenção da autarquia em prosseguir com as obras de construção, remodelação e ampliação de edifícios destinados ao ensino primário na cidade de Lisboa, para o que anexa dados relativos a onze novos grupos escolares[13]. Neste mesmo ano, e no contexto acima descrito, inicia-se a segunda fase das obras do Plano dos Centenários em Lisboa, para a qual o MOP concede um subsídio de 85.000$00 por sala de aula (a ser reembolsado em 50% em vinte anuidades pelas autarquias) com a contrapartida de as obras se iniciarem no período de um ano.
Foram, assim, construídos ao abrigo desta segunda fase — todos com dezasseis salas de aula (exceção feita para o da Calçada da Cruz da Pedra, inserido em malha urbana preexistente, num terreno exíguo e acidentado, apenas com doze salas de aula), os seguintes grupos escolares encomendados a arquitetos externos à autarquia e contando com colaborações de inúmeros artistas plásticos que, em trabalho direto com o arquiteto, produziram para o próprio local:
— Célula 7 de Alvalade, com projeto de Ruy Jervis de Athouguia (1917-2016) e contributos artísticos de Stela Albuquerque, representa um dos mais expressivos projetos desta fase do programa;
— Calçada da Cruz da Pedra, com projeto de Luís Américo Xavier;
— Bairro Social do Arco do Cego, com projeto de Dário Silva Vieira e contributo artístico de Joaquim Correia (1920-2013);
— Célula 4 de Alvalade, com projeto de Manuel Coutinho Raposo (1916-1999) e contributos artísticos de Stela Albuquerque;
— Célula 6 de Alvalade, com projeto de Cândido Palma de Melo (1922-2002) e contributos artísticos de Maria Keil (1914-2012) e Martins Barata (1910-1999);
— Areeiro, com projeto de Fernando Silva (1914-1983) e contributos artísticos de Júlio Santos e Maurício Meireles Penha (1913-1996);
— Picheleira, com projeto de Nuno Morais Beirão (1924-?) e contributos artísticos de Maria de Lurdes Coimbra de Freitas e Maria Teresa Quirino da Fonseca;
— Vale Escuro, com projeto de Victor Palla (1922-2006) e Joaquim Bento de Almeida (1946-1973) e contributos artísticos (desaparecidos) de Júlio Pomar (1926- ), José Lima de Freitas (1927-2008), Maria Barreira (1914-2010) e Rolando Sá Nogueira (1921-2002);
— Bairro Santos, com projeto de Luís Soares Branco (1919-1997) e contributos artísticos de Arnaldo Louro de Almeida (1926-2008);
— Campolide, com projeto de Artur Pires Martins (1914-2000) e contributos artísticos de Querubim Lapa (1925-2016) e José Dias Coelho (1923-1961);
— Alto dos Moinhos, com projeto de Manuel Arroyo Barreira e contributos artísticos de João Abel Manta (1928- ), José Farinha (1912-1979) e Rogério Ribeiro (1930-2008).
Ao abrigo desta segunda fase foram ainda construídas duas secções em edifícios preexistentes, dotando-os assim do número de salas de aula necessário ao seu funcionamento:
— Calçada da Tapada, com projeto de Alberto Braga de Sousa e contributo artístico de Inácio Vitorino Perdigão;
— Rua da Bela Vista à Lapa, também com projeto de Alberto Braga de Sousa e contributo artístico de Cândido da Costa Pinto (1911-1976).
3.ª Fase — 1957-1958
Entre 1955 e 1957 encontram-se concluídos, ou em fase de conclusão, os grupos escolares referentes à segunda fase do Plano dos Centenários em Lisboa. Com estes a autarquia lisboeta ganhou 188 novas salas de aula, distribuídas por treze grupos escolares construídos de raiz ou resultado de ampliações. Sucedem-se, então, as terceira e quarta fases do Plano sem, no entanto, trazerem grandes alterações ao que fora executado na segunda fase. Os grupos escolares, que continuam a ser encomendados ao abrigo dos Projetos Especiais a arquitetos externos à autarquia, continuam a apresentar um reportório arquitetónico plenamente atualizado e, dando continuidade ao despacho de 1954, sempre que possível, acompanhados de obras de arte concebidas para o projeto. São introduzidas, contudo, algumas novidades nestas terceira e quarta fases: o aumento das dimensões da sala de aula, desde que o espaço disponível assim o permita — passando a ter 7 x 9, ou 7 x 8,5 metros — como forma de poder abandonar as tradicionais carteiras e substituí-las por mesas individuais, então consideradas mais aconselháveis pedagogicamente; a inclusão de novos espaços nos edifícios escolares, como uma secretaria de zona pedagógica e um gabinete médico; a construção, desde que o espaço disponível e as condições urbanas o permitam, de um edifício de interesse local junto ao grupo escolar, dotado de salão de festas e de ginásio, aberto à comunidade.
Foram construídos ao abrigo da terceira fase três grupos escolares, sendo que apenas nos dois últimos é possível reconhecer as alterações anteriormente descritas (novas dimensões nas salas de aula, novos espaços considerados e projetado o edifício de interesse local), a saber:
— Praça de Goa, com projeto de Carlos Rebelo de Andrade (1887-1971) e contributo artístico de Jorge Barradas (1894-1971);
— Célula 8 de Alvalade, com projeto de Ruy Jervis de Athouguia e contributo artístico previsto de Menez (1926-1995), chumbado na CMAA;
— Poço do Bispo/Vale Fundão, com projeto de Luís Américo Xavier e contributos artísticos do seu pai, Raul Xavier (1894-1964) e de Gabriela Veloso.
4.ª Fase — 1958 – 1961
Os projetos incluídos na quarta fase apresentam-se como uma decorrência direta dos da fase anterior, praticamente coexistindo no tempo. Têm, todavia, um enquadramento diferente, esta fase arranca com o início da Guerra Colonial (1961–1974) e a consequente diminuição das verbas disponíveis para apoio ao programa. Assim, e muito provavelmente por este motivo, assistimos a um corte quase total na arte aplicada à arquitetura (apenas o Grupo Escolar do Bairro de Santa Cruz de Benfica é contemplado; esteve prevista também a inclusão de um motivo artístico de António Alfredo no Grupo Escolar dos Olivais, mas não deverá ter sido executado).
Foram assim edificados na derradeira fase do Plano dos Centenários em Lisboa quatro grupos escolares (três com dezasseis salas e um, o Grupo Escolar do Bairro das Furnas, por exiguidade do terreno, com doze):
— Olivais [Norte], com projeto de Victor Palla e Joaquim Bento de Almeida;
— Bairro das Furnas, com projeto de Pedro Quirino da Fonseca, apesar de ter apenas doze salas, contempla o edifício de interesse local;
— Bairro da Madre de Deus, com projeto de Luís Benavente (1902-1993), autor do projeto do bairro em que se insere;
— Bairro de Santa Cruz de Benfica, com projeto de João Vaz Martins (1910-1988) e contributos artísticos de Hélder Baptista (1932-2015).
E construída uma secção a uma antiga escola, por forma a poder formar um grupo escolar: Travessa de Santa Quitéria, com projeto de Júlio do Nascimento Cascais, João Araújo e Luís Fernandes Pinto.
Em síntese
Como podemos observar, enquanto no resto do país se construíam escolas primárias de gosto tradicionalista, em Lisboa — ao abrigo do mesmo programa construtivo e ao mesmo tempo que se erguiam outras de cariz historicista (sobretudo as dos Bairros de Casas Económicas) — a autarquia promove a construção de vinte e um edifícios de feição moderna (se excetuarmos os cinco iniciais), encomendados a alguns dos grandes nomes da Arquitetura Moderna em Portugal e contando com contributos artísticos (sobretudo de escultura e de azulejo) plenamente atualizados e concebidos para o efeito. De entre estes grupos escolares pela sua qualidade arquitetónica merecem atenção especial os dois projetados por Ruy Jervis de Athouguia para Alvalade, assim como os dois da autoria da dupla Victor Palla e Joaquim Bento de Almeida, para o Vale Escuro e Olivais Norte.
Paula Tereno 2016
Clique aqui para consultar alguma biliografia essencial sobre este tema.
[1] Criada pelo Decreto-Lei n.º 16791, de 25 de abril de 1929.
[2] Reproduzido na íntegra como anexo de Filomena BEJA; Júlia SERRA; Estella MACHÁS; Isabel SALDANHA — Muitos Anos de Escolas. Edifícios para o Ensino Infantil e Primário anos 40-anos 70. Lisboa: DGEE, 1985, vol. 2, pp. 317-325.
[3] Filomena BEJA; Júlia SERRA; Estella MACHÁS; Isabel SALDANHA — Ob. cit. Lisboa: DGEE, 1985, vol. 2 e João Pedro Frazão Silva FÉTEIRA — O Plano dos Centenários as Escolas Primárias (1941-1956). Lisboa: s. n., 2013, dissertação de mestrado apresentada à Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.
[4] De entre as quais se pode destacar pela sua importância, as seguintes: a supressão do ensino pré-primário (considerado como responsabilidade obrigatória da família); a revisão do currículo escolar (que passa para três anos apenas, engloba a introdução do canto coral e retira a educação artística); a introdução do livro único obrigatório; a obrigatoriedade da existência do crucifixo e da fotografia do presidente do Conselho atrás da secretária do professor; a obrigatoriedade de inscrição na recém-criada Mocidade Portuguesa; a criação da Obra das Mães para a Educação Nacional (instituição que ficaria com a responsabilidade de supervisionar o ministrar do ensino infantil), mais tarde seria esta instituição a ocupar-se da gestão das cantinas escolares que surgem como complemento ao edifício escolar; a extinção do ensino gratuito para todos aqueles que não fossem comprovadamente pobres e a criação de bolsas de estudo para os muito pobres e muito bem dotados moral e intelectualmente; a criação de postos escolares nas povoações mais pequenas, sendo aí o ensino ministrado por regentes primários; e a introdução do regime de separação de sexos (Lei n.º 1941, de 11 de abril de 1936, Decreto-Lei n.º 26611 de 19 de maio de 1936, Decreto n.º 26893, de 15 de agosto de 1936, Decreto-Lei n.º 27279, de 27 de novembro de 1936 Decreto n.º 27603 de 20 de março de 1937 e Lei n.º 1969 de 20 de maio de 1938).
[5] Decreto-Lei n.º 29011, de 19 de setembro de 1938.
[6] À tarefa de adaptação dos projetos regionalizados terão sido alheios os arquitetos que os haviam elaborado (Rogério de Azevedo e Raul Lino). As principais alterações surgem, interiormente, pela necessidade de duplicação de espaços, germinando os edifícios escolares em dois imóveis geminados, e, desta forma, permitir a separação de sexos. Exteriormente, por necessidades de contenção orçamental de um programa construtivo lançado em tempo de guerra, são removidos das fachadas, floreiras, taipais em madeira, beirados, cantarias decorativas, etc.
[7] A qual seria depois fixada pelo despacho de nomeação publicado na Portaria do Ministério da Educação Nacional de 5 de setembro, e que seria composta pelo diretor-geral do Ensino Primário, Manuel Cristiano de Sousa, que a preside, e, como vogais, o diretor-geral da Assistência, Vítor Manuel Paixão, e o engenheiro chefe da Repartição de Obras Públicas da DGEMN, Fernando Galvão Jácome de Castro.
[8] Conforme o disposto na Lei n.º 1969, de 20 de maio de 1938.
[9] Filomena BEJA; Júlia SERRA; Estella MACHÁS; Isabel SALDANHA — Ob. cit, vol. 2, p. 42.
[10] Designação pela qual ficou conhecido o estilo desenvolvido por uma corrente de arquitetos que, já desde o início do século XX, procurava criar uma arquitetura "genuinamente portuguesa", utilizando as características modernistas da engenharia, disfarçadas por uma mistura de elementos estéticos exteriores retirados da arquitetura portuguesa dos séculos XVII e XVIII e das casas tradicionais das várias regiões de Portugal, e que se popularizou como estilo nacional imposto aos programas públicos, sobretudo após a Exposição do Mundo Português, em 1940. Foi, no entanto, duramente atacado por um grande número de arquitetos, que o acusaram de ser provinciano e desprovido de imaginação, e que o passaram a designar por Português Suave, adotando o nome de uma marca de cigarros.
[11] Das oito células de Alvalade, apenas nas 3 e 5 não foi edificada nenhuma escola primária, sendo nestas que se encontram os antigos Liceus Nacionais Rainha D. Leonor (célula 3, construído como liceu feminino) e Padre António Vieira (célula 5, construído como liceu masculino).
[12] Mesmo após a revisão do projeto-tipo e o desenvolvimento do Novo Plano dos Centenários, estes edifícios, embora com fachadas ainda mais simplificadas e já mais distantes do chamado “Português Suave” que marcara a produção arquitetónica nacional dos anos de 1940, mantém-se próximas deste.
[13] Câmara Municipal de Lisboa, Direção dos Serviços de Urbanização e Obras, 1.ª Repartição — Urbanização e Expropriações, Escolas e Centros Sociais.
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Portugal continental, Arquipélago dos Açores e Arquipélago da Madeira
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O Farol, equipamento de gestão de tráfego marítimo através de uma luz de sinalização, surge em várias formas de acordo com a época de construção, a sua localização e o tipo de material utilizado na sua construção.
Através da análise da tipologia da torre dos faróis surgem quatro grupos tipológicos principais:
Tipo 1 - Farol de torre prismática com edifício(s) anexo(s) – 25 faróis
Tipo 2 - Farol de torre circular com edifício(s) anexo(s) – 16 faróis
Tipo 3 - Farol localizado em fortaleza – 10 faróis
Tipo 4 - Farol com torre cilíndrica “tourelle” – 7 faróis
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Dada a necessidade de assinalar o relevo da costa e os seus perigos para a navegação marítima, desde o século XVI que há registos da construção de faróis na faixa costeira de Portugal continental.
A partir de 1758, por alvará pombalino, os faróis passam a ser uma organização oficial e em 1866 é realizado um projecto geral de alumiamento marítimo para a costa de Portugal.
A maior parte dos faróis do continente é construída até finais da década de 50 do século XX. Também nesta década há um incremento substancial na construção de faróis nos arquipélagos dos Açores e da Madeira.
Verifica-se que até finais do século XIX a maior parte das torres é prismática, com diversos tipos de secção.
O material mais utilizado em construção era a alvenaria de pedra, técnica construtiva que pelas suas características se adapta melhor a construções quadrangulares: de embasamento forte, geralmente com pedra aparente, com paredes grossas, estreitando ligeiramente à medida que a construção sobe.
A partir do início do século XX começa-se a utilizar frequentemente o betão armado, técnica que permite construir torres mais altas, mais esbeltas, de secção circular, oferecendo uma menor resistência ao vento.
Os faróis, pela sua complexidade técnica, geralmente necessitam não só de espaços contíguos, onde se possam instalar os equipamentos necessários ao seu funcionamento, como também instalações para acomodação da guarnição para o seu funcionamento e manutenção. Assim, a maior parte dos faróis construídos de origem apresenta edifício(s) anexo(s), tanto no continente como nas ilhas.
As fortalezas existentes na linha de costa, foram aproveitadas para a implantação de vários faróis pelo que não foi necessária qualquer construção anexa uma vez que os próprios fortes continham espaços que puderam ser aproveitados para esse fim. Por vezes era apenas construída uma casa para o faroleiro dentro da fortaleza. O farol é constituído apenas pela lanterna, não sendo sequer necessária a construção de uma torre. Esta situação verifica-se apenas em Portugal continental, não havendo nos arquipélagos dos Açores e da Madeira qualquer situação de um farol principal implantado num forte.
Durante o século XIX surge uma tipologia de farol constituída por uma pequena torre metálica, em ferro fundido, geralmente tendo uma altura entre 13 e 15 metros. Denominada por “tourelle” francesa é utilizada sobretudo na instalação de faróis em estruturas pré construídas, como fortalezas na faixa costeira. É caracterizada por uma coluna cilíndrica, com nervuras exteriores para uma maior resistência estrutural, com a lanterna localizada no topo. Não foram localizados quaisquer exemplares abaixo da zona de Setúbal, nem nas ilhas.
Tipo 1
Farol de torre prismática com edifício(s) anexo(s)
Fazem parte desta tipologia 25 faróis localizados em Portugal continental e nos arquipélagos dos Açores e da Madeira. Nesta tipologia podem-se identificar 3 sub-tipos:
- Faróis de torre quadrangular - torres de média altura, de secção quadrada, cuja medida do lado vai reduzindo com a altura. Foram identificadas 20 torres com estas características (no caso particular do Farol da Ponta da Ilha, na ilha do Pico, as arestas da torre são chanfradas):
Portugal Continental
Farol da Alfanzina, nº IPA PT050806050024
Farol da Berlenga, nº IPA PT031014040028
Farol do Cabo Carvoeiro, nº IPA PT031014040027
Farol do Cabo da Roca, nº IPA PT031111050276
Farol do Cabo Mondego, nº IPA PT020605040056
Farol do Cabo Sardão, nº IPA PT040211090037
Farol do Esteiro, nº IPA PT031110080104
Farol de Montedor, nº IPA PT011609080134
Farol do Penedo da Saudade, nº IPA PT021010010012
Farol da Ponta da Piedade, nº IPA PT050807050031
Farol da Ponta de Sagres, nº IPA PT050815040015
Farol da Ponta do Altar, nº IPA PT050806020025
Arquipélago dos Açores
Farol das Contendas, nº IPA PT071901060045
Farol da Ferraria, nº IPA PT072103090049
Farol do Gonçalo Velho, nº IPAPT072107050006
Farol da Ponta da Ilha, nº IPA PT072004030006
Farol da Ponta das Lajes, nº IPA PT072003050004
Farol da Ribeirinha, nº IPA PT072002120025
Arquipélago da Madeira
Farol do Ilhéu de Cima, nº IPA PT062207010014
Farol da Ponta do Pargo, nº IPA PT062201070028
- Faróis de torre hexagonal – torres semelhantes às quadrangulares, mas em que a secção é hexagonal. O corpo da torre apresenta-se dividido em três corpos ou pisos, e a medida do lado vai reduzindo em altura. Existe apenas um exemplar deste tipo, localizado em Portugal continental:
Farol do Cabo Espichel, nº IPA PT031511010038
- Faróis de torre octogonal - torres semelhantes às anteriores, mas de secção octogonal. O corpo da torre apresenta-se geralmente dividido em três corpos ou pisos, e a medida do lado vai reduzindo em altura. Foram identificadas 4 torres com esta tipologia:
Portugal Continental
Farol da Guia, nº IPA PT031105030094
Arquipélago dos Açores
Farol do Arnel, nº IPA PT072102040001
Farol da Ponta dos Capelinhos, nº IPA PT072002020034
Arquipélago da Madeira
Farol de São Lourenço, nº IPA PT062204020029
Estas torres são acompanhadas por um ou mais edifícios, anexos ou adossados, para instalação de parte da maquinaria e para acomodação da guarnição (faroleiros e outros técnicos) de modo a permitir o normal funcionamento e manutenção dos equipamentos.
Tipo 2
Farol de torre circular com edifício(s) anexo(s)
Foram incluídos nesta tipologia 16 faróis espalhados por Portugal continental, arquipélagos dos Açores e da Madeira. Podem identificar-se 3 sub-tipologias:
- Faróis de torre circular – torres geralmente de grande altura, de secção circular, cujo diâmetro vai reduzindo com a altura. Foram incluídas 6 torres com estas características:
Portugal Continental
Farol de Aveiro, nº IPA PT020110030029
Farol de Leça, nº IPA PT011308050044
Farol de Vila Real de Santo António, nº IPA PT050816020012
Arquipélago dos Açores
Farol do Albarnaz, nº IPA PT072006030004
Farol da Ponta da Barca, nº IPA PT071903030006
Farol da Ponta do Topo, nº IPA PT071902030001
- Faróis de torre circular nervurada – torres circulares que, devido a um reforço estrutural apresentam nervuras, criando uma malha de reforço pelo exterior, existindo 7 faróis com estas características:
Portugal Continental
Farol da Gibalta, nº IPA PT031110110065
Farol de Santa Maria, nº IPA PT050805050151
Arquipélago dos Açores
Farol do Carapacho, nº IPA PT071903020005
Farol da Ponta da Garça, nº IPA PT072106020007
Farol da Ponta do Cintrão, nº IPA PT072105110016
Farol dos Rosais, nº IPA PT071904020006
Arquipélago da Madeira
Farol de São Jorge, nº IPA PT062210040017
- Faróis de torre cilíndrica – são consideradas cilíndricas as torres cujo diâmetro da secção circular se mantém ao longo de toda a extensão da torre. Foram identificados 3 faróis com estas características neste inventário:
Portugal Continental
Farol de São Vicente, nº IPA PT050815040005
Farol de Sines, nº IPA PT041513010026
Arquipélago dos Açores
Farol da Serreta, nº IPA PT071901170046
Todas estas torres são acompanhadas por um ou mais edifícios, anexos ou mesmo adossados à torre, para instalação de parte da maquinaria e para acomodação da guarnição (faroleiros e outros técnicos) que permitem o normal funcionamento e manutenção dos equipamentos.
Tipo 3
Farol localizado em fortaleza – 10 faróis (apenas no continente)
Fazem parte desta tipologia 10 faróis localizados na costa oeste de Portugal continental, todos a norte do rio Sado:
Farol do Bugio, nº IPA PT031110040005
Farol do Cabo Raso, nº IPA PT031105030183
Farol do Forte do Cavalo, nº IPA PT031511010006
Farol da Ínsua, nº IPA PT011602120003
Farol da Nazaré, nº IPA PT031011020003
Farol do Outão, nº IPA PT031512010016
Farol de Santa Catarina, nº IPA PT020605110006
Farol de Santa Marta, nº IPA PT031105030012
Farol de Santiago, nº IPA PT011609190250
Farol de São Julião, nº IPA PT031110040004
Tipo 4
Farol com torre cilíndrica “tourelle” – 7 faróis (apenas no continente)
Nesta tipologia foram incluídos 7 faróis localizados na costa oeste de Portugal continental, a norte do rio Sado:
Farol da Agonia, nº IPA PT011609190251
Farol do Cabo Raso, nº IPA PT031105030183
Farol de Cacilhas, nº IPA PT031503060016
Farol de Esposende, nº IPA PT010306120004
Farol do Forte do Cavalo, nº IPA PT031511010006
Farol de Santa Catarina, nº IPA PT020605110006
Farol de Santiago, nº IPA PT011609190250
A seguinte listagem de faróis encontra-se ordenada por ordem alfabética e por zonas: Portugal continental, Arquipélago dos Açores e Arquipélago da Madeira.
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O presente inventário temático sobre o Sistema Fortificado de Elvas procura traçar brevemente a evolução das várias fortificações da cidade, construídas desde a Idade Média até ao século XIX, em resultado da sua importante localização geográfica, e proceder à sua caracterização arquitetónica. Simultaneamente, procura revelar o seu caráter único e singular no panorama nacional, bem como a nível mundial, ao ponto de estas fortificações terem sido integradas na Lista Indicativa de Património Mundial da UNESCO, a 30 de junho de 2012, na categoria de “Cidade-Quartel-Fronteiriça de Elvas e suas Fortificações”.
Implantada numa zona de fronteira, Elvas, desde muito cedo, tornou-se um núcleo urbano de grande relevância e com elevado número de habitantes, que importava defender. A primeira fortificação construída, do período da ocupação árabe, foi sendo sucessivamente ampliada, para envolver a urbe e melhorada, para responder ao avanço da pirobalística. Em meados do século XVII, após a independência de Portugal face a Espanha, Elvas tornou-se numa praça de guerra de primeira linha, que urgia reforçar com uma nova e moderna fortificação, ao mesmo tempo que, depois de ultrapassados os desentendimentos entre os vários engenheiros militares, se procedia à fortificação de um padastro a sul da cidade. No século XVIII, a evolução da artilharia determinou a necessidade de fortificar o monte da Graça, que se tornara um padastro à praça e, no século XIX, no âmbito das Guerras Peninsulares e perante a iminência de uma nova invasão francesa, houve que colmatar as deficiências do campo entrincheirado sentidas na batalha das Linhas de Elvas, fortificando pequenos outeiros nas imediações da praça e do Forte de Santa Luzia.
Todas estas fortificações de distintas tipologias permanecem na cidade, numa escala de grandiosidade, integridade e bom estado de conservação excecional e únicas no país. Para além disso, Elvas e o seu conjunto de fortificações abaluartadas constitui, segundo Domingos Bucho, o maior campo entrincheirado de fortificações abaluartadas terrestres, de fosso seco, do mundo (Bucho, 2008, p. 58).
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A cidade de Elvas localiza-se na região do Alto Alentejo, na zona de fronteira com Espanha, em posição estratégica privilegiada, em frente da cidade de Badajoz, que se situa a poucos quilómetros para nascente. Essa zona tornar-se-ia, simultaneamente, ao longo da história, um dos principais eixos naturais de penetração no território português, utilizadas nas invasões por via terrestre, dado estar na proximidade do acesso mais direto a Lisboa e da antiga estrada romana de Augusta Emerita a Olisipo.
O sistema fortificado de Elvas é composto por um castelo, construído na zona mais elevada, a partir do qual se desenvolveu para sul a povoação, delimitada por duas linhas de muralha árabes, de traçado ovalado, seguida de uma terceira cerca urbana, construída na segunda metade do século XIV, denominada por muralha fernandina. A envolver o castelo e os vários núcleos urbanos muralhados surge uma fortificação moderna, construída em meados do século XVII, com traçado abaluartado, seguindo as principais características da escola holandesa, do primeiro método holandês de fortificação, hoje apenas interrompido sensivelmente a sudoeste, e, a cerca de 400 metros a sul da cidade, por um forte destacado, o Forte de Santa Luzia, com traçado abaluartado e características inovadoras, interligando-se à praça por caminho coberto. A norte da cidade, e a menos de 2 quilómetros, implanta-se o Forte da Graça, construído na segunda metade do século XVIII, com traçado abaluartado, segundo a escola de fortificação francesa, do primeiro método do marquês de Vauban, mas com características que revelam uma evolução sobre o sistema de Vauban e antecipam inovações posteriores. O sistema fortificado é complementado por três pequenos fortins, construídos em 1811, à semelhança dos fortes das denominadas Linhas de Defesa de Lisboa, ou Linhas de Torres: o Forte de São Mamede, a sudeste da Praça de Elvas e do Forte de Santa Luzia, o Forte de São Pedro, a poente do de Santa Luzia e a sul da Praça, e o Forte da Piedade, a cerca de 700 metros a poente da praça e a sul do Aqueduto da Amoreira.
AS FORTIFICAÇÕES DA IDADE MÉDIA
A ocupação muçulmana do território de Elvas terá ocorrido pelo século VIII, na sequência da qual a povoação é envolvida com muralhas. Apesar da escassez de fontes para a época, isso mesmo se depreende das palavras do geógrafo al-Idrîsî, no século XII, uma vez que este designa Elvas como uma madîna e um (…) lugar fortificado, posto nas faldas de um monte, rodeada de uma planície semeada de habitações e de bazares ou mercados, famosa ainda pela formusura das suas mulheres (…) (Rodrigues e Pereira, 1996, p. 26).
No século XIII, durante o período almóada, é provável ter-se procedido à consolidação das muralhas da povoação, abrangendo a alcáçova e a muralha da medina, e o reforço e ampliação do al-qasba, o que poderia explicar o insucesso das várias tentativas de conquista cristã. O próprio D. Sancho II (1202-1248), em 1226, cerca Elvas mas não a consegue tomar, enquanto Afonso IX de Leão (1171-1230), numa investida concertada, tenta apoderar-se de Badajoz. A conquista definitiva de Elvas ocorrerá poucos anos depois, entre 1229-1230, não havendo concordância entre os historiadores quanto à sua data específica. A conquista teve a participação de freires portugueses de várias ordens militares, mas D. Sancho II reserva a povoação para a Coroa.
Não houve uma conquista propriamente dita, mas o abandono da urbe pela população muçulmana, durante a noite, após ter conhecimento da derrota sofrida por Ibn Hud perante Afonso IX, nas imediações de Mérida, conseguindo assegurar o controlo do vale do Guadiana, pela hoste leonesa. A fortificação seria então ocupada por um grupo de freires portugueses, que mandaram informar o rei, o qual aí estabelece um grupo de cavaleiros seus, sendo nomeado como primeiro alcaide-mor de Elvas Gonçalo Martins. Com a povoação desertificada, D. Afonso III (1210-1279) enceta uma política de revitalização de Elvas, concedendo carta de feira, no final de 1262, e confirmando o foral anterior, em março de 1263.
À data da ocupação, existiriam, então, um al-qasba e duas cercas urbanas, desenvolvidas a partir do al-qasba, implantado no topo norte da alcáçova. A muralha da alcáçova, de planta ovalada com três portas, tinha um perímetro de cerca de 540 metros. Atualmente é delimitada pela Rua Martim Mendes, Largo das Portas do Sol, Ladeira e Beco das Freiras, Largo de Santa Clara e Calçadinha do Castelo, e encontra-se integrada ou absorvida no casario que a oculta, de difícil perceção em algumas zonas e é já inexistente noutras, devido às demolições sucessivas para o crescimento da urbe.A muralha da medina, com dezasseis torres e quatro portas,conserva grande parte do seu perímetro, que tinha cerca de 1300 metros, encontra-se limitada pelas atuais ruas Sá da Bandeira, de Brás Coelho, da Cadeia e de João Pereira de Abreu, desenvolvendo-se, igualmente, entre o casario, que a ela se adossou ou se sobrepôs.
Durante os séculos XIII e XIV, procedeu-se à reconstrução do castelo e das duas cercas árabes, possivelmente devido a danos causados nos vários cercos realizados durante as guerras com Castela. Aquando dos conflitos, numa carta de 1338, D. Afonso IV (1291-1357) mandara retirar certos privilégios a alguns vizinhos de Elvas, por terem abandono a vila, ao tentarem fugir à guerra, já que a defesa das povoações raianas dependia do apoio da população. Neste período, há referências documentais à “porta nova”, às portas dos Banhos, de Santiago, do Bispo, com fosso e barbacã, e à porta de São Martinho.
Em meados do século XIV, ainda durante o reinado de D. Afonso IV, deu-se início à construção da terceira cerca urbana, denominada cerca fernandina, cerca nova ou “çerqua de fora”. Desenvolvida a partir da cerca da medina, aproveitando, em algumas zonas, sobretudo nos extremos, o seu antigo traçado, teria um perímetro aproximado de 2200 metros, envolvendo uma área com cerca de 30 hectares e compondo-se de vinte e duas torres e onze portas, segundo alguns autores. Fernando Branco Correia, acha possível que, por esta mesma data, algumas das torres maciças da época islâmica, tenham sido revestidas de alvenaria para evitar a degradação da taipa (Correia, 2013, p. 162). A título de exemplo, a torre da cadeia, da segunda cerca, construída sobre o espaço da feira, possuía uma lápide, inicialmente colocada na sua face sul e atualmente num museu da cidade, com a data de 1367 e inscrição a comemorar a sua construção ou reforma levada a cabo pela câmara.
Durante a centúria de Quinhentos, decorreram obras nas muralhas, tanto de reparação das duas cinturas árabes, como na cerca de fora, tendo contribuído para tal as rendas do concelho e a população. É sabido que, logo em 1408, os cavaleiros se queixam ao rei de serem obrigados a participar nas aduas das obras que se faziam na vila, bem como a irem cortar carrasco para os fornos de cal. Em 1436, D. Duarte decidiu que 2/3 das receitas do concelho se destinassem a obras, essencialmente de caráter defensivo em Elvas. Poucos anos depois, nas Cortes de 1441, os representantes do concelho conseguem que o rei atribua para as obras apenas 1/3 das ditas rendas e não metade, como então se praticava para a reparação das fortificações da vila, ao mesmo tempo que tentam assumir funções de fiscalização. Tal é conseguido em 1469, quando D. Afonso V outorga ao “povo miúdo” a direção dos trabalhos de reparação das muralhas e do castelo, propondo-se o povo a gerir a terça das rendas do concelho.
Com a conclusão da cerca fernandina, no terceiro quartel do século XV, a cerca da medina islâmica, ou “çerqua do meo”, vai sendo relegada para plano secundário, passando a ser absorvida por novas construções, ainda que mantendo os acessos desimpedidos, para permitir a sua utilização, caso a cerca de fora não resistisse a um eventual assalto inimigo. Assim, desde meados do século XV, que existem referências documentais à sua barbacã e à ocupação da liça para construção de casas, nomeadamente pelo rei, que as afora a várias pessoas. Aliás, um dos rendimentos fixos do concelho provinha dos foros de casas e chãos implantados ao redor da “barreira da cerca velha”, que rendiam anualmente cerca de 200 reais para o concelho. Ocasionalmente, concedia-se também licença para tapar ameias da muralha, evidenciando-se a sua apropriação pelas construções particulares, como a que foi concedida a Francisco Rodrigues, a 1 de abril de 1472. O processo de ocupação da liça foi-se acentuando com o avançar da centúria, provocando queixas por parte do povo.
Em finais do século XV, inícios do seguinte, procedeu-se a alterações, mais ou menos significativas, no castelo, para melhor responder ao avanço da pirobalística. Assim, entre 1488 e 1490, iniciaram-se obras de reconstrução, nomeadamente na torre de menagem, e a construção de uma torre poligonal, na mesma frente, mas no ângulo oposto ao da torre de menagem, com acesso independente, colocando-se as armas de D. João II sobre a porta da vila.
No início do século XVI, o castelo, pelo menos parcialmente, era rodeado por uma “cava”, encostando-se a ela algumas casas de habitação, e fez-se a reparação dos muros do castelo e de três torres, então arruinadas.
Duarte de Armas (1465-?) desenha o castelo e a vila de Elvas, por volta de 1509. O castelo, de planta regular, tinha num dos ângulos das muralhas a torre de menagem, com 9 varas de largura por 8 de comprimento e 19 de altura, e 1 vara e meia de espessura, abobadada e tendo inferiormente cisterna. Dela partia um dos muros da vila e, entre ela e uma torre, com 4 x 4 varas e 2 passos, da altura da muralha, que tinha 8 varas, abria-se a porta principal, protegida por barbacã da porta, com troneira. Do lado oposto à torre de menagem, implantava-se de ângulo uma torre facetada, que ainda não estava acabada. Na frente poente, também integrada no ângulo e partir da qual se desenvolvia o outro muro da vila, existia uma torre, de 4 x 5 varas e com 11 varas de altura, e um cubelo de quatro varas sensivelmente a meio, abrindo-se junto deste a porta falsa, protegida por uma barbacã, seccionada. Na frente noroeste existia uma outra torre saliente, com 3 varas de largura e 9 de altura. No interior, o castelo era circundado pelos aposentos do alcaide, alguns sobradados, tendo no ângulo sudeste uma cisterna.
Na vista a partir do sul, observa-se a muralha fernandina, bem destacada a envolver o burgo, com espaços livres na malha urbana, em aparente bom estado, ameada, com torres quadradas colocadas espaçadamente, envolvida por barbacã comprida, cujas torres tinham talude e troneiras, e ainda um fosso, junto à qual Duarte de Armas faz a legenda mujto bõoa barreyra e caua; para poente havia ainda indicação da existência de uma das portas desta muralha. Num plano mais elevado, é representada a muralha islâmica, já com alguns sinais de ruína, com torres quadradas implantadas num ritmo mais apertado, destacando-se, para nascente, uma muito alta, coberta por um coruchéu e identificada como a torre do Relógio, e, para poente, é representada uma outra torre facetada e rematada em parapeito ameado.
Na vista a partir do norte, surge individualizado o castelo, em bom estado, com as suas torres, sendo a de menagem mais alta. Os aposentos do interior são coroados por chaminés, mas a diferenciação das várias cinturas de muralha é mais difícil de estabelecer. Sobre o casario sobressai a Torre do Relógio e a delimitá-lo, incluindo o Convento de São Domingos, distingue-se uma cintura de muralhas, com torres quadradas, ameadas e em bom estado, sinalizando-se ainda duas portas, protegidas por barbacãs. Junto ao castelo, sobre um troço de muralha com torre, tem a legenda aquj esta a porta falça.
A 1 de junho de 1512, D. Manuel I (1469-1521) concedeu foral novo a Elvas, e no ano seguinte, a 20 ou 21 de abril, elevou Elvas a cidade, que de acordo com o Numeramento de 1527, seria uma das mais povoadas do reino, com cerca de 8 000 habitantes. Em 1538, o rei deslocou os Paços do Conselho para a Praça da Sé, rasgada de novo, adossando à muralha islâmica o edifício construído. Junto deste, D. João III mandaria construir a cadeia, encimada pelas casas do Juiz de Fora, determinando, em 1545, a mudança da porta da mesma por (…) ser antes a sua serventia por dentro da Cadeia (…) (Memórias Paroquiais da Sé, 1758, p. 167).
Um alvará régio, de 26 de fevereiro de 1569, determina a abertura do Arco da Praça, na segunda cerca, sob os Paços do Concelho, e a 15 de janeiro de 1571, a câmara apresenta ao rei uma proposta de alteração da Porta Nova, para se fazer (…) ao direito, devido aos (…) perigos de transito (…) (Correia, 2013, p. 166), o que é autorizado, mas apenas concretizado dezoito anos depois. De facto, só depois de um novo alvará, datado de 22 de setembro de 1589, é que se procederá à abertura de um novo acesso, sem cotovelo, através de um túnel rasgado sob a torre albarrã, sensivelmente como hoje existe, passando posteriormente a chamar-se à nova abertura Arco de Nossa Senhora da Encarnação, ou Porta Nova do Salvador, devido ao nicho com a Senhora ali construído. Possivelmente, será também nesta data que se procederá à alteração das faces posteriores da dita torre albarrã e se desmantela a barbacã na zona da Rua João Pereira de Andrade.
AS FORTIFICAÇÕES DO SÉCULO XVII
No dia 1 de dezembro de 1640, depois de um golpe de Estado, Portugal declara independência face à monarquia espanhola, pondo fim a sessenta anos de união ibérica. Logo a 11 de dezembro, D. João IV (1604-1656), cria o Conselho de Guerra para tratar dos assuntos militares e, pouco depois, são formados os Governos de Armas do Minho, Trás-os-Montes, Beira, Estremadura, Alentejo e Algarve, correspondendo a cada uma das seis províncias, escolhendo-se para governador das Armas do Alentejo D. Afonso de Portugal, quinto conde de Vimioso, que elege Elvas como praça de armas da província.
Em março de 1641, D. Afonso de Portugal (1591-1649) e Matias de Albuquerque (c. 1580-1647), seu sucessor como governador das Armas do Alentejo, inspecionam as muralhas de Elvas e mandam proceder a algumas reparações e a construção de várias obras. O reforço das estruturas medievais era premente, não só por estarem obsoletas, devido ao avanço tecnológico da nova artilharia, como à necessidade de fazer frente ao iminente perigo de invasão, já que fora por Elvas que o exército espanhol, comandado pelo duque de Alba, entrara em Portugal em 1580.
No castelo, deve ter-se procedido ao corte das torres da frente noroeste e ao alargamento do respetivo adarve, com integração da cobertura do corredor da porta falsa e cisterna, e ao reforço interno do ângulo nascente, o único sem torre, criando uma plataforma de tiro. Nas muralhas e barbacãs, alteraram-se os parapeitos, acrescentando-lhes banquetas largas, deixando entre as muralhas e a barbacã uma falsa braga. Mandou-se cortar as árvores da Alameda, construir um revelim à frente das portas de Olivença e demolir algumas casas por embaraçarem a antiga muralha. Possivelmente fizeram-se também algumas obras provisórias em terra no cabeço de Santa Luzia, do Sizo, Casarão, São Pedro e no outeiro de São João.
Pela mesma altura, no pequeno outeiro da Capela de Santa Luzia, a sul da cidade e que constituía um padastro para a mesma, mandou-se cortar todas as árvores da envolvente, para não embaraçarem a defesa da cidade, e Matias de Albuquerque (1580-1647) abre “minas” para a construção de um reduto, com capacidade para trezentos soldados. Pouco depois, Sebastião Frias redefine o seu traçado para ter a forma de estrela e, em agosto do mesmo ano, Martim Afonso de Melo (c. 1600-1671), segundo conde de São Lourenço, chega a escrever a D. João IV a queixar-se da paralisação das obras por não haver engenheiros capazes de levantar a muralha. Em outubro, a obra já estava adiantada, encarregando-se D. Diogo de Menezes de a defender, nomeando-se para o efeito Manuel Godinho Castelo Branco como governador do forte. Contudo, como o forte ainda não se encontrava concluído, foi considerado inútil, por ser demasiado pequeno para bater as zonas de cota mais baixa à volta do padastro.
A 1 de março de 1642, iniciou-se no outeiro de Santa Luzia a construção de um “forte real”, ou seja, em que a linha de defesa tivesse o alcance eficaz do tiro de mosquete (cerca de 220 metros), com projeto do engenheiro Jeronymo Rozetti, e que origina alguma polémica. À volta da obra construiu-se um muro para evitar o seu bombardeamento. Charles Lassart (-1643), engenheiro-mor do reino, visita o local e manifesta discordância com o projeto adotado, considerando-o irregular e de geometria desadequada.
Ainda em 1642, o governador lançou imposto de $002 sobre os moradores da cidade para as obras de defesa e, a 22 de junho, a câmara decide elevar o imposto do real de água para custeamento das despesas com as fortificações, considerando a necessidade de se repararem e fortificarem os muros.
Porém, todos os arranjos e acrescentos nas muralhas medievais da cidade se mostraram insuficientes perante as novas exigências defensivas, pelo que, no início do ano seguinte, chega a Elvas Jan Ciermans, mais conhecido em Portugal como João Paschasio Cosmander (1602-1648), para superintender as obras da fortificação moderna, que se decide construir. Com ele vêm também o tenente general Rui Correia Lucas e cem pedreiros. Pouco depois são chamados outros engenheiros militares, como Philipe Guitau, João Ballesteros e Jean Gilot (-1657).
Cosmander desenha e dirige a construção da nova fortaleza de Elvas que, grosso modo, segue o perímetro da muralha fernandina, adaptando-se à grande irregularidade do terreno e aproveitando os seus materiais, numa tentativa de redução de despesas.
Simultaneamente, sob ordem do rei, integrou uma junta, composta ainda por João Ballesteros, Lassart e Rozetti, subordinada ao Conselho de Guerra, para estudar o melhor traçado da fortificação do outeiro de Santa Luzia, mas essa continuou parada por desacordo entre os engenheiros. Concedeu-se a Cosmander e a Jean Gilot o poder decisório sobre o projeto, acabando por se adotar uma “fortificação externa”, ou seja, mais pequena do que o pretendido “forte real”, embora com a mesma potência e a face virada à vila, passível de fácil destruição, caso fosse ocupada pelo inimigo. A 1 de abril de 1643, realiza-se a cerimónia de lançamento e bênção da primeira pedra do novo forte, presidida pelo bispo D. Manuel da Cunha (1594-1658), com a presença do governador general Martim Afonso de Melo, dos mestres de campo D. João da Costa (1610-1664), D. João de Sousa e outros "ministros da milicia", da nobreza e do povo da cidade. Rui Correia Lucas imprime grande dinâmica às obras do forte, que irá integrar a antiga capela, alterando-se, contudo, o acesso ao interior, que deixa de ser axial, para passar a fazer-se por uma fachada lateral.
O primeiro cerco a Elvas, durante as Guerras da Aclamação (1640-1668), ocorreu em novembro de 1644, sob o comando do general Torrecusa. Ainda que inacabado, o forte no outeiro de Santa Luzia já se encontrava em estado de defesa, batendo com a sua artilharia o reduto montado pelo inimigo no outeiro do Casarão. E, apesar da fortificação moderna estar apenas no princípio da sua construção, segundo o conde da Ericeira, Torrecusa é forçado a retirar, oito dias depois, devido à defesa do conde de Alegrete. Durante o cerco, estava em Elvas o engenheiro António Rodrigues, que é encarregue das estradas cobertas e, pouco depois de os espanhóis retirarem, fez-se a ligação entre a praça e o Forte de Santa Luzia por caminho coberto, sob a responsabilidade de Diogo Gomes de Figueiredo.
Cosmander continuou a direção das obras da praça durante mais alguns anos, já que, em 1646, Pedro Fernandes, quartanário da Sé de Elvas e conhecedor da arte da fortificação, foi nomeado para o ajudar.
Em 1648, as obras do Forte de Santa Luzia foram concluídas, conforme atesta a data inscrita na lápide sobre o portal, e o facto de Nicolau de Langres escrever ao rei, a 12 de julho, dizendo ter servido há perto de um ano na continuação das obras de fortificação de Santa Luzia e Campo maior, com toda a satisfação, e solicitando o cargo de tenente de mestre de campo general, com o mesmo soldo do mestre João Gillot, o que foi atendido. No mesmo ano, Langres projetou a obra coroa no outeiro do Casarão, a qual foi considera por Martim Afonso de Mello, em carta ao rei, de 15 de julho, de grande importância para a segurança da praça, pois sem ela, o local seria um grande padastro para a praça. A obra coroa teve início em 1650 e foi concluída em 1653.
Considerado como uma “fortificação externa” da praça, o Conselho de Guerra mudará várias vezes de opinião quanto à necessidade do Forte de Santa Luzia ter um governador independente. Por exemplo, Martim Afonso de Melo acha que o forte não precisa de governador, por considerar a cidade e o forte como uma única fortificação e estarem ligados por caminho coberto. A 2 de abril de 1649, o Conselho de Guerra nomeou, como governador do forte, o sargento-mor João de Amorim. Contudo, quando este abandona o cargo, em 1655, o Conselho de Guerra considerou que bastaria apenas um governador para a cidade e para o forte. Dois anos depois, o mesmo conselho voltou a mudar de opinião e a nomear um governador independente para Santa Luzia. Por fim, em 1805, passou a ser considerado como bateria da praça, extinguindo-se o cargo de governador.
Entre o mês de outubro de 1658 e janeiro de 1659, D. Luís de Haro (1598-1661), com um exército de mais de 15 000 homens, cercou Elvas e ocupou as colinas do Convento de São Francisco e de Nossa Senhora da Graça, construindo na última uma fortificação de campanha, onde instalou duas peças de artilharia. Segundo Luís Serrão Pimentel (1613-1679), durante o cerco e devido às más fundações da muralha, a cortina de São Vicente (…) se abrio, & arruinou, & tambem por baixo da porta da Esquina, onde cahio (...) hum grande lanço com o laborar de huas Peças que allí plantei (…) (Pimentel, 1993, p.108). O engenheiro António Rodrigues (…) fasendo por sua defença hua brecha e assistir athe se acabar com sua estacada e parapeito fazendo accomodar a pólvora e mais petrechos de fogo em vários logares aonde se levava dos armasens por entre os riscos das bombas do inimigo (...) (Sepúlveda, 1919, p. 459). A 14 de janeiro de 1659, o marquês de Marialva, com o seu exército de socorro, venceu os espanhóis, na vitória das Linhas de Elvas.
Por esta data, o perímetro da fortificação de Elvas já estava fechado. No entanto, documentação de 1661 e de 1662 referem a necessidade de se lhe acudir, certamente devido aos danos causados no cerco, sendo algumas obras nas muralhas da autoria de Luís Serrão Pimentel.
AS FORTIFICAÇÕES DO SÉCULO XVIII
Em meados do século XVIII, Portugal vê-se envolvido na denominada Guerra dos Sete Anos (1756-1762), devido à sua aliança política com Inglaterra, já que os conflitos opunham a França, a monarquia de Habsburgo e os seus aliados à Inglaterra, a Portugal, ao Reino da Prússia e ao de Hanôver.
Perante a ameaça das tropas francesas e espanholas, na sequência do Pacto de Família, o primeiro-ministro, Sebastião José de Carvalho e Melo (1699-1782), sob proposta do rei de Inglaterra, convidou Friedrich Wilhelm Ernst Von Schaumburg-Lippe, mais conhecido no território nacional como Guilherme Schaumburg-Lippe ou conde de Lippe (1724-1777), a organizar o exército português e a comandar as tropas luso-britânicas. O conde de Lippe aceitou o convite, chegando a Portugal em junho de 1762. No ano seguinte, foi encarregado de inspecionar as fortificações do reino sugerindo para Elvas, uma das principais entradas naturais do país, a construção de uma fortificação no Monte da Graça, onde já em 1659, os espanhóis haviam construído uma fortificação de campanha para bater o vale. Nesta data, devido ao avanço da artilharia e ao alcance eficaz de um canhão ter passado para os 800 metros, com uma cadência de dois tiros por minuto, permitindo atingir a cidade com alguma eficácia, devido ao desnível do terreno, tornava-se premente fortificar aquele padastro.
A 5 de abril, o marquês de Pombal escreveu ao conde de Lippe a informar que o rei aprovara o seu projeto do forte para o Monte da Graça. Grosso modo, consistia num recinto magistral com quatro baluartes pentagonais interligados por cortinas, formando um quadrado, envolvido por várias obras exteriores: quatro revelins a flanquear as cortinas e um hornaveque na frente norte, a mais vulnerável, e uma linha de muralha exterior. No interior do recinto magistral, Lippe desenhou um conjunto de armazéns e paióis encostados à muralha, à semelhança do construído no Forte de Santa Luzia, com uma pequena construção ao centro.
Logo no mês de julho, o tenente-coronel engenheiro Pierre Robert de Bassenond, que superintendia na engenharia militar sob as ordens de Lippe, deu ordem para o início da sua construção, sob a direção do engenheiro Étienne. Para a construção tornava-se necessário escavar na rocha, já que o projeto impunha que o edifício fosse parcialmente enterrado, de modo a solucionar o problema da falta de espaço disponível.
Em 1764, o conde de Lippe retirou-se para Alemanha, levando consigo o engenheiro Étienne, mas deixando ao marquês de Pombal uma série de "Observações Militares", com uma lista de ações que deveriam ser executadas para dar continuidade aos trabalhos em Elvas e recomendando para a direção da obra Guilherme Luiz António de Valleré (1727-1796), então coronel de artilharia de Estremoz. O conde de Lippe pede ainda a Valleré que o informe regularmente do prosseguimento das obras, bem como ao marquês de Pombal, o que virá a acontecer. Pelo menos inicialmente, Valleré terá contactado ainda com Étienne, sobretudo para esclarecimentos sobre as minas ali aplicadas ou por aplicar.
Valleré introduziu alterações significativas ao projeto inicial: instalou os paióis e os armazéns nos cantos do espaço interior da magistral, junto aos baluartes; criou um potente reduto central, dotado de armazéns para munições, uma cisterna, com capacidade para aguentar uma guarnição de 6 000 homens durante seis meses, e uma capela, encimado pela casa do governador, capaz de resistir mesmo após a conquista do recinto magistral; alterou o desenho da esplanada, modelando todo o monte; construiu na aresta da esplanada uma espécie de flechas, hoje já não observáveis, mas que serviam de assento a peças de calibre 6; e mandou reconstruir uma pequena fonte, denominada de Nossa Senhora, na encosta do forte, interligando-os por um caminho coberto, passando então a designar-se Fonte do Marechal. Para além disso, inventou um modelo de reparos que permitia fazer tiro mergulhante, outros facilmente desmontáveis e remontáveis para artilharia ligeira e uma nova placa que facilitava o manejo dos morteiros, apenas por três homens.
Quando o conde de Lippe regressou a Portugal, em 1767, por um curto período de seis meses, mostrou-se satisfeito com a obra de Valleré e aprovou as alterações feitas ao projeto inicial, bem como as que ainda estavam por executar. Em reconhecimento, eleva-o a brigadeiro. O próprio rei, D. José I (1714-1777), que visita o forte em 1769, louva o trabalho ali realizado. O forte, até aí conhecido como Forte de Lippe, em homenagem ao seu primeiro mentor e projetista, passou a denominar-se de Forte da Graça, por ordem de D. Maria I (1734-1816), em 1777.
Entre 1777 e 1778, as obras de construção foram interrompidas, mas os trabalhos continuam pouco depois. Normalmente aponta-se o ano de 1792 para o término das obras, todavia, num relatório de 1797, o governador da praça, o tenente general Francisco Noronha, informa que, (…) Quando julgava, pelas informações que me davam, que o Forte da Graça lhe não faltava mais que as plataformas, repastos e algumas miudezas, fui achar as ruínas, somente com as galerias magistrais; e os seus ramais uns sem terem princípio e os outros sem fazerem perceber as ordens que tinham projetado (...) (Bucho, 2013, p. 116). Aponta-se ainda para o facto de, após a morte de Valleré, não haver quem soubesse falar dos projetos, chegando-se a sugerir contactar a viúva para se consultar os documentos do forte e tentar perceber o modo de colocar a artilharia para a sua defesa.
A obra chegou a envolver cerca de seiscentos homens por dia, alcançando um total de 32 000 homens e 4 000 animais. Deste contingente, cerca de 1 500 homens limitavam-se a transportar água da Fonte do Marechal para o estaleiro da obra, cujo total é orçado em 769:199$039 reais. Desde o início que a obra causa admiração em todos os que a visitam. Entre esses, conta-se Christian, príncipe de Waldeck (1744-1798), coadjutor do marechal-general duque de Lafões (1719-1806), que, em 1798, refere: (…) O forte continua a ser uma obra-prima de fortificação, cuja arte se esgotou aqui completamente (...) As casamatas, minas, capela, cisternas, alojamento do comandante, casas da guarda, tudo é notável (...). Nota: E tudo está muito bem organizado (…) (Bucho, 2008, p. 63).
Durante o século XVIII, realizaram-setambém algumas obras de reforço na fortaleza da praça. Por exemplo, em 1713 foi aberta a poterna de São Francisco. Por volta de 1757, o engenheiro Miguel Luiz Jacob (c. 1710-1771) desenhou algumas obras projetadas para melhorar a defesa da cisterna, documentou a existência de um único cavaleiro, no baluarte de São João de Deus, e a obra coroa com a gola defendida por uma única tenalha, disposta a norte. Tal revela que os cavaleiros dos baluartes da Praça de Armas e do Casarão, e a tenalha sul da obra coroa foram construídos entre 1757 e 1802, data da planta delineada por Francisco D’Alincourt (1733-1816), onde são representados. O cavaleiro do baluarte do Casarão será contemporâneo da edificação do Quartel do Casarão, com construção iniciada em 1767, por ordem do conde de Lippe e com projeto ou direção do coronel Guilherme Louiz António de Valleré.
Quanto às obras para melhorar a defesa da cisterna e o troço final do aqueduto, elas terão ocorrido entre 1797 e 1802, data em que também são representadas em planta. Isto porque, foi em 1797 que o Real Corpo de Engenheiros propôs, por questões defensivas, que o seu término passasse a fazer-se sob o fosso e que se construísse, na face sul do redente do Cascalho, duas casamatas, comunicando com as casernas ali existentes, (…) para defender o fosso do revelim, visto que o fogo superior fica muito mergulhante (…) (Bucho, 2013, p. 69).
Segundo a correspondência entre o governador da Praça de Elvas, o tenente-general Francisco Xavier de Noronha, e o marechal-general duque de Lafões, D. João Carlos de Bragança e Ligne de Sousa Tavares Mascarenhas da Silva, datada de 1797, verifica-se que ainda se deu início a duas pequenas fortificações para colmatar algumas deficiências do Forte de Santa Luzia, mas entretanto, as obras são abandonadas. De facto, (…) não tendo o Forte de S.ta Luzia esplanada nem obras q[ue] prometão duração na Rezistencia, se julgou essencialmente preciso fazer-se hum Reduto em huma pequena altura chamada de S. Mamede (...). Justamente se imaginou outro Reduto no Fortim chamado de S. Pedro (…) (Bucho, 2013, p. 130). No entanto, quando os fortes já tinham (...) as canhoneiras construhidas, e o fosso, e mais Obra no maior adiantamento (…) (idem, ibidem, p. 132), o segundo duque de Lafões, mandou parar as obras, para grande desagrado do governador da praça.
AS FORTIFICAÇÕES DO SÉCULOS XIX
Em 1806, Napoleão decretou um Bloqueio Continental a Inglaterra, a que Portugal se recusou a aderir e, em agosto do ano seguinte, França ultimou o governo português a declarar guerra a Inglaterra, até ao dia 1 de setembro, ou as suas fronteiras seriam atravessadas por soldados franceses.
Tal viria a ocorrer a 1 de dezembro desse mesmo ano, quando um exército de cerca de 9 500 homens, comandado pelo general Francisco Solano (1768-1808), capitão-general da Andaluzia, entra em Elvas. Apesar do contingente militar na cidade, sob as ordens do governador Pedro José de Almeida Portugal (1754-1813), terceiro marquês de Alorna, o príncipe regente (1767-1826) ordenou que as portas fossem abertas, sendo a praça e o Forte de Santa Luzia tomados e, pouco depois, também o Forte da Graça o foi. No dia 11 de março de 1808, os franceses assumiram o governo da Praça de Elvas, ficando à frente das tropas como governador militar o coronel Michel. Em final de 1808, os franceses saíram da cidade, estabelecendo-se em Elvas uma junta governativa chefiada pelo bispo da cidade, D. José Joaquim da Cunha Azeredo Coutinho (1742-1821).
Em 1810, preparando-se para uma nova invasão francesa, o governador Francisco de Paula Leite (1743-1833) ordenou a demolição de todas as construções e arvoredo até 200 braças da esplanada da praça. No ano seguinte, por ordem do marechal Arthur Wellesley (1769-1852), duque de Wellington, e comandando o exército anglo-luso da fronteira do Alentejo o general Rowland Hill (1772-1842), procedeu-se à construção de quatro pequenos fortes, conhecidos localmente como fortins, sobre pequenas elevações de terreno, nas imediações da praça e do Forte de Santa Luzia, tentando assim colmatar as deficiências do campo entrincheirado sentidas na batalha das Linhas de Elvas.
O Fortim de São Mamede foi construído num outeiro a sudeste do Forte de Santa Luzia que, já em 1641, durante a Guerra da Restauração, constituía um padastro e onde então se demolira a medieval Igreja de São Mamede. A poente, construi-se o Fortim de São Pedro, onde também, por volta de 1641, se demolira a Igreja de São Pedro de Fora, cortara o arvoredo em volta e aplanara o local, para a construção de um pequeno reduto, designado de São Pedro, representado num desenho de João Nunes Tinoco, em 1663. Em ambos os outeiros, iniciaram-se obras de fortificação em 1797, mas depois abandonadas, conforme já considerado.
A poente da praça e nas imediações do Aqueduto da Amoreira, que o inimigo poderia utilizar como obstáculo para avançar no terreno, construiu-se o Forte da Piedade e o de São Francisco, tendo na elevação deste último, já entre 1658 e 1659, os espanhóis colocado as suas baterias para bater a cidade. Aliás, na representação da Batalha das Linhas de Elvas, da autoria do engenheiro Pierre de Saint Colombe, datada sensivelmente de 1661, é desenhada uma fortificação no mesmo local.
Os fortins são construídos segundo as características dos fortes das denominadas Linhas de Defesa de Lisboa, também construídos por ordem do duque de Wellington, e constituíam a primeira linha de defesa de Elvas. Em 1823, segundo informação de Joaquim Jozé de Almeida e Freitas, tenente coronel do Real Corpo de Engenheiros, a sua guarnição de infantaria era de 353 soldados, e ainda eram considerados importantes para a defesa da praça: (…) Estes reductos são p.te destacados da Fortificação desta Praça muito interessantes a boa defensa; por q[ue] estando elles bem reparados e bem fortificados hãode demorar tempo considerável os sitiantes dist.es do Forte de S. Luzia, e da Praça; port.o he de m.ta urg.ia a comcervação destes reductos, como Obras permanentes (...) (Bucho, 2013, p. 130). Contudo, em 1875, segundo o relatório do governador da praça, o general Francisco Xavier Lopes, os fortes estão completamente abandonados. A posterior apropriação particular da entrada de serventia do Forte de São Francisco iria determinar o seu futuro, acabando por ser vendido à Câmara Municipal de Elvas, a 3 de fevereiro de 1920, por 686$85, na sequência do qual foi demolido para ampliação do cemitério.
No âmbito das Guerras Peninsulares (1807-1811), procedeu-se também a algumas obras de reforço na praça e no Forte de Santa Luzia. Na fortaleza foram construídas as canhoneiras acasamatadas em alguns baluartes, conservando-se ainda as do baluarte da Conceição e uma no cavaleiro do Casarão, os espaldões e as meias luas no baluarte de São Domingos. Durante a mesma centúria, foram construídas as latrinas geminadas, sobre os parapeitos, tipo guaritas, com escoamento direto dos dejetos para o fosso.
No Forte de Santa Luzia, procedeu-se à construção, possivelmente no início do século XIX, à volta do caminho coberto tenalhado, das trincheiras e das covas de lobo, das galerias sob o reparo, barbetas e traveses sobre o terrapleno e das casernas a sul do fosso. Em 1811, construíram-se ainda dois traveses e sete espaldões, passando os que fecham as golas dos baluartes a ter uma canhoneira abobadada.
Em conclusão, pode afirmar-se que, com a construção dos quatro pequenos fortes, encerra-se o ciclo construtivo de arquitetura militar da cidade, ampliando o perímetro fortificado de Elvas para cerca de 10 quilómetros, fazendo com que esta seja a cidade portuguesa com o maior e o mais excecional conjunto de fortificações modernas construídas e o maior conjunto de fortificações abaluartadas terrestres, de fosso seco, no mundo, que ainda subsiste. Mas Elvas destaca-se ainda pelo grande número de equipamento militar, construído no interior da praça-forte, para suporte e sustentação do grande contingente militar, tornando-a numa verdadeira cidade-quartel, cujo papel manteve até 2006, ano da saída do último regimento.
Paula Noé 2018
Para saber mais sobre o equipamento militar de Elvas, consulte neste site o seguinte Inventário Temático: NOÉ, Paula – Elvas – “Cidade-Quartel Fronteiriça”. Lisboa: DGPC/SIPA, 2018.
BIBLIOGRAFIA
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FORTES, Manuel de Azevedo – O Engenheiro Portuguez. Lisboa: Direcção da Arma de Engenharia, 1993 (edição fac-similada, MDCCXXIX), t. 2.
GAMA, Eurico – Elvas: Rainha da Fronteira. Elvas: Tipografia Guerra, 1986.
JESUÍNO, Rui – Elvas – Histórias do Património. S.l.: Rui Jesuíno; Booksfactory, 2016.
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PIMENTEL, Luís Serrão – Método Lusitâno de Desenhar as Fortificações das Praças Regulares e Irregulares. Lisboa: edição fac-simile da Direcção da Arma da Engenharia, Direcção do Serviço de Fortificações e Obras do Exército, 1993 (edição fac-similada, 1680).
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PRAZERES, Tiago Miguel Castanho – O Forte de Nossa Senhora da Graça. Arte e Regra do Desenho. Dissertação de Mestrado em Arquitectura apresentada à Faculdade de Arquitectura da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra. Coimbra: julho 2016, texto policopiado.
RODRIGUES, Jorge e PEREIRA, Mário – Elvas. Lisboa: Editorial Presença, 1996.
SEPULVEDA, Christovam Ayres de Magalhães - História Orgânica e Política do Exército Português. Provas. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1919, vol. VIII, pp. 458-460.
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O presente Inventário Temático sobre os Castelos da Ordem do Templo procura traçar brevemente a evolução da Ordem em Portugal, desde o seu estabelecimento até à sua extinção, e as principais características apresentadas por vinte oito castelos construídos, dois deles transformados em paço dos comendadores muito cedo, e quatro deles já desaparecidos. Não pretende descrever, como um todo, os castelos que, em determinado momento, estiveram na posse da Ordem, mas destaca a construção templária primordial, ainda assim tão falível dadas as constantes reconstruções de que foram alvo.
De facto, os castelos serão a tipologia arquitetónica que mais obras de adaptação e reformas teve ao longo do tempo e, simultaneamente, a que sofreu maior índice de destruição. A maioria dos castelos teve reformas posteriores, para adaptação à evolução das técnicas de guerra e à pirobalística, ou para melhorar as suas condições de defesa e de habitabilidade. Destacam-se, por exemplo, a construção de cercas urbanas associadas, as barbacãs da porta ou extensas, a abertura de troneiras ou a construção de paços à volta da torre de menagem, no interior do recinto. A descrição dos castelos nos tombos da Ordem de Cristo da primeira década do século XVI e a sua representação por Duarte de Armas documentam essa mesma evolução e, por vezes, constituem os mais antigos testemunhos conhecidos dos mesmos.
Nos séculos XVII e XVIII, muitos castelos templários voltaram a ter importância estratégica, dada a sua proximidade com Espanha ou a sua implantação numa zona de fácil penetração inimiga. Tais factos, levarão a novas alterações no castelo medieval, ou à sua destruição, ou ainda à construção de uma fortificação de tipo “moderno” a envolver o castelo e / ou a cerca urbana medieval, durante a Guerra da Restauração (1640-1668), aquando da Guerra da Sucessão de Espanha (1704) ou até no decurso das Invasões Francesas (1807-1814). No entanto, nenhuma destas transformações operadas nos castelos da Ordem do Templo será considerada neste inventário temático, remetendo-se para o registo de inventário SIPA o conhecimento da evolução posterior e total de cada castelo.
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A Ordem do Templo foi fundada em Jerusalém, em 1118 ou 1119, por um grupo de nove cavaleiros franceses, para a defesa e proteção dos peregrinos que visitavam a Terra Santa. Designados inicialmente Pauperi Equites Christi ou Militia Christi, passam a denominar-se Milites Templo, após o rei Balduíno II lhes ter doado uma parte da sua residência, identificada com o antigo Templo de Salomão.
Em Portugal, o processo da Reconquista facilitará o estabelecimento das ordens militares, já que o ideal e o objetivo da Cruzada coincidiam no combate aos infiéis. A presença da Ordem do Templo está documentada no território nacional desde 1128, correspondendo à data da aprovação da sua regra e da expansão para ocidente da Europa, assumindo um papel de grande importância na evolução da arquitetura militar e na defesa do reino, especialmente nos séculos XII e XIII.
No início do século XIV surge uma campanha de difamação e de perseguição contra a Ordem do Templo, fomentada pelo rei de França, D. Filipe IV, o que leva o papa Clemente V a ordenar uma inquirição geral em todos os países para avaliação dos bens e comportamentos dos freires.
D. Dinis inicia uma série de medidas políticas centralizadoras, procurando evitar a possível apropriação dos bens dos Templários, por estranhos ou pela Ordem do Hospital e, paralelamente, alia-se aos reis ibéricos, comprometendo-se a auxiliarem-se mutuamente, caso o papa pretendesse apoderar-se dos bens dos Templários.
A Ordem do Templo seria extinta, em 1312, pela bula Vox clamantis, datada de 22 de março, e, pela bula Ad providam, de 2 de maio. O papa Clemente V transfere todos os seus bens para a Ordem do Hospital, exceto os de Portugal, de Castela, de Aragão e de Maiorca, os quais ficariam na posse interina dos monarcas, até o conselho decidir qual o seu destino. A pedido de D. Dinis, o papa João XXII, pela bula Ad ea ex quibus, de 14 de março de 1319, institui a Ordem dos Cavaleiros de Cristo, ou a Ordem de Cristo, como sucedânea da Ordem do Templo, para quem passam os seus bens.
Desde o início, a Ordem do Templo teve o apoio da Coroa, destacando-se o número de doações recebidas durante o reinado de D. Afonso Henriques, tendo alcançado o seu período áureo durante o mestrado de D. Gualdim Pais (1157-1195), grande impulsionador e empreendedor da milícia. A expansão da ordem no território nacional esteve intimamente ligada ao avanço da Reconquista para o Sul, o que se refletirá nas terras recebidas, em zonas de fronteira, ou que permitiam dominar importantes vias de comunicação, e na linha de castelos que (re)construiriam, interligadas por atalaias, podendo identificar-se quatro grandes zonas ocupadas pelos Templários:
1) região a sul de Coimbra, formando uma zona tampão e permitindo controlar os acessos meridionais à cidade, elevada a capital do reino até 1131 (castelos de Soure, de Ega, de Redinha e de Pombal);
2) vale do Tejo, constituindo primeiramente uma linha de penetração e depois, durante a segunda metade do século XII, uma linha estável de ocupação (castelos de Ceras, de Tomar, de Almourol, da Cardiga, do Zêzere e de Ródão e, a sul do Tejo, o de Nisa e o de Alpalhão);
3) fronteira leste, confinando com o Reino de Leão e Castela (castelos de Mogadouro e de Penas Róias, em Trás-os-Montes, os de Longroiva, de Vila de Touro, de Penha Garcia, de Monsanto, de Salvaterra do Extremo, de Segura, de Rosmaninhal, na região da Beira Baixa, e o de Montalvão, a sul do Tejo);
4) Beira, constituindo uma zona de grande instabilidade e pouco povoada (cidade de Idanha-a-Velha, castelos de Penamacor, de Castelo Novo, de Bemposta, de Proença-a-Velha, de Castelo Branco e de Idanha-a-Nova).
Verifica-se uma maior concentração de castelos templários no vale do Tejo, na fronteira leste e na região da Beira, sendo estes últimos de construção mais tardia, visto a prioridade da ordem ter incidido compreensivelmente na defesa das regiões de fronteira. Por outro lado, é quase inexistente a sul do Tejo, já que aí a Reconquista esteve especialmente a cargo da Ordem de Avis e da Ordem de Santiago.
Vários destes castelos já existiam anteriormente, tendo a Ordem do Templo procedido à sua reforma e/ou reconstrução, conservando ainda atualmente estruturas primitivas mais ou menos significativas, como os castelos de Soure, de Longroiva e de Idanha-a-Velha. Mas a maioria seria construída de raiz, ainda que, por vezes, sobre estruturas fortificadas anteriores, como Tomar e Monsanto.
Implantam-se em locais estratégicos, com grande domínio visual sobre a zona envolvente, em outeiros ou locais sobrelevados, sobre constituições rochosas, das quais se consegue tirar o maior partido defensivo. O Castelo de Soure e a vila fortificada de Idanha-a-Velha seriam os únicos a surgir em planícies e locais planos, contudo ambos constituem fortificações mais antigas, de que se preservou grande parte da estrutura. De um modo geral, esses castelos seguem o modelo típico do Norte, com uma pequena estrutura muralhada e pátio de dimensões exíguas, à exceção do Castelo de Tomar, que segue o modelo das fortificações típicas do Sul, composto por almedina, pátio e alcáçova.
Tipologicamente, identificam-se três tipos de castelos:
1) Castelo formado por recinto muralhado simples (Ega, Vila do Touro e, eventualmente, Redinha);
2) Castelo formado por recinto muralhado reforçado por torres e/ou cubelos e possuindo torre de menagem (a grande maioria dos castelos templários);
3) Castelo tipo “mota”, formado por uma torre disposta em plano sobrelevado, com piso superior em madeira, edificada no cimo de um monte artificial, criado com a acumulação de materiais, resultante da escavação da área envolvente, de planta circular, que era cercada por paliçada. Esta tipologia até agora não estava identificada em Portugal (Bemposta).
Dada a ausência de descrições ou representações gráficas antigas, ou do grau de destruição, alguns castelos não podem ser definidos tipologicamente, como por exemplo os de Rosmaninhal, de Ozêzere, e até de Montalvão, dado que, por este não ter sido concluído, não se sabe se uma das torres corresponderia à de menagem, o que parece improvável.
Detentores de profundos conhecimentos das táticas de guerra e da arquitetura militar, fruto do contacto com as fortificações do Próximo Oriente, nomeadamente por parte do mestre Gualdim Pais, os Templários manifestarão nos castelos construídos toda a sua mestria, sendo responsáveis, segundo Mário Barroca, pelos castelos mais sofisticados ao longo do século XII. Serão também responsáveis pela introdução de alguns aspetos inovadores na arquitetura militar, os quais serão progressivamente adaptados e difundidos, ao longo da Idade Média.
Uma das principais inovações nos castelos românicos será a introdução da torre de menagem, disposta isoladamente no interior do pátio da fortificação, no local mais alto, e, quando possível, sobre afloramentos rochosos, assegurando o comando de todas as partes do castelo. Os primeiros exemplos, de meados do século XII, estão ligados ao mestrado de Gualdim Pais e são quase todos documentados por inscrições, revelando o caráter excecional da estrutura na época: a mais antiga, torre do Castelo de Tomar (1160), a de Almourol (1171), a de Pombal (1171), a de Penas Róias (1172) a de Longroiva (1174), a de Soure, introduzida na reforma da terceira fase (c. 1171-1175), a de Monsanto, atualmente inexistente, mas ainda desenhada por Duarte de Armas, a de Mogadouro, sensivelmente contemporânea da de Penas Róias, a de Vila Velha de Ródão, a de Salvaterra do Extremo, a de Castelo Novo e a de Idanha-a-Nova.
Nos castelos de construção mais tardia, ou com reformas góticas, normalmente relacionadas com as de D. Dinis, mas nem sempre percetíveis se são anteriores ou posteriores à extinção da Ordem, a torre de menagem desloca-se para o circuito de muralhas, que passa a integrar, avançando para o exterior. Primeiramente, apresenta ainda planta quadrangular ou retangular - Segura (reformada no século XVI), Alpalhão, Nisa e Penamacor (também reformada no início do século XVI)) - e, depois, passa a ter planta poligonal (Penha Garcia e Castelo Branco, esta já posterior à extinção da ordem). É notório o facto de, ainda no início de Quinhentos, se construírem torres de menagem, como acontecerá no Castelo de Proença-a-Velha, enquanto noutros castelos, como em Soure, esta passa a ser abandonada.
A torre de menagem nos castelos templários tem normalmente três pisos, sendo o piso térreo sem aberturas, aproveitado como cisterna (Longroiva), ou aljube (Segura), e porta sobrelevada, de verga reta ou, predominantemente, em arco, primitivamente acedida por escada móvel que, em caso de perigo, poderia ser removida. No interior, a divisão entre os pisos seria feita essencialmente por estruturas de madeira, sendo as coberturas abobadadas fruto de obras mais tardias (Tomar e Castelo Novo).
A ordem seria também responsável pela introdução do alambor, estrutura pétrea rampeada na zona inferior das muralhas e das torres, que, para além de aumentar a estabilidade dos muros, também dificultava os trabalhos de sapa e de minagem, impedia a aproximação dos engenhos de guerra e torres de assalto e anulava os ângulos mortos, evitando assim que os sitiantes se abrigassem junto aos muros e os escalassem. O alambor seria utilizado para reforçar partes das muralhas (Almourol), de torres (Soure, Segura), das torres de menagem (Pombal, aí conciliado com contrafortes, e Soure), ou a circundar todo o perímetro fortificado, só interrompido nas portas, como nos castelos de Montalvão e de Tomar, constituindo este o exemplo mais notável em Portugal, dada a sua extensão, dimensão e volume.
O terceiro aspeto inovador introduzido pelos Templários terá sido o cadafalso ou hurdício, uma galeria de madeira a coroar as estruturas torreadas, na face externa dos muros, permitindo tiro vertical sobre a base dos mesmos. Surgirá pela primeira vez na torre de menagem do Castelo de Longroiva, sendo atualmente apenas identificável pelos orifícios quadrangulares, dispostos regularmente, onde se fixavam os suportes da sua sustentação.
Para além destas inovações, que se generalizariam nas fortificações portuguesas, houve outros aspetos experimentados pela ordem na construção do Castelo de Almourol que, ao que parece, não se repetiriam. De facto, apesar das suas reduzidas dimensões, o espaço interior surge compartimentado, aproveitando a diferença de cotas de implantação para definir duas áreas independentes: a inferior, sobre a qual era possível fazer tiro a partir de planos superiores, e o pátio superior, de menores dimensões, e integrando a torre de menagem. O recinto inferior possui os topos delimitados por panos de muralha mais elevados que, desprendendo-se do circuito superior do adarve, avançam até às torres dos extremos, funcionando como uma couraça, onde o parapeito é ameado de ambos os lados, permitindo a defesa da guarnição em relação ao exterior e ao pátio inferior. Para além disso, o pátio superior tem, nas frentes, norte e poente, seteiras num nível inferior, com mísulas dispostas inferiormente, talvez de suporte de um outro adarve independente, o que também não é comum.
Desconhece-se como seria o primitivo remate dos castelos, mas, como no início do século XVI os paramentos eram maioritariamente ameados e percorridos no interior por adarve, é possível que assim fosse desde o início. Os castelos tinham associados cisternas, poços ou fontes de água potável, dos quais dependia a capacidade de resistência da sua guarnição ou população a longos cercos. Duarte de Armas representa torres cisternas nos castelos de Idanha-a-Nova e de Segura, mas estas surgem predominantemente inseridas no pátio, por vezes no interior de dependências, como em Penha Garcia, ao nível do solo e escavadas na rocha. A cisterna do castelo de Tomar tinha planta em “V”; Pombal tinha uma cisterna no castelo e uma outra no interior da Igreja de Santa Maria, junto à barbacã; Monsanto tinha uma cisterna no recinto do castelo e outra, muito grande, na vila intramuros; existiam também cisternas nos castelos de Castelo Branco, Salvaterra do Extremo, Penha Garcia e Penamacor, sendo essa hoje denominado de poço d’El Rei.
Autorizada a construir templos nos seus territórios, a ordem irá construir igrejas bem junto aos castelos, como a Igreja de Santa Maria de Finisterra em Soure, de que subsiste apenas a marcação dos seus alicerces, a de Santa Maria e de Nossa Senhora da Conceição, que seriam posteriormente integradas na liça da barbacã de Soure e de Idanha-a-Nova, respetivamente, no interior da vila intramuros, como em Tomar e em Monsanto, ou no interior do recinto do castelo, sendo o de Castelo Branco o único caso.
A caracterização das construções arquitetónicas dos Templários não se esgota neste breve inventário temático sobre os Castelos da Ordem do Templo em Portugal. Pelo contrário, é mais uma súmula das principais características dos castelos que a ordem irá (re)construir, na estrutura mais próxima da sua “fase templária”, apontando, sempre que possível, os aspetos inovadores introduzidos pela ordem, fruto dos conhecimentos absorvidos nas fortificações do Próximo Oriente, e que contribuíram decididamente para o desenvolvimento da arquitetura militar portuguesa.
Paula Noé, 2016
Para saber mais sobre os castelos da Ordem do Templo em Portugal consulte neste site o seguinte artigo: NOÉ, Paula - Os castelos da Ordem do Templo em Portugal. Lisboa: SIPA, 2016.
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Elaborado no âmbito da atualização dos inventários da DGPC, nomeadamente no quadro do património arquitetónico, este inventário integra um total de trinta e um imóveis, um povoado e parte de um conjunto arquitetónico, alvo de proteção legal situados no concelho de Mafra. Na sequência de uma atualização natural dos registos de inventário geográfico, impulsionada pelas comemorações, em 2017, do tricentenário do início da obra do Monumento de Mafra, da entrega do seu dossiê de candidatura para a inscrição na lista indicativa do Património Mundial da Unesco e da revisão da sua classificação como Monumento Nacional, agora de conjunto (Real Edifício de Mafra — Palácio, Basílica, Convento, Jardim do Cerco e Tapada), a seleção destes imóveis tem, assim, como denominador comum uma identidade geográfica e uma unidade administrativa.
Integrado na Área Metropolitana de Lisboa, a noroeste da capital, na denominada região saloia, o atual município de Mafra abrange um território de 291,65 km², marcado por uma geografia acidentada, que se desenvolve entre montes verdejantes, com destaque para a Serra do Socorro, no seu limite nordeste, vales férteis por onde correm vários cursos de água, que permitiram o desenvolvimento de uma área predominantemente agrícola, contribuindo para o abastecimento da capital, e por um litoral de arribas altas e rochosas, de forte componente piscatória. Apresenta um clima temperado e um forte índice de humidade relativa. Habitam-no, atualmente, 76 685 habitantes[i], distribuídos pelas suas onze freguesias, a saber: Azueira e Sobral da Abelheira; Carvoeira; Encarnação; Enxara do Bispo, Gradil e Vila Franca do Rosário; Ericeira; Igreja Nova e Cheleiros; Mafra; Malveira e São Miguel de Alcainça; Milharado; Santo Isidoro; Venda do Pinheiro e Santo Estêvão das Galés. O concelho é delimitado, a norte, pelo município de Torres Vedras, a nordeste, pelo de Sobral de Monte Agraço, a leste, pelo da Arruda dos Vinhos, a sueste, pelo de Loures, a sul, pelo de Sintra, e, a oeste, pelo oceano Atlântico.
Habitado desde as épocas mais remotas, o atual território concelhio apresenta uma grande variedade de testemunhos patrimoniais, num leque temporal que abrange o Paleolítico inferior e segue até à atualidade, sendo a lista daqueles que usufruem de proteção legal o espelho desta mesma diversidade cronológica e tipológica. Assim, na apresentação deste inventário, que mais não é do que um roteiro pelo património classificado do município mafrense, optou-se pela sua divisão pelas diversas tipologias apresentadas, procurando encontrar as suas similitudes e o que possuem de caracterizador, conscientes, porém, de que estas não se esgotam nestes imóveis, nem tão-pouco nos limites concelhios.
I. A arquitetura religiosa
O património arquitetónico religioso é, de longe, o mais representativo de entre o património classificado do município de Mafra. A esta categoria pertencem vinte e dois dos trinta e um imóveis considerados, desde logo, o monumento primaz do município, o Real Edifício de Mafra (Convento/Palácio/Basílica), a que acrescem treze igrejas paroquiais, sete capelas/ermidas e uma igreja de Misericórdia.
1. Convento / Basílica / Palácio de Mafra
Conjunto arquitetónico barroco, de matriz italiana, constituído por palácio real, basílica e convento franciscano, a que se juntam um jardim barroco e uma tapada real, construído ininterruptamente entre 1717 e 1744, por iniciativa e sob estreita supervisão de D. João V (1689 – 1750), segundo projeto original do arquiteto João Frederico Ludovice (1673 – 1752), que terá contado com projetos parciais, elaborados no decurso da obra, como forma de responder aos sucessivos aumentos, sem, no entanto, nunca perder uma invulgar coerência e harmonia construtiva. Habitualmente comparado com o Mosteiro do Escorial, perto de Madrid, o complexo de Mafra surge, antes de mais, como uma impressionante afirmação do poder absoluto, do Império Português e da legitimação da Casa de Bragança.
Apresenta um programa arquitetónico único, conseguido a partir de uma planta poligonal, composta pela justaposição de dois grandes corpos retangulares, um principal, a ocidente, que comporta o paço real e a basílica, e um secundário, a nascente, que abrange o antigo palácio dos infantes e o convento. A fachada principal está orientada a ocidente, desenvolvendo-se numa extensão total de 220 metros, simetricamente a partir da basílica, que ocupa o seu pano central, interrompendo e, simultaneamente, unificando os palácios do rei (a norte) e da rainha (a sul), através da Sala da Bênção, destinada ao soberano, que abre sobre o terreiro frontal e sobre a nave, assumindo o seu papel de basílica patriarcal e de capela real. É rematada por dois grandes torreões monumentais, claramente influenciados por aquele que Filipo Terzi havia desenhado para o lisboeta Paço da Ribeira. As imponentes fachadas palacianas apresentam um classicismo rigoroso, de grande sobriedade. Ao centro, a fachada da basílica, monumental, observa uma cuidadosa interpretação das ordens, a toscana nas colunas de acesso à galilé, a compósita da fachada da igreja e a ladear o portal de acesso. As torres sineiras, altas, elegantes e com um dinamismo que lhe é transmitido pelo jogo de côncavo/convexo, a cúpula e o lanternim denotam um barroco de influência “borrominiana”. Interiormente, a residência palaciana apresenta uma funcionalidade de organização vertical, cozinhas na cave, despensas e ucherias no piso térreo, o primeiro piso/piso nobre destinado à família real, o segundo piso aos camaristas e membros da corte, e a mansarda aos criados, sendo as salas ocidentais do andar nobre reservadas às funções sociais, os torreões aos aposentos privados e as alas norte e sul à vivência quotidiana, no final destas estavam os aposentos dos infantes. A basílica apresenta planta em cruz latina com os braços e a abside em semicírculo, composta por galilé retangular, nave única, com seis capelas laterais retabulares, profundas, intercomunicantes, transepto saliente servido de duas capelas retabulares, duas capelas absidais, também retabulares, e capela-mor profunda. Na sua volumetria destaca-se o zimbório que se ergue sobre tambor vazado por oito janelas, com molduras profusamente trabalhadas e a grande cúpula. Ricamente decorada, a igreja apresenta-se como um “templo todo de mármore”, em que este material está presente na cobertura da nave, em abóbada de berço, no cruzeiro e cúpula do zimbório, nas colunas e arcos de acesso às capelas laterais, na capela-mor e capelas do transepto com cobertura em abóbada de aresta; no pavimento, de calcário rosa, preto e branco, formando elementos florais estilizados; nos retábulos, feitos à romana e nas cinquenta e duas estátuas de vulto de encomenda italiana. Ao mármore aliam-se os metais e as telas com pintura a óleo. Toda a decoração da basílica foi cuidadosamente encomendada e elaborada para o local, onde só se empregaram materiais nobres, sendo de notar a ausência total de talha dourada tão usual no barroco joanino nacional. O edifício conventual desenvolve-se em torno de um grande claustro, o jardim de buxo, merecendo realce a sua botica e as enfermarias, o Campo Santo e a sua capela, o corredor das aulas e a Sala dos Atos Literários, para além do grande refeitório e da elegante Sala do Capítulo. No entanto, na área conventual, o principal destaque vai para magnifica biblioteca, ou Real Livraria de Mafra, desenhada por Manuel Caetano de Sousa (1738 – 1802), com planta em cruz latina, cobertura de caixotões em mármore branco, pavimento em mármore axadrezado rosa, preto e branco, e com elegantes estantes rococó em talha branca.
2. Igrejas paroquiais
As igrejas paroquiais constituem o principal conjunto de monumentos deste inventário. A organização paroquial do território, efetuada após a Reconquista Cristã, levou à fundação de igrejas em quase todas as atuais sedes de freguesia do concelho, durante os séculos 13 e 15. No entanto, apenas a Igreja de Santo André, antiga paroquial da vila de Mafra, mormente após o restauro efetuado pela Direção-Geral do Edifícios e Monumentos Nacionais na década de trinta do século 20, conserva a sua estrutura tardomedieval. Trata-se de um templo gótico arcaizante, com portais em alfiz, interior escassamente iluminado a partir de frestas nas naves colaterais e de rosáceas nas paredes testeira e fundeira da nave central. É composta por três naves, separadas por arcadas baixas assentes em largas colunas, com capitéis de decoração fitomórfica e capela-mor abobadada com abside poligonal e iluminada por elegante fresta trilobada na sua parede testeira. É possível que este modelo se tenha reproduzido noutras igrejas concelhias, como as de São Miguel de Alcainça, ou de São Miguel do Milharado, ambas com vestígios que permitem supor que seriam inicialmente templos de três naves. Também na Igreja Paroquial de Cheleiros é possível identificar elementos construtivos medievais, como seja o portal gótico, em arco quebrado, em alfiz.
As igrejas do concelho, mesmo as de fundação medieva, sofreram quase todas campanhas construtivas posteriores, por vezes mesmo de reconstrução, que em muito as alteraram. A primeira destas campanhas terá ocorrido logo no reinado de D. Manuel I (1469 - 1521), sendo muitos os vestígios de uma decoração de gramática manuelina em vários imóveis mafrenses. Este estilo ornamental é visível nos portais das igrejas paroquiais de Santo André de Mafra, Nossa Senhora do Reclamador de Cheleiros (com pia de água-benta incrustada), São Miguel do Milharado e Nossa Senhora da Conceição de Igreja a Nova; nos arcos triunfais de Nossa Senhora do Reclamador de Cheleiros e de Santo Isidoro; nas abóbadas das capelas-mores de Santo André, Nossa Senhora do Reclamador de Cheleiros, Nossa Senhora da Assunção de Enxara do Bispo, São Miguel de Alcainça e São Miguel do Milharado; ou em pias batismais e de água-benta de Nossa Senhora do Reclamador de Cheleiros, Nossa Senhora da Assunção da Enxara do Bispo, Nossa Senhora da Conceição de Igreja a Nova, São Miguel de Alcainça, etc.
Ainda do século 16 e da centúria seguinte datam as grandes obras de ampliação dos templos, que passam a ser (todos à exceção de Santo André de Mafra) de nave única, abobadada, ou tripartida em teto de masseira, e uniformemente iluminada, e de enriquecimento do interior dos mesmos, que, por estas datas, recebem obras de pintura, revestimentos azulejares e imagética.
A construção do Monumento de Mafra, obra cimeira do reinado de D. João V (1689 - 1750), que decorreu a partir de 1717, tornando-se uma “escola” para a arte de construir, foi um dado marcante do início do século 18 no concelho, que se pode replicar em alguns elementos construtivos de algumas das paroquiais do atual município, particularmente na imponente galilé da paroquial de Vila Franca do Rosário (que, todavia, possivelmente pelos danos do sismo setecentista, haveria de ficar inconclusa) ou na fachada principal da paroquial da Encarnação.
Por último, e ainda relativamente às paroquiais de Mafra, não podemos esquecer os grandes danos sofridos pelo terramoto de 1 de novembro de 1755 e a necessidade de, para satisfazer o culto, reerguer aceleradamente os templos, cuja feição atual é, essencialmente, marcada pelo tardobarroco pós-terramoto. Nesta situação encontram-se as paroquiais de São Pedro dos Grilhões da Azueira e de São Silvestre do Gradil.
Todavia, não obstante todas as alterações sofridas no decurso dos séculos, podemos encontrar algumas semelhanças planimétricas entre as várias paroquiais: edifícios caracterizados por um exterior de tratamento arquitetónico austero, com galilé diante da fachada principal, podendo, por vezes estender-se às laterais, e por um interior organizado segundo um esquema planimétrico básico, de nave única e capela-mor, a que se adossam, lateralmente, os corpos da sacristia e de outros pequenos anexos; fachadas simples, rematadas em friso e beirado simples, sendo a principal, normalmente, terminada em empena triangular (por vezes curva), rasgada a eixo pelo portal encimado por vão retilíneo, e ladeada por uma ou duas torres sineiras, geralmente com cobertura em domo bolboso e com fogaréus nos acrotérios; interior de nave única, com maior ou menor riqueza decorativa, cobertura abobadada ou tripartida em masseira na nave, e em abóbada na capela-mor, iluminada uniformemente por janelas retilíneas rasgadas nas fachadas principal e lateral direita; coro-alto adossado à parede fundeira, sobre batistério; púlpito ao centro da nave, arco triunfal por vezes flanqueado por retábulos colaterais e capela-mor com parede testeira antecedida por retábulo expositivo.
3. Capelas e ermidas
Marcos da religiosidade popular, por todo o território nacional foram erguidas, durante todo o Antigo Regime, pequenas ermidas/capelas em local de romaria com origem em lenda fundacional, muitas destas dotadas de albergaria de apoio aos peregrinos que aí mantém a devoção. O território abrangido pelo atual concelho de Mafra não é aqui exceção, sendo que a este grupo pertencem as ermidas de Nossa Senhora do Codaçal, em Sobral da Abelheira; de São Julião, na Carvoeira; de Santa Cristina, na Azueira; e de Nossa Senhora do Socorro, na serra homónima, junto ao Gradil. Estes monumentos mantêm-se afetos ao culto, prosseguindo a funcionalidade para que foram criados, agora sem que as albergarias de apoio a peregrinos se mantenham em funções.
De entre o grupo das pequenas ermidas ocupam um papel especial, as ermidas do Espírito Santo, erigidas nos núcleos urbanos. Estas desempenham um papel fundamental na assistência às populações locais (garantindo alimento, acolhimento e tratamento), a peregrinos e viajantes. No concelho de Mafra terão existido ermidas do Espírito Santo com albergaria ou hospital anexo, nos locais de Asseiceira Grande, Azueira, Cheleiros, Enxara do Bispo, Ericeira, Gradil, Igreja Nova, Mafra e São Miguel de Alcainça. Destas não chegaram aos nossos dias as de Mafra (demolida já no século 20), da Ericeira, que terá sido substituída pela Igreja da Santa Casa da Misericórdia, também com hospital anexo, de fundação seiscentista, e a do Gradil, para a qual não existem quase notícias. Das remanescentes ermidas apenas fazem parte deste inventário as de Cheleiros e de São Miguel de Alcainça, por apenas estas serem alvo de proteção legal. Estes templos mantêm-se em atividade, funcionando como capelas mortuárias. No entanto, das albergarias anexas, provavelmente construídas em material mais perecível, apenas resta notícia e, no caso de Cheleiros, o portal setecentista erguido na Rua do Espírito Santo.
Em todas estas pequenas capelas podemos encontrar algumas características comuns: templos de pequenas dimensões e de feição rústica, que apresentam um exterior de tratamento arquitetónico austero, e uma planta, normalmente de orientação canónica, que se desenvolve segundo um esquema planimétrico básico composto pela articulação axial da nave única retangular, que pode ser precedida de galilé alpendrada, e capela-mor, mais estreita, quase quadrangular, a que se adossa, do lado esquerdo, o retângulo da sacristia, com porta independente de acesso ao exterior e com a mesma orientação do portal principal; fachadas rebocadas e caiadas a branco, muito sóbrias, percorridas, ou por soco e cunhais de cantaria, ou por faixa pintada a amarelo ocre ou azul cobalto; fachadas principal e posterior em empena triangular encimadas por cruz pétrea, sendo a principal rasgada axialmente por portal, manuelino encimado por óculo, ou de verga reta e moldura de alvenaria simples encimado por pequena janela retilínea servida de gradeamento; as fachadas laterais são rasgadas por vãos retilíneos com molduras simples de cantaria e rematadas por cornija saliente; cobertura telhada a duas águas. Interiormente, apresentam nave única com cobertura tripartida de madeira e capela-mor com cobertura em abóbada de berço.
Por último, no conjunto das pequenas capelas é de referir a hexagonal Capela de São Sebastião, na Ericeira, que marca o limite quinhentista desta povoação piscatória, erguida para a proteção do povoado em época de peste. Apresenta uma planta de características bastante inusuais para a região, resultante da articulação de um corpo inicial hexagonal, nave e capela-mor, e de um corpo retangular, acrescido posteriormente, para sacristia e dependências anexas. Exteriormente, mantém a feição rústica habitual, com as suas fachadas caiadas de branco. A sua cobertura é em domo hexagonal, com pináculos em forma de pinha no topo, na nave e capela-mor. Interiormente, apresenta as suas paredes murárias e a cúpula totalmente revestidas a azulejo de tapete de padrões seiscentistas.
4. Igreja de Misericórdia
Igreja da Misericórdia da Ericeira, barroca, foi construída em finais do século 17 ou inícios do 18, no local de uma antiga ermida do Espírito Santo e edifício da antiga enfermaria seiscentista adossado a sul. Integra-se, também ela, no conjunto de pequenas igrejas da denominada região saloia, apresentando características afins dos restantes imóveis, como um exterior de tratamento arquitetónico austero e um esquema planimétrico interior básico, resultado da articulação dos corpos da nave, capela-mor e sacristia, do pequeno corpo quadrangular da torre sineira, e, para sul, dos corpos das dependências anexas à sacristia e à enfermaria. Destaca-se neste imóvel o programa decorativo predominantemente tardobarroco, executado a partir de meados do século 18 e complementado por uma campanha decorativa oitocentista, já de gosto neoclássico. As dependências do antigo hospital servem hoje de arquivo-museu.
II. Arquitetura residencial
De entre os imóveis selecionados para inventário, ou seja, os classificados do concelho de Mafra, existem dois exemplares de arquitetura residencial.
1. Uma quinta barroca
Quinta do Pato, na Azueira. Casa senhorial com capela anexa, inserida em propriedade agrícola, construída por ordem dos morgados da Bandalhoeira na primeira metade do século 18. Apresenta a racionalidade própria de uma quinta barroca, quer na sua austera e elegante decoração, quer na disposição funcional articulando, o acesso ao solar com as dependências de apoio ao trabalho agrícola, em torno de um pátio retangular à face da rua, que também permite um acesso independente à capela da casa. A organização interior dos espaços será também a característica dos solares barrocos, estando o primeiro piso reservado às áreas de serviço, com entrada igualmente pela fachada sul, por porta de verga curva. O piso nobre, segundo piso, é servido de átrio, reservando para a zona virada à rua, as áreas sociais e, para as fachadas poente e noroeste, as áreas privadas, incluindo o acesso interno à capela. Apresenta pinturas murais a decorar paredes e tetos das áreas sociais.
2. Casa pombalina
Edifício da Praça da República, na Ericeira. Casa de habitação unifamiliar construída, muito provavelmente, no início do século 19, apresentando ainda as características da casa de habitação pombalina. Com planta retangular, simples, com dois pisos escalonados sobre loggia. As fachadas denotam uma grande sobriedade e bom desenho, são percorridas por soco saliente, apresentando, igualmente, cornija saliente. A fachada principal orientada a norte, para a praça, de que ocupa o topo sul, animada pelo rasgamento a eixo de uma porta de verga reta, é ladeada por duas janelas de peito, sendo os três vãos sobrepujados por três janelas de peito, e, na cobertura, ao centro por uma trapeira. A poente, a fachada lateral esquerda apresenta um corpo avançado ao nível do primeiro piso, rasgado por uma loggia formada por cinco arcos de volta perfeita. O segundo piso é rasgado em terraço coberto por alpendre apoiado em colunas toscanas.
III. Arquitetura judicial
A par dos forais, os pelourinhos, ou picotas, surgem como um marco da independência administrativa de uma vila, ou cidade, assinalando que as mesmas eram detentoras de privilégio. No reinado de D. Manuel I, a reforma dos forais e a atribuição de forais novos foi acompanhada do direito a possuir pelourinho. No perímetro do atual concelho de Mafra não é conhecido nenhum pelourinho senhorial, havendo apenas notícia de atributos municipais. Assim, encontram-se pelourinhos nas vilas de Mafra, da Ericeira e de Enxara dos Cavaleiros, e memória de um pelourinho em Cheleiros (encontra-se fragmentado), todos eles classificados desde 1933.
IV. Arquitetura de transportes
A ponte antiga de Cheleiros, de origem medieva, é o único imóvel desta categoria abrangido pelo presente inventário. É uma ponte de arco único, de volta perfeita, constituído a partir de silhares bem aparelhados, indiciadores de uma primeva construção romana. Apresenta, todavia, um tabuleiro em cavalete, em rampa ascendente, guardas murárias em aparelho miúdo rebocado e pavimento, que seria inicialmente em pedra aparelhada, hoje de seixo rolado, indicadores de uma construção medieval.
V. Arquitetura militar
Neste inventário foram considerados, nesta tipologia, o Forte de Milreu, classificado desde 1977, e, parcialmente, o conjunto formado pelas 1.ª e 2.ª Linhas de Defesa a Norte de Lisboa durante a Guerra Peninsular, também conhecido como Linhas de Torres Vedras, que se encontra em vias de classificação.
1. Forte de Milreu
Trata-se de uma fortificação moderna, com características maneiristas, construída no final do terceiro quartel do século 17, para guarnecimento da linha de costa, alvo de constantes ataques de corsários e piratas, nomeadamente para defesa do porto piscatório da Ericeira e da sua povoação, seguindo os princípios da escola francesa. Apresenta uma planta retangular, composta por bateria em esplanada, cortinas em talude rematado em parapeito com cinco canhoneiras, duas guaritas de corpo cilíndrico e cobertura cónica, localizadas sobretudo no remate, e baluartes virados a terra, defendendo a entrada norte do forte, contra o ataque de forças terrestres desembarcadas.
2. Linhas de Torres Vedras
Erguidas entre 1809 e 1812 no contexto da Guerra Peninsular, com o objetivo de proteger a entrada em Lisboa aquando da terceira invasão francesa, constituem um notável sistema defensivo formado por três linhas de defesa, que integram um total de 152 redutos, 600 peças de artilharia, um sistema de comunicações com postos de sinais, estendendo-se por mais de 88 quilómetros. Deste conjunto, que se notabiliza como sendo um dos grandes empreendimentos da nossa história contemporânea, e uma das mais impressionantes e eficazes obras defensivas de todos os tempos, 99 redutos encontram-se atualmente em vias de classificação, sendo 28 destes localizados no concelho de Mafra, quatro dos quais são, atualmente, visitáveis (fortes Grande, Pequeno, do Zambujal, da Feira e do Juncal). Pertencentes na sua maioria à 2.ª linha de defesa, a qual se iniciava no Tejo, a norte da Póvoa de Santa Iria, atravessava Montachique e Mafra, e terminava na zona da Ericeira, junto à foz do rio Safarujo.
Cada uma destas obras militares encontrava-se adaptada à configuração do terreno e diferenciava-se no tamanho, na forma (variação do número de lados do polígono) e no poder de fogo. Construídos em terra e alvenaria de pedra, os redutos apresentavam parapeitos de 5 pés de altura (cerca de 1,50 m) e banquetas, eram rodeados por um fosso com 15 pés de largura (cerca de 4,50 m) e 10 pés de profundidade (cerca de 3 m) e protegidos por paliçadas, encontrando-se ainda reforçados por pedras, troncos e trincheiras.
VI. Arqueologia
É de entre os vários testemunhos das primeiras sociedades camponesas, que surge o último registo deste inventário: o povoado do Penedo do Lexim,descoberto por Estácio da Veiga (1828-1891), no último quartel do século 19 e alvo de classificação em 1982. Localizado na atual união de freguesias de Igreja a Nova e Cheleiros, o Penedo de Lexim resulta do brusco arrefecimento do magma de uma antiga chaminé vulcânica, e da formação de vários blocos prismáticos que criam uma espécie de “castelo natural”, que irrompe por entre a vegetação, sobranceiro aos terrenos agrícolas junto à ribeira de Cheleiros. Estavam assim criadas as condições ideais para aí se instalar uma pequena comunidade agro-pastoril, que aqui deixou vestígios da sua atividade, como, fragmentos de metalurgia do cobre e de cerâmica (decorada com folha de acácia, caneluras largas e motivos geométricos, e, ainda, posteriores exemplares com carenas acentuadas e vasos de colo alto), além de componentes pertencentes a "queijeiras" e pesos de tear.
Paula Tereno 2018
[i] Censos 2011. Resultados Definitivos. Lisboa: INE, 2012, p. 96
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