Elaborado no âmbito da atualização dos inventários da DGPC, nomeadamente no quadro do património arquitetónico, este inventário integra um total de trinta e um imóveis, um povoado e parte de um conjunto arquitetónico, alvo de proteção legal situados no concelho de Mafra. Na sequência de uma atualização natural dos registos de inventário geográfico, impulsionada pelas comemorações, em 2017, do tricentenário do início da obra do Monumento de Mafra, da entrega do seu dossiê de candidatura para a inscrição na lista indicativa do Património Mundial da Unesco e da revisão da sua classificação como Monumento Nacional, agora de conjunto (Real Edifício de Mafra — Palácio, Basílica, Convento, Jardim do Cerco e Tapada), a seleção destes imóveis tem, assim, como denominador comum uma identidade geográfica e uma unidade administrativa.
Integrado na Área Metropolitana de Lisboa, a noroeste da capital, na denominada região saloia, o atual município de Mafra abrange um território de 291,65 km², marcado por uma geografia acidentada, que se desenvolve entre montes verdejantes, com destaque para a Serra do Socorro, no seu limite nordeste, vales férteis por onde correm vários cursos de água, que permitiram o desenvolvimento de uma área predominantemente agrícola, contribuindo para o abastecimento da capital, e por um litoral de arribas altas e rochosas, de forte componente piscatória. Apresenta um clima temperado e um forte índice de humidade relativa. Habitam-no, atualmente, 76 685 habitantes[i], distribuídos pelas suas onze freguesias, a saber: Azueira e Sobral da Abelheira; Carvoeira; Encarnação; Enxara do Bispo, Gradil e Vila Franca do Rosário; Ericeira; Igreja Nova e Cheleiros; Mafra; Malveira e São Miguel de Alcainça; Milharado; Santo Isidoro; Venda do Pinheiro e Santo Estêvão das Galés. O concelho é delimitado, a norte, pelo município de Torres Vedras, a nordeste, pelo de Sobral de Monte Agraço, a leste, pelo da Arruda dos Vinhos, a sueste, pelo de Loures, a sul, pelo de Sintra, e, a oeste, pelo oceano Atlântico.
Habitado desde as épocas mais remotas, o atual território concelhio apresenta uma grande variedade de testemunhos patrimoniais, num leque temporal que abrange o Paleolítico inferior e segue até à atualidade, sendo a lista daqueles que usufruem de proteção legal o espelho desta mesma diversidade cronológica e tipológica. Assim, na apresentação deste inventário, que mais não é do que um roteiro pelo património classificado do município mafrense, optou-se pela sua divisão pelas diversas tipologias apresentadas, procurando encontrar as suas similitudes e o que possuem de caracterizador, conscientes, porém, de que estas não se esgotam nestes imóveis, nem tão-pouco nos limites concelhios.
I. A arquitetura religiosa
O património arquitetónico religioso é, de longe, o mais representativo de entre o património classificado do município de Mafra. A esta categoria pertencem vinte e dois dos trinta e um imóveis considerados, desde logo, o monumento primaz do município, o Real Edifício de Mafra (Convento/Palácio/Basílica), a que acrescem treze igrejas paroquiais, sete capelas/ermidas e uma igreja de Misericórdia.
1. Convento / Basílica / Palácio de Mafra
Conjunto arquitetónico barroco, de matriz italiana, constituído por palácio real, basílica e convento franciscano, a que se juntam um jardim barroco e uma tapada real, construído ininterruptamente entre 1717 e 1744, por iniciativa e sob estreita supervisão de D. João V (1689 – 1750), segundo projeto original do arquiteto João Frederico Ludovice (1673 – 1752), que terá contado com projetos parciais, elaborados no decurso da obra, como forma de responder aos sucessivos aumentos, sem, no entanto, nunca perder uma invulgar coerência e harmonia construtiva. Habitualmente comparado com o Mosteiro do Escorial, perto de Madrid, o complexo de Mafra surge, antes de mais, como uma impressionante afirmação do poder absoluto, do Império Português e da legitimação da Casa de Bragança.
Apresenta um programa arquitetónico único, conseguido a partir de uma planta poligonal, composta pela justaposição de dois grandes corpos retangulares, um principal, a ocidente, que comporta o paço real e a basílica, e um secundário, a nascente, que abrange o antigo palácio dos infantes e o convento. A fachada principal está orientada a ocidente, desenvolvendo-se numa extensão total de 220 metros, simetricamente a partir da basílica, que ocupa o seu pano central, interrompendo e, simultaneamente, unificando os palácios do rei (a norte) e da rainha (a sul), através da Sala da Bênção, destinada ao soberano, que abre sobre o terreiro frontal e sobre a nave, assumindo o seu papel de basílica patriarcal e de capela real. É rematada por dois grandes torreões monumentais, claramente influenciados por aquele que Filipo Terzi havia desenhado para o lisboeta Paço da Ribeira. As imponentes fachadas palacianas apresentam um classicismo rigoroso, de grande sobriedade. Ao centro, a fachada da basílica, monumental, observa uma cuidadosa interpretação das ordens, a toscana nas colunas de acesso à galilé, a compósita da fachada da igreja e a ladear o portal de acesso. As torres sineiras, altas, elegantes e com um dinamismo que lhe é transmitido pelo jogo de côncavo/convexo, a cúpula e o lanternim denotam um barroco de influência “borrominiana”. Interiormente, a residência palaciana apresenta uma funcionalidade de organização vertical, cozinhas na cave, despensas e ucherias no piso térreo, o primeiro piso/piso nobre destinado à família real, o segundo piso aos camaristas e membros da corte, e a mansarda aos criados, sendo as salas ocidentais do andar nobre reservadas às funções sociais, os torreões aos aposentos privados e as alas norte e sul à vivência quotidiana, no final destas estavam os aposentos dos infantes. A basílica apresenta planta em cruz latina com os braços e a abside em semicírculo, composta por galilé retangular, nave única, com seis capelas laterais retabulares, profundas, intercomunicantes, transepto saliente servido de duas capelas retabulares, duas capelas absidais, também retabulares, e capela-mor profunda. Na sua volumetria destaca-se o zimbório que se ergue sobre tambor vazado por oito janelas, com molduras profusamente trabalhadas e a grande cúpula. Ricamente decorada, a igreja apresenta-se como um “templo todo de mármore”, em que este material está presente na cobertura da nave, em abóbada de berço, no cruzeiro e cúpula do zimbório, nas colunas e arcos de acesso às capelas laterais, na capela-mor e capelas do transepto com cobertura em abóbada de aresta; no pavimento, de calcário rosa, preto e branco, formando elementos florais estilizados; nos retábulos, feitos à romana e nas cinquenta e duas estátuas de vulto de encomenda italiana. Ao mármore aliam-se os metais e as telas com pintura a óleo. Toda a decoração da basílica foi cuidadosamente encomendada e elaborada para o local, onde só se empregaram materiais nobres, sendo de notar a ausência total de talha dourada tão usual no barroco joanino nacional. O edifício conventual desenvolve-se em torno de um grande claustro, o jardim de buxo, merecendo realce a sua botica e as enfermarias, o Campo Santo e a sua capela, o corredor das aulas e a Sala dos Atos Literários, para além do grande refeitório e da elegante Sala do Capítulo. No entanto, na área conventual, o principal destaque vai para magnifica biblioteca, ou Real Livraria de Mafra, desenhada por Manuel Caetano de Sousa (1738 – 1802), com planta em cruz latina, cobertura de caixotões em mármore branco, pavimento em mármore axadrezado rosa, preto e branco, e com elegantes estantes rococó em talha branca.
2. Igrejas paroquiais
As igrejas paroquiais constituem o principal conjunto de monumentos deste inventário. A organização paroquial do território, efetuada após a Reconquista Cristã, levou à fundação de igrejas em quase todas as atuais sedes de freguesia do concelho, durante os séculos 13 e 15. No entanto, apenas a Igreja de Santo André, antiga paroquial da vila de Mafra, mormente após o restauro efetuado pela Direção-Geral do Edifícios e Monumentos Nacionais na década de trinta do século 20, conserva a sua estrutura tardomedieval. Trata-se de um templo gótico arcaizante, com portais em alfiz, interior escassamente iluminado a partir de frestas nas naves colaterais e de rosáceas nas paredes testeira e fundeira da nave central. É composta por três naves, separadas por arcadas baixas assentes em largas colunas, com capitéis de decoração fitomórfica e capela-mor abobadada com abside poligonal e iluminada por elegante fresta trilobada na sua parede testeira. É possível que este modelo se tenha reproduzido noutras igrejas concelhias, como as de São Miguel de Alcainça, ou de São Miguel do Milharado, ambas com vestígios que permitem supor que seriam inicialmente templos de três naves. Também na Igreja Paroquial de Cheleiros é possível identificar elementos construtivos medievais, como seja o portal gótico, em arco quebrado, em alfiz.
As igrejas do concelho, mesmo as de fundação medieva, sofreram quase todas campanhas construtivas posteriores, por vezes mesmo de reconstrução, que em muito as alteraram. A primeira destas campanhas terá ocorrido logo no reinado de D. Manuel I (1469 - 1521), sendo muitos os vestígios de uma decoração de gramática manuelina em vários imóveis mafrenses. Este estilo ornamental é visível nos portais das igrejas paroquiais de Santo André de Mafra, Nossa Senhora do Reclamador de Cheleiros (com pia de água-benta incrustada), São Miguel do Milharado e Nossa Senhora da Conceição de Igreja a Nova; nos arcos triunfais de Nossa Senhora do Reclamador de Cheleiros e de Santo Isidoro; nas abóbadas das capelas-mores de Santo André, Nossa Senhora do Reclamador de Cheleiros, Nossa Senhora da Assunção de Enxara do Bispo, São Miguel de Alcainça e São Miguel do Milharado; ou em pias batismais e de água-benta de Nossa Senhora do Reclamador de Cheleiros, Nossa Senhora da Assunção da Enxara do Bispo, Nossa Senhora da Conceição de Igreja a Nova, São Miguel de Alcainça, etc.
Ainda do século 16 e da centúria seguinte datam as grandes obras de ampliação dos templos, que passam a ser (todos à exceção de Santo André de Mafra) de nave única, abobadada, ou tripartida em teto de masseira, e uniformemente iluminada, e de enriquecimento do interior dos mesmos, que, por estas datas, recebem obras de pintura, revestimentos azulejares e imagética.
A construção do Monumento de Mafra, obra cimeira do reinado de D. João V (1689 - 1750), que decorreu a partir de 1717, tornando-se uma “escola” para a arte de construir, foi um dado marcante do início do século 18 no concelho, que se pode replicar em alguns elementos construtivos de algumas das paroquiais do atual município, particularmente na imponente galilé da paroquial de Vila Franca do Rosário (que, todavia, possivelmente pelos danos do sismo setecentista, haveria de ficar inconclusa) ou na fachada principal da paroquial da Encarnação.
Por último, e ainda relativamente às paroquiais de Mafra, não podemos esquecer os grandes danos sofridos pelo terramoto de 1 de novembro de 1755 e a necessidade de, para satisfazer o culto, reerguer aceleradamente os templos, cuja feição atual é, essencialmente, marcada pelo tardobarroco pós-terramoto. Nesta situação encontram-se as paroquiais de São Pedro dos Grilhões da Azueira e de São Silvestre do Gradil.
Todavia, não obstante todas as alterações sofridas no decurso dos séculos, podemos encontrar algumas semelhanças planimétricas entre as várias paroquiais: edifícios caracterizados por um exterior de tratamento arquitetónico austero, com galilé diante da fachada principal, podendo, por vezes estender-se às laterais, e por um interior organizado segundo um esquema planimétrico básico, de nave única e capela-mor, a que se adossam, lateralmente, os corpos da sacristia e de outros pequenos anexos; fachadas simples, rematadas em friso e beirado simples, sendo a principal, normalmente, terminada em empena triangular (por vezes curva), rasgada a eixo pelo portal encimado por vão retilíneo, e ladeada por uma ou duas torres sineiras, geralmente com cobertura em domo bolboso e com fogaréus nos acrotérios; interior de nave única, com maior ou menor riqueza decorativa, cobertura abobadada ou tripartida em masseira na nave, e em abóbada na capela-mor, iluminada uniformemente por janelas retilíneas rasgadas nas fachadas principal e lateral direita; coro-alto adossado à parede fundeira, sobre batistério; púlpito ao centro da nave, arco triunfal por vezes flanqueado por retábulos colaterais e capela-mor com parede testeira antecedida por retábulo expositivo.
3. Capelas e ermidas
Marcos da religiosidade popular, por todo o território nacional foram erguidas, durante todo o Antigo Regime, pequenas ermidas/capelas em local de romaria com origem em lenda fundacional, muitas destas dotadas de albergaria de apoio aos peregrinos que aí mantém a devoção. O território abrangido pelo atual concelho de Mafra não é aqui exceção, sendo que a este grupo pertencem as ermidas de Nossa Senhora do Codaçal, em Sobral da Abelheira; de São Julião, na Carvoeira; de Santa Cristina, na Azueira; e de Nossa Senhora do Socorro, na serra homónima, junto ao Gradil. Estes monumentos mantêm-se afetos ao culto, prosseguindo a funcionalidade para que foram criados, agora sem que as albergarias de apoio a peregrinos se mantenham em funções.
De entre o grupo das pequenas ermidas ocupam um papel especial, as ermidas do Espírito Santo, erigidas nos núcleos urbanos. Estas desempenham um papel fundamental na assistência às populações locais (garantindo alimento, acolhimento e tratamento), a peregrinos e viajantes. No concelho de Mafra terão existido ermidas do Espírito Santo com albergaria ou hospital anexo, nos locais de Asseiceira Grande, Azueira, Cheleiros, Enxara do Bispo, Ericeira, Gradil, Igreja Nova, Mafra e São Miguel de Alcainça. Destas não chegaram aos nossos dias as de Mafra (demolida já no século 20), da Ericeira, que terá sido substituída pela Igreja da Santa Casa da Misericórdia, também com hospital anexo, de fundação seiscentista, e a do Gradil, para a qual não existem quase notícias. Das remanescentes ermidas apenas fazem parte deste inventário as de Cheleiros e de São Miguel de Alcainça, por apenas estas serem alvo de proteção legal. Estes templos mantêm-se em atividade, funcionando como capelas mortuárias. No entanto, das albergarias anexas, provavelmente construídas em material mais perecível, apenas resta notícia e, no caso de Cheleiros, o portal setecentista erguido na Rua do Espírito Santo.
Em todas estas pequenas capelas podemos encontrar algumas características comuns: templos de pequenas dimensões e de feição rústica, que apresentam um exterior de tratamento arquitetónico austero, e uma planta, normalmente de orientação canónica, que se desenvolve segundo um esquema planimétrico básico composto pela articulação axial da nave única retangular, que pode ser precedida de galilé alpendrada, e capela-mor, mais estreita, quase quadrangular, a que se adossa, do lado esquerdo, o retângulo da sacristia, com porta independente de acesso ao exterior e com a mesma orientação do portal principal; fachadas rebocadas e caiadas a branco, muito sóbrias, percorridas, ou por soco e cunhais de cantaria, ou por faixa pintada a amarelo ocre ou azul cobalto; fachadas principal e posterior em empena triangular encimadas por cruz pétrea, sendo a principal rasgada axialmente por portal, manuelino encimado por óculo, ou de verga reta e moldura de alvenaria simples encimado por pequena janela retilínea servida de gradeamento; as fachadas laterais são rasgadas por vãos retilíneos com molduras simples de cantaria e rematadas por cornija saliente; cobertura telhada a duas águas. Interiormente, apresentam nave única com cobertura tripartida de madeira e capela-mor com cobertura em abóbada de berço.
Por último, no conjunto das pequenas capelas é de referir a hexagonal Capela de São Sebastião, na Ericeira, que marca o limite quinhentista desta povoação piscatória, erguida para a proteção do povoado em época de peste. Apresenta uma planta de características bastante inusuais para a região, resultante da articulação de um corpo inicial hexagonal, nave e capela-mor, e de um corpo retangular, acrescido posteriormente, para sacristia e dependências anexas. Exteriormente, mantém a feição rústica habitual, com as suas fachadas caiadas de branco. A sua cobertura é em domo hexagonal, com pináculos em forma de pinha no topo, na nave e capela-mor. Interiormente, apresenta as suas paredes murárias e a cúpula totalmente revestidas a azulejo de tapete de padrões seiscentistas.
4. Igreja de Misericórdia
Igreja da Misericórdia da Ericeira, barroca, foi construída em finais do século 17 ou inícios do 18, no local de uma antiga ermida do Espírito Santo e edifício da antiga enfermaria seiscentista adossado a sul. Integra-se, também ela, no conjunto de pequenas igrejas da denominada região saloia, apresentando características afins dos restantes imóveis, como um exterior de tratamento arquitetónico austero e um esquema planimétrico interior básico, resultado da articulação dos corpos da nave, capela-mor e sacristia, do pequeno corpo quadrangular da torre sineira, e, para sul, dos corpos das dependências anexas à sacristia e à enfermaria. Destaca-se neste imóvel o programa decorativo predominantemente tardobarroco, executado a partir de meados do século 18 e complementado por uma campanha decorativa oitocentista, já de gosto neoclássico. As dependências do antigo hospital servem hoje de arquivo-museu.
II. Arquitetura residencial
De entre os imóveis selecionados para inventário, ou seja, os classificados do concelho de Mafra, existem dois exemplares de arquitetura residencial.
1. Uma quinta barroca
Quinta do Pato, na Azueira. Casa senhorial com capela anexa, inserida em propriedade agrícola, construída por ordem dos morgados da Bandalhoeira na primeira metade do século 18. Apresenta a racionalidade própria de uma quinta barroca, quer na sua austera e elegante decoração, quer na disposição funcional articulando, o acesso ao solar com as dependências de apoio ao trabalho agrícola, em torno de um pátio retangular à face da rua, que também permite um acesso independente à capela da casa. A organização interior dos espaços será também a característica dos solares barrocos, estando o primeiro piso reservado às áreas de serviço, com entrada igualmente pela fachada sul, por porta de verga curva. O piso nobre, segundo piso, é servido de átrio, reservando para a zona virada à rua, as áreas sociais e, para as fachadas poente e noroeste, as áreas privadas, incluindo o acesso interno à capela. Apresenta pinturas murais a decorar paredes e tetos das áreas sociais.
2. Casa pombalina
Edifício da Praça da República, na Ericeira. Casa de habitação unifamiliar construída, muito provavelmente, no início do século 19, apresentando ainda as características da casa de habitação pombalina. Com planta retangular, simples, com dois pisos escalonados sobre loggia. As fachadas denotam uma grande sobriedade e bom desenho, são percorridas por soco saliente, apresentando, igualmente, cornija saliente. A fachada principal orientada a norte, para a praça, de que ocupa o topo sul, animada pelo rasgamento a eixo de uma porta de verga reta, é ladeada por duas janelas de peito, sendo os três vãos sobrepujados por três janelas de peito, e, na cobertura, ao centro por uma trapeira. A poente, a fachada lateral esquerda apresenta um corpo avançado ao nível do primeiro piso, rasgado por uma loggia formada por cinco arcos de volta perfeita. O segundo piso é rasgado em terraço coberto por alpendre apoiado em colunas toscanas.
III. Arquitetura judicial
A par dos forais, os pelourinhos, ou picotas, surgem como um marco da independência administrativa de uma vila, ou cidade, assinalando que as mesmas eram detentoras de privilégio. No reinado de D. Manuel I, a reforma dos forais e a atribuição de forais novos foi acompanhada do direito a possuir pelourinho. No perímetro do atual concelho de Mafra não é conhecido nenhum pelourinho senhorial, havendo apenas notícia de atributos municipais. Assim, encontram-se pelourinhos nas vilas de Mafra, da Ericeira e de Enxara dos Cavaleiros, e memória de um pelourinho em Cheleiros (encontra-se fragmentado), todos eles classificados desde 1933.
IV. Arquitetura de transportes
A ponte antiga de Cheleiros, de origem medieva, é o único imóvel desta categoria abrangido pelo presente inventário. É uma ponte de arco único, de volta perfeita, constituído a partir de silhares bem aparelhados, indiciadores de uma primeva construção romana. Apresenta, todavia, um tabuleiro em cavalete, em rampa ascendente, guardas murárias em aparelho miúdo rebocado e pavimento, que seria inicialmente em pedra aparelhada, hoje de seixo rolado, indicadores de uma construção medieval.
V. Arquitetura militar
Neste inventário foram considerados, nesta tipologia, o Forte de Milreu, classificado desde 1977, e, parcialmente, o conjunto formado pelas 1.ª e 2.ª Linhas de Defesa a Norte de Lisboa durante a Guerra Peninsular, também conhecido como Linhas de Torres Vedras, que se encontra em vias de classificação.
1. Forte de Milreu
Trata-se de uma fortificação moderna, com características maneiristas, construída no final do terceiro quartel do século 17, para guarnecimento da linha de costa, alvo de constantes ataques de corsários e piratas, nomeadamente para defesa do porto piscatório da Ericeira e da sua povoação, seguindo os princípios da escola francesa. Apresenta uma planta retangular, composta por bateria em esplanada, cortinas em talude rematado em parapeito com cinco canhoneiras, duas guaritas de corpo cilíndrico e cobertura cónica, localizadas sobretudo no remate, e baluartes virados a terra, defendendo a entrada norte do forte, contra o ataque de forças terrestres desembarcadas.
2. Linhas de Torres Vedras
Erguidas entre 1809 e 1812 no contexto da Guerra Peninsular, com o objetivo de proteger a entrada em Lisboa aquando da terceira invasão francesa, constituem um notável sistema defensivo formado por três linhas de defesa, que integram um total de 152 redutos, 600 peças de artilharia, um sistema de comunicações com postos de sinais, estendendo-se por mais de 88 quilómetros. Deste conjunto, que se notabiliza como sendo um dos grandes empreendimentos da nossa história contemporânea, e uma das mais impressionantes e eficazes obras defensivas de todos os tempos, 99 redutos encontram-se atualmente em vias de classificação, sendo 28 destes localizados no concelho de Mafra, quatro dos quais são, atualmente, visitáveis (fortes Grande, Pequeno, do Zambujal, da Feira e do Juncal). Pertencentes na sua maioria à 2.ª linha de defesa, a qual se iniciava no Tejo, a norte da Póvoa de Santa Iria, atravessava Montachique e Mafra, e terminava na zona da Ericeira, junto à foz do rio Safarujo.
Cada uma destas obras militares encontrava-se adaptada à configuração do terreno e diferenciava-se no tamanho, na forma (variação do número de lados do polígono) e no poder de fogo. Construídos em terra e alvenaria de pedra, os redutos apresentavam parapeitos de 5 pés de altura (cerca de 1,50 m) e banquetas, eram rodeados por um fosso com 15 pés de largura (cerca de 4,50 m) e 10 pés de profundidade (cerca de 3 m) e protegidos por paliçadas, encontrando-se ainda reforçados por pedras, troncos e trincheiras.
VI. Arqueologia
É de entre os vários testemunhos das primeiras sociedades camponesas, que surge o último registo deste inventário: o povoado do Penedo do Lexim,descoberto por Estácio da Veiga (1828-1891), no último quartel do século 19 e alvo de classificação em 1982. Localizado na atual união de freguesias de Igreja a Nova e Cheleiros, o Penedo de Lexim resulta do brusco arrefecimento do magma de uma antiga chaminé vulcânica, e da formação de vários blocos prismáticos que criam uma espécie de “castelo natural”, que irrompe por entre a vegetação, sobranceiro aos terrenos agrícolas junto à ribeira de Cheleiros. Estavam assim criadas as condições ideais para aí se instalar uma pequena comunidade agro-pastoril, que aqui deixou vestígios da sua atividade, como, fragmentos de metalurgia do cobre e de cerâmica (decorada com folha de acácia, caneluras largas e motivos geométricos, e, ainda, posteriores exemplares com carenas acentuadas e vasos de colo alto), além de componentes pertencentes a "queijeiras" e pesos de tear.
Paula Tereno 2018
[i] Censos 2011. Resultados Definitivos. Lisboa: INE, 2012, p. 96