Os Castelos da Ordem do Templo em Portugal – Um Percurso

Portugal continental
 

O presente Inventário Temático sobre os Castelos da Ordem do Templo procura traçar brevemente a evolução da Ordem em Portugal, desde o seu estabelecimento até à sua extinção, e as principais características apresentadas por vinte oito castelos construídos, dois deles transformados em paço dos comendadores muito cedo, e quatro deles já desaparecidos. Não pretende descrever, como um todo, os castelos que, em determinado momento, estiveram na posse da Ordem, mas destaca a construção templária primordial, ainda assim tão falível dadas as constantes reconstruções de que foram alvo.

De facto, os castelos serão a tipologia arquitetónica que mais obras de adaptação e reformas teve ao longo do tempo e, simultaneamente, a que sofreu maior índice de destruição. A maioria dos castelos teve reformas posteriores, para adaptação à evolução das técnicas de guerra e à pirobalística, ou para melhorar as suas condições de defesa e de habitabilidade. Destacam-se, por exemplo, a construção de cercas urbanas associadas, as barbacãs da porta ou extensas, a abertura de troneiras ou a construção de paços à volta da torre de menagem, no interior do recinto. A descrição dos castelos nos tombos da Ordem de Cristo da primeira década do século XVI e a sua representação por Duarte de Armas documentam essa mesma evolução e, por vezes, constituem os mais antigos testemunhos conhecidos dos mesmos.

Nos séculos XVII e XVIII, muitos castelos templários voltaram a ter importância estratégica, dada a sua proximidade com Espanha ou a sua implantação numa zona de fácil penetração inimiga. Tais factos, levarão a novas alterações no castelo medieval, ou à sua destruição, ou ainda à construção de uma fortificação de tipo “moderno” a envolver o castelo e / ou a cerca urbana medieval, durante a Guerra da Restauração (1640-1668), aquando da Guerra da Sucessão de Espanha (1704) ou até no decurso das Invasões Francesas (1807-1814). No entanto, nenhuma destas transformações operadas nos castelos da Ordem do Templo será considerada neste inventário temático, remetendo-se para o registo de inventário SIPA o conhecimento da evolução posterior e total de cada castelo.

 
 

Descrição

A Ordem do Templo foi fundada em Jerusalém, em 1118 ou 1119, por um grupo de nove cavaleiros franceses, para a defesa e proteção dos peregrinos que visitavam a Terra Santa. Designados inicialmente Pauperi Equites Christi ou Militia Christi, passam a denominar-se Milites Templo, após o rei Balduíno II lhes ter doado uma parte da sua residência, identificada com o antigo Templo de Salomão.

Em Portugal, o processo da Reconquista facilitará o estabelecimento das ordens militares, já que o ideal e o objetivo da Cruzada coincidiam no combate aos infiéis. A presença da Ordem do Templo está documentada no território nacional desde 1128, correspondendo à data da aprovação da sua regra e da expansão para ocidente da Europa, assumindo um papel de grande importância na evolução da arquitetura militar e na defesa do reino, especialmente nos séculos XII e XIII.

No início do século XIV surge uma campanha de difamação e de perseguição contra a Ordem do Templo, fomentada pelo rei de França, D. Filipe IV, o que leva o papa Clemente V a ordenar uma inquirição geral em todos os países para avaliação dos bens e comportamentos dos freires.

D. Dinis inicia uma série de medidas políticas centralizadoras, procurando evitar a possível apropriação dos bens dos Templários, por estranhos ou pela Ordem do Hospital e, paralelamente, alia-se aos reis ibéricos, comprometendo-se a auxiliarem-se mutuamente, caso o papa pretendesse apoderar-se dos bens dos Templários.

A Ordem do Templo seria extinta, em 1312, pela bula Vox clamantis, datada de 22 de março, e, pela bula Ad providam, de 2 de maio. O papa Clemente V transfere todos os seus bens para a Ordem do Hospital, exceto os de Portugal, de Castela, de Aragão e de Maiorca, os quais ficariam na posse interina dos monarcas, até o conselho decidir qual o seu destino. A pedido de D. Dinis, o papa João XXII, pela bula Ad ea ex quibus, de 14 de março de 1319, institui a Ordem dos Cavaleiros de Cristo, ou a Ordem de Cristo, como sucedânea da Ordem do Templo, para quem passam os seus bens.

Desde o início, a Ordem do Templo teve o apoio da Coroa, destacando-se o número de doações recebidas durante o reinado de D. Afonso Henriques, tendo alcançado o seu período áureo durante o mestrado de D. Gualdim Pais (1157-1195), grande impulsionador e empreendedor da milícia. A expansão da ordem no território nacional esteve intimamente ligada ao avanço da Reconquista para o Sul, o que se refletirá nas terras recebidas, em zonas de fronteira, ou que permitiam dominar importantes vias de comunicação, e na linha de castelos que (re)construiriam, interligadas por atalaias, podendo identificar-se quatro grandes zonas ocupadas pelos Templários:

1) região a sul de Coimbra, formando uma zona tampão e permitindo controlar os acessos meridionais à cidade, elevada a capital do reino até 1131 (castelos de Soure, de Ega, de Redinha e de Pombal);

2) vale do Tejo, constituindo primeiramente uma linha de penetração e depois, durante a segunda metade do século XII, uma linha estável de ocupação (castelos de Ceras, de Tomar, de Almourol, da Cardiga, do Zêzere e de Ródão e, a sul do Tejo, o de Nisa e o de Alpalhão);

3) fronteira leste, confinando com o Reino de Leão e Castela (castelos de Mogadouro e de Penas Róias, em Trás-os-Montes, os de Longroiva, de Vila de Touro, de Penha Garcia, de Monsanto, de Salvaterra do Extremo, de Segura, de Rosmaninhal, na região da Beira Baixa, e o de Montalvão, a sul do Tejo);

4) Beira, constituindo uma zona de grande instabilidade e pouco povoada (cidade de Idanha-a-Velha, castelos de Penamacor, de Castelo Novo, de Bemposta, de Proença-a-Velha, de Castelo Branco e de Idanha-a-Nova).

Verifica-se uma maior concentração de castelos templários no vale do Tejo, na fronteira leste e na região da Beira, sendo estes últimos de construção mais tardia, visto a prioridade da ordem ter incidido compreensivelmente na defesa das regiões de fronteira. Por outro lado, é quase inexistente a sul do Tejo, já que aí a Reconquista esteve especialmente a cargo da Ordem de Avis e da Ordem de Santiago.

Vários destes castelos já existiam anteriormente, tendo a Ordem do Templo procedido à sua reforma e/ou reconstrução, conservando ainda atualmente estruturas primitivas mais ou menos significativas, como os castelos de Soure, de Longroiva e de Idanha-a-Velha. Mas a maioria seria construída de raiz, ainda que, por vezes, sobre estruturas fortificadas anteriores, como Tomar e Monsanto.

Implantam-se em locais estratégicos, com grande domínio visual sobre a zona envolvente, em outeiros ou locais sobrelevados, sobre constituições rochosas, das quais se consegue tirar o maior partido defensivo. O Castelo de Soure e a vila fortificada de Idanha-a-Velha seriam os únicos a surgir em planícies e locais planos, contudo ambos constituem fortificações mais antigas, de que se preservou grande parte da estrutura. De um modo geral, esses castelos seguem o modelo típico do Norte, com uma pequena estrutura muralhada e pátio de dimensões exíguas, à exceção do Castelo de Tomar, que segue o modelo das fortificações típicas do Sul, composto por almedina, pátio e alcáçova.

Tipologicamente, identificam-se três tipos de castelos:

1) Castelo formado por recinto muralhado simples (Ega, Vila do Touro e, eventualmente, Redinha);

2) Castelo formado por recinto muralhado reforçado por torres e/ou cubelos e possuindo torre de menagem (a grande maioria dos castelos templários);

3) Castelo tipo “mota”, formado por uma torre disposta em plano sobrelevado, com piso superior em madeira, edificada no cimo de um monte artificial, criado com a acumulação de materiais, resultante da escavação da área envolvente, de planta circular, que era cercada por paliçada. Esta tipologia até agora não estava identificada em Portugal (Bemposta).

Dada a ausência de descrições ou representações gráficas antigas, ou do grau de destruição, alguns castelos não podem ser definidos tipologicamente, como por exemplo os de Rosmaninhal, de Ozêzere, e até de Montalvão, dado que, por este não ter sido concluído, não se sabe se uma das torres corresponderia à de menagem, o que parece improvável.

Detentores de profundos conhecimentos das táticas de guerra e da arquitetura militar, fruto do contacto com as fortificações do Próximo Oriente, nomeadamente por parte do mestre Gualdim Pais, os Templários manifestarão nos castelos construídos toda a sua mestria, sendo responsáveis, segundo Mário Barroca, pelos castelos mais sofisticados ao longo do século XII. Serão também responsáveis pela introdução de alguns aspetos inovadores na arquitetura militar, os quais serão progressivamente adaptados e difundidos, ao longo da Idade Média.

Uma das principais inovações nos castelos românicos será a introdução da torre de menagem, disposta isoladamente no interior do pátio da fortificação, no local mais alto, e, quando possível, sobre afloramentos rochosos, assegurando o comando de todas as partes do castelo. Os primeiros exemplos, de meados do século XII, estão ligados ao mestrado de Gualdim Pais e são quase todos documentados por inscrições, revelando o caráter excecional da estrutura na época: a mais antiga, torre do Castelo de Tomar (1160), a de Almourol (1171), a de Pombal (1171), a de Penas Róias (1172) a de Longroiva (1174), a de Soure, introduzida na reforma da terceira fase (c. 1171-1175), a de Monsanto, atualmente inexistente, mas ainda desenhada por Duarte de Armas, a de Mogadouro, sensivelmente contemporânea da de Penas Róias, a de Vila Velha de Ródão, a de Salvaterra do Extremo, a de Castelo Novo e a de Idanha-a-Nova.

Nos castelos de construção mais tardia, ou com reformas góticas, normalmente relacionadas com as de D. Dinis, mas nem sempre percetíveis se são anteriores ou posteriores à extinção da Ordem, a torre de menagem desloca-se para o circuito de muralhas, que passa a integrar, avançando para o exterior. Primeiramente, apresenta ainda planta quadrangular ou retangular - Segura (reformada no século XVI), Alpalhão, Nisa e Penamacor (também reformada no início do século XVI)) - e, depois, passa a ter planta poligonal (Penha Garcia e Castelo Branco, esta já posterior à extinção da ordem). É notório o facto de, ainda no início de Quinhentos, se construírem torres de menagem, como acontecerá no Castelo de Proença-a-Velha, enquanto noutros castelos, como em Soure, esta passa a ser abandonada.

A torre de menagem nos castelos templários tem normalmente três pisos, sendo o piso térreo sem aberturas, aproveitado como cisterna (Longroiva), ou aljube (Segura), e porta sobrelevada, de verga reta ou, predominantemente, em arco, primitivamente acedida por escada móvel que, em caso de perigo, poderia ser removida. No interior, a divisão entre os pisos seria feita essencialmente por estruturas de madeira, sendo as coberturas abobadadas fruto de obras mais tardias (Tomar e Castelo Novo).

A ordem seria também responsável pela introdução do alambor, estrutura pétrea rampeada na zona inferior das muralhas e das torres, que, para além de aumentar a estabilidade dos muros, também dificultava os trabalhos de sapa e de minagem, impedia a aproximação dos engenhos de guerra e torres de assalto e anulava os ângulos mortos, evitando assim que os sitiantes se abrigassem junto aos muros e os escalassem. O alambor seria utilizado para reforçar partes das muralhas (Almourol), de torres (Soure, Segura), das torres de menagem (Pombal, aí conciliado com contrafortes, e Soure), ou a circundar todo o perímetro fortificado, só interrompido nas portas, como nos castelos de Montalvão e de Tomar, constituindo este o exemplo mais notável em Portugal, dada a sua extensão, dimensão e volume.

O terceiro aspeto inovador introduzido pelos Templários terá sido o cadafalso ou hurdício, uma galeria de madeira a coroar as estruturas torreadas, na face externa dos muros, permitindo tiro vertical sobre a base dos mesmos. Surgirá pela primeira vez na torre de menagem do Castelo de Longroiva, sendo atualmente apenas identificável pelos orifícios quadrangulares, dispostos regularmente, onde se fixavam os suportes da sua sustentação.

Para além destas inovações, que se generalizariam nas fortificações portuguesas, houve outros aspetos experimentados pela ordem na construção do Castelo de Almourol que, ao que parece, não se repetiriam. De facto, apesar das suas reduzidas dimensões, o espaço interior surge compartimentado, aproveitando a diferença de cotas de implantação para definir duas áreas independentes: a inferior, sobre a qual era possível fazer tiro a partir de planos superiores, e o pátio superior, de menores dimensões, e integrando a torre de menagem. O recinto inferior possui os topos delimitados por panos de muralha mais elevados que, desprendendo-se do circuito superior do adarve, avançam até às torres dos extremos, funcionando como uma couraça, onde o parapeito é ameado de ambos os lados, permitindo a defesa da guarnição em relação ao exterior e ao pátio inferior. Para além disso, o pátio superior tem, nas frentes, norte e poente, seteiras num nível inferior, com mísulas dispostas inferiormente, talvez de suporte de um outro adarve independente, o que também não é comum.

Desconhece-se como seria o primitivo remate dos castelos, mas, como no início do século XVI os paramentos eram maioritariamente ameados e percorridos no interior por adarve, é possível que assim fosse desde o início. Os castelos tinham associados cisternas, poços ou fontes de água potável, dos quais dependia a capacidade de resistência da sua guarnição ou população a longos cercos. Duarte de Armas representa torres cisternas nos castelos de Idanha-a-Nova e de Segura, mas estas surgem predominantemente inseridas no pátio, por vezes no interior de dependências, como em Penha Garcia, ao nível do solo e escavadas na rocha. A cisterna do castelo de Tomar tinha planta em “V”; Pombal tinha uma cisterna no castelo e uma outra no interior da Igreja de Santa Maria, junto à barbacã; Monsanto tinha uma cisterna no recinto do castelo e outra, muito grande, na vila intramuros; existiam também cisternas nos castelos de Castelo Branco, Salvaterra do Extremo, Penha Garcia e Penamacor, sendo essa hoje denominado de poço d’El Rei.

Autorizada a construir templos nos seus territórios, a ordem irá construir igrejas bem junto aos castelos, como a Igreja de Santa Maria de Finisterra em Soure, de que subsiste apenas a marcação dos seus alicerces, a de Santa Maria e de Nossa Senhora da Conceição, que seriam posteriormente integradas na liça da barbacã de Soure e de Idanha-a-Nova, respetivamente, no interior da vila intramuros, como em Tomar e em Monsanto, ou no interior do recinto do castelo, sendo o de Castelo Branco o único caso.

A caracterização das construções arquitetónicas dos Templários não se esgota neste breve inventário temático sobre os Castelos da Ordem do Templo em Portugal. Pelo contrário, é mais uma súmula das principais características dos castelos que a ordem irá (re)construir, na estrutura mais próxima da sua “fase templária”, apontando, sempre que possível, os aspetos inovadores introduzidos pela ordem, fruto dos conhecimentos absorvidos nas fortificações do Próximo Oriente, e que contribuíram decididamente para o desenvolvimento da arquitetura militar portuguesa.

Paula Noé, 2016

Para saber mais sobre os castelos da Ordem do Templo em Portugal consulte neste site o seguinte artigo: NOÉ, Paula - Os castelos da Ordem do Templo em Portugal. Lisboa: SIPA, 2016.

Tipologia

Arquitetura militar

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