Augusto Carneiro Pacheco (1888- 1962), proprietário da Quinta da Agrela, ainda hoje na posse dos seus descendentes, encomendou uma “Planta topográfica do quintal das propriedades” desta quinta, em outubro de 1935, em cujo rótulo se pode ler: “Planta destinada ao projecto dum parque”.
Encomendou também ao arquiteto Raúl Lino (1879-1974) uma intervenção na casa principal da quinta e um esboço do jardim, que este elaborou entre 1938 a 1940. A memória descritiva do mesmo foi intitulada de “Projeto de ajardinamento da propriedade do Exmo. Sr. Augusto Carneiro Pacheco. Agrela”.
Este esboço, de desenho formal, respeitava o mais possível o declive francamente elevado do terreno já modelado em terraços, corrigindo os muros existentes apenas quando estritamente necessário. Foi estruturado em vários eixos, três dos quais principais, definindo caminhos que se cruzavam. Adaptado à topografia do terreno, os muros eram interrompidos conforme o local por escadório, escadarias ou rampas.
Desta proposta faziam parte uma alameda de árvores que se pretendiam de porte majestoso quando adultas, de espécies como castanheiros ou plátanos, com um dos extremos a partir da casa principal. Integrava também uma zona de bosque de coníferas e vários jardins formais: um jardim de buxo; um roseiral; um jardim de romãzeiras, um labirinto com cerca de 2m de altura e várias pérgulas. Compreendia também um pomar de espinho e um pomar de caroço. Entre os locais de estadia estavam: uma casa de fresco, um pavilhão de chá ou de recreio e um caramanchão. Contam-se ainda neste projeto oito lagos, sendo referida ainda, no jardim junto à casa principal a presença de elementos escultóricos como estátuas, bustos e vasos.
Em agosto de 1940 o arquiteto paisagista Francisco Caldeira Cabral, muito provavelmente por sugestão de Raúl Lino, ambos pertencentes a famílias amigas de longa data, visitou a Quinta da Agrela. Carneiro Pacheco convidou-o a realizar um projeto para um novo assento da lavoura a construir, em virtude de uma alteração do traçado da Estrada Nacional 207, ter obrigado à demolição das construções pré-existentes. Caldeira Cabral, que acumulou na sua atividade profissional com a carreira de arquiteto paisagista a regência da disciplina de Instalações Agrícolas, no Instituto Superior de Agronomia (ISA), aceitou esta proposta sugerindo desde logo fazê-lo em conjunto com o seu colega, o engenheiro agrónomo Carlos Marques de Almeida (1912-1970), também este professor neste Instituto.
Relativamente aos requisitos do projeto Caldeira Cabral afirma “Ao projetar a Casa Agrícola da Agrela tivemos em vista realizar três condições fundamentais: criar uma unidade entre a casa de habitação e as suas instalações agrícolas; construir estas dentro de um critério de economia compatível com as necessidades de representação da casa e que garanta a duração e bom funcionamento da obra e finalmente satisfazer as condições funcionais exigidas por uma boa técnica adaptada à região”.
O projeto destas novas instalações, iniciou-se em 1943 e estendeu-se até 1949. A obra iniciou-se em 1944 e decorreu até ao final deste período. Deste vasto e notável conjunto arquitetónico, fazem parte edifícios como: oficinas, eira, sequeiro, palheiro, pocilga, vacaria, cavalariça, ovil, silo, nitreira, lagares, garrafeiras, armazéns, telheiro, duas residências para trabalhadores, garagens, etc…de uma excelente qualidade técnica e estética, e atualmente em bom estado de conservação, que fazem desta quinta um exemplo assinalável nesta matéria.
Paralelamente ao projeto e construção do novo assento da lavoura da Quinta, em 1945, Caldeira Cabral formaliza um projeto que reúne duas valências: a alteração do traçado da Estrada Municipal do Sobrado e a mudança do “Largo Carneiro Pacheco – Dr. da Agrela (1852-1923)” para o lado oposto da Estrada Nacional 207 esta vez a Sul da mesma, em local anteriormente ocupado por uma antiga eira. O terreno libertado por esta praça aumentou deste modo o perímetro ocupado por este conjunto de edifícios. O referido desvio do trajeto da Estrada do Sobrado, possibilitou que a casa principal tenha deixado de ser limitada por esta a poente e a norte. Desta alteração resultou um enorme benefício, relativamente ao enquadramento paisagístico da mesma, fundamental para a criação de uma nova área de jardim estrategicamente localizada, que afastou significativamente a casa desta estrada.
Estes desvios do traçado das vias envolventes da casa principal da Quinta da Agrela, permitiram a criação de zonas “buffer” arborizadas, com importantes funções amortecedoras da poluição sonora, fixadoras da poluição atmosférica e de barreira visual, amenizando significativamente as adversidades geradas pelo seu tráfico automóvel. As novas vedações erguidas de ambos os lados desta Estrada Nacional, que atravessa a quinta na proximidade desta casa, foram projetados por Raúl Lino, bem como dos novos portões de acesso, quer à casa quer ao novo assento da lavoura. Finalmente em março de 1946 a valeta do novo troço da Estrada Nacional 207 estava recentemente marcada no terreno.
Relativamente à alteração do traçado da Estrada Municipal do Sobrado e à mudança do Largo Carneiro Pacheco, de acordo com o desenho de novembro de 1945, Augusto Carneiro Pacheco pediu a Francisco Caldeira Cabral que desse instruções relativas à construção dos muros de suporte, com vários metros de altura, ao longo do novo troço desta estrada.
Estes muros estabeleceram os limites de um novo jardim a poente da casa principal. Este espaço, projetado entre novembro de 1945 e maio de 1946, procurou satisfazer três condições: isolar a casa e os seus jardins do movimento das estradas, valorizar a vista magnífica sobre a Agra e Vale do Sobrado e adaptar este jardim o melhor possível ao declive acidentado do terreno. Previu a plantação de árvores e arbustos em redor da nova praça, de uma ramada sobre um muro de suporte a erguer junto ao novo trajeto da Estrada do Sobrado, um miradouro no extremo sul deste jardim e a construção de um jardim formal constituído por oito canteiros em posição simétrica quatro a quatro e lago redondo ao centro desta composição; uma pérgula que percorria um espaço intermédio de ligação para um nível inferior no qual se localizava um grande tanque com a função de espelho de água, de planta quadrangular (6mx12m), que albergava uma plantação de nenúfares.
Posteriormente o projeto deste jardim formal evoluiu, por ousadia de Caldeira Cabral e grande satisfação dos proprietários, para um relvado, o então novo elemento de superfície do jardim moderno, separado por caminho curvilíneo de uma orla arbórea e arbustiva. A modernidade deste jardim consiste no facto de à época, contrariamente ao habitual jardim formal em buxo concebido sobretudo para ser apreciado quase exclusivamente a partir do segundo piso, do interior da casa, ter passado a ser encarado como um prolongamento da mesma, constituindo como que uma sala de estar ao ar livre, concretizada num extenso relvado, usufruído nos momentos de recreio da família.
A construção deste jardim teve início em princípios de 1946 e embora existissem já plantas em floração em outubro do ano seguinte, a obra prolongou-se até finais de 47, estando-se então ainda a programar a compra das últimas cameleiras, a plantar em redor do tanque.
Augusto Carneiro Pacheco expressou na sua carta endereçada a Caldeira Cabral a 14 de março de 1946 relativamente às cantarias de pedra a utilizar no novo jardim junto à casa: “Suprimidas - como desejamos – as obras do requinte artístico da pedra (balaustradas, pérgula e tanque central), prevalecendo apenas as de utilidade, em estilo condizente com a cantaria modesta da Casa em si (capeamentos dos muros ou muretes, escadas de comunicação entre os vários planos do seu belo projecto de ajardinamento, etc.) – eu creio que no fim ficaremos, de parte a parte, mais satisfeitos….Satisfeito o meu Amigo, porque o ajardinamento vai ficar de lindo efeito paisagístico. Satisfeito o proprietário, porque o verá concluído muito mais depressa (e muito mais economicamente…) e ainda terá tempo de gozar a sombra (o único juro) do arvoredo que no próximo Outono lá teremos plantado…Claro está que, quanto ao resto, queremos tudo como está no projecto que nos apresentou, devendo os muros e os muretes, como os respectivos bancos, escadas, etc. ser em cantaria de granito no estilo simples da casa, como já lhe pedi. Dos muros e muretes, só o capeamento, já se vê, o resto na nossa alvenaria de chisto. Desculpe a minha “rusticidade”, mande-me o novo projeto (só o conjunto) logo que possa.”
O discurso de Carneiro Pacheco, quer para o jardim quer para as construções agrícolas apelou sempre à sobriedade e ao despojamento do supérfluo. Analisando o esboço de Raúl Lino para o jardim a sul e a nascente da casa principal, com o seu escadório, várias escadarias, pérgulas, oito lagos, casa de fresco e pavilhão de chá ou de recreio, verificamos que este não se coadunava com o espírito e vontade de Carneiro Pacheco, de acordo com a sobriedade da casa, marcadamente funcional e o mais economicista possível, desde mantendo o rigor.
Não é pois de estranhar que na sequência do novo jardim, a norte e a poente da casa, Caldeira Cabral tenha ficado incumbido da realização de um projeto definitivo global incluindo a restante área de jardim, embora Raúl Lino se mantivesse informalmente ligado ao projeto. Este, datado de dezembro de 1946, foi elaborado acordo com os parâmetros já anteriormente referidos pelo proprietário na primeira etapa do jardim, a poente da casa. Incluiu: a norte da casa o tratamento da nova faixa ajardinada; a sul em frente da mesma, um roseiral com canteiros geométricos delimitados por buxo, separados desta por um muro de suporte com cerca de 4 metros de altura e mais abaixo o jardim dos lírios e a nascente a parte utilitária- mais perto da casa o coradouro e o lavadouro, a horta e as capoeiras e mais afastados da mesma os pomares, as estufas e os estufins. O roseiral terá sido o último destes espaços a ser finalizado, sendo que em outubro de 1951, esperava ainda a plantação de algumas das cultivares selecionadas. Foi finalmente concluído em 1954.
Tanto os jardins como a casa agrícola da Quinta a Agrela constituem hoje exemplos de referência, documentados em várias publicações, assumidamente como exemplos de bem construir assente no rigor e conhecimento sustentados, aliados à arte de esculpir a paisagem.
FICHA TÉCNICA
|
Tipo de documento
|
EXPOSIÇÃO VIRTUAL
|
Identificador
|
EXPO 10
|
Título
|
A QUINTA DA AGRELA pelo Arquiteto Paisagista Francisco Caldeira Cabral
|
Responsável(is)
|
Tipo
|
Nome
|
Contacto
|
Autor
|
Teresa Camara
|
tbcamara@dgpc.pt
|
Coordenador
|
Deolinda Folgado
|
dfolgado@dgpc.pt
|
Editor
|
DGPC
|
dgpc@dgpc.pt
|
Versão
|
1.0
|
Estado
|
Definitivo
|
Data(s) de preparação
|
2017
|
Público/Destinatário(s)
|
Público em geral
|
Idioma
|
Português
|
Formato imagens
|
JPG
|
Descrição
|
Exposição fotográfica dos jardins e assento da lavoura da Quinta da Agrela
|
Descritores
|
Arquitetura Paisagista; jardins; modelação do terreno; muros de suporte; assento da lavoura
|
Relação documental
|
Tipo de relação
|
Documento relacionado
|
Documentada em
|
Quinta da Agrela
|
Copyright
|
As versões dos registos e documentos integrantes do SIPA disponibilizadas no sítio www.monumentos.gov.pt podem ser publicamente utilizadas nos termos e condições estabelecidos pela licença pública Creative Commons : CC BY-NC-ND-3.0.
|
Comunicabilidade
|
Acesso livre em linha
|
Data de transmissão /
publicação
|
2019-04-23
|
Local/ endereço de
transmissão /publicação
|
www.monumentos.gov.pt;
|
|
|
|
|
|